Do Tele.Síntese
10/08/2011
O secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Delfino Souza, tem alguns conhecidos problemas para resolver, além de ampliar práticas que deram certo na gestão passada. Entre os problemas conhecidos estão a interoperabilidade dos sistemas dos três poderes e das três esferas de governo. Ele mesmo aponta que pelo menos dois mil municípios brasileiros “têm carência de melhoria da governança baseada em informatização”. O bom resultado das compras centralizadas dos serviços de telecomunicações, que gerou economia de milhões para os cofres públicos, será agora ampliado para a aquisição de computadores e notebooks. Entre 60 mil a 80 mil máquinas serão compradas em breve, de maneira centralizada por sua secretaria.
Atuando em outra frente, sua equipe está envolvida na publicação de um novo portal (www.dados.gov.br) voltado para desenvolver o padrão dos dados abertos públicos. A ideia, explicou o secretário, é publicar um catálogo, que consiga traduzir o dado disponível, para que tenha diferentes usos. Outro grande desafio é encontrar os recursos e montar o sistema para a implementação do RIC (registro de identidade civil). Um cartão com chip que guardaria, com segurança, as diferentes informações do cidadão.
Tele.Síntese – Qual a nova missão da SLTI sob a sua gestão?
Delfino Souza– Na verdade nós, não estamos falando em nova missão. Recebemos uma área muito bem estruturada, com aporte de pessoas oriundas de concurso realizado em 2007, e podemos criar uma carreira da TI (tecnologia da informação) no governo.
Tele.Síntese – Qual a é a principal estratégia da pasta?
Souza – A governança de TI tem que ser uma área estruturada em cada um dos 216 órgãos que integram a administração pública federal, inclusive autárquica e fundacional. Cada qual precisa estruturar uma área de segurança, fazer o planejamento estratégico e elaborar um plano de encarreramento e de gestão de pessoas.
Tele.Síntese – Na linha que o TCU recomenda?
Souza – Na verdade, o TCU determina que os investimentos em TI devam ser planejados. Ele define a prática da governança. E por conta da necessidade de gestão e da importância estratégica da TI como forma de promover melhor gestão, maior transparência, melhor aplicação dos recursos públicos em geral, com a informatização, com a disseminação de práticas, então, o TCU colocou como um eixo estratégico de acompanhamento. Agora o trabalho é de buscar metodologias. Já houve adesão geral desta metodologia entre os três Poderes, que é aplicar a melhor prática de gestão de TI baseada em COBIT I(que estabelece planejamento estratégico e acompanhamento de indicadores).
Tele.Síntese – Cada órgão faz o seu próprio planejamento? E quem é que acompanha?
Souza– A administração pública se caracteriza pela independência dos poderes e autonomia dos órgãos, mas o papel da SLTI é estabelecer a trilha. A norma é uma recomendação a ser seguida, mas ela depende de maturidade, não é uma coisa que funcione da noite para o dia. Como nós normatizamos e definimos como é a trilha, o TCU acompanha essa maturidade.
Tele.Síntese – O que você acredita que pode ser aprimorado nos próximos dois anos, por exemplo, por meio dessa trilha?
Souza – A gente espera que os órgãos atuem na área de TI coibindo obsolescências, melhorando os processos de gestão e trabalhando alinhado com as metas de cada órgão, seja na educação, na saúde, nos transportes.
Tele.Síntese – No orçamento da União não há uma destinação clara de quanto o governo gasta com TI. Isso é um problema?
Souza – Na verdade, os números não estão organizados na forma de gerenciamento, mas cada órgão tem o controle e a LDO já traz informações. A lei define o que é operação de sistemas, o que é desenvolvimento, o que é suporte e manutenção. Poderíamos aprimorar um pouco mais e tornar essas informações alinhadas a metas de desempenho. A gente procura olhar os indicadores não só sobre a ótica orçamentária e financeira, a gente tem algumas linhas de gestão. Por exemplo, a SLTI acompanha se os portais de cada órgão estão compatíveis com características de navegações universais, e acessibilidade.
Temos outros indicadores, como por exemplo, acompanhar a obsolescência do parque tecnológico. Estamos fazendo uma compra de desktops e computadores e entendemos que seria interessante aplicar o poder de compra, fazer uma compra global, envolvendo vários órgãos.
Tele.Síntese – Essa compra global de computadores visa apenas reduzir preços?
Souza – A meta não é somente de economia. Também é de comprar melhor e com padrões. No caso da telefonia, com licitação compartilhada nós conseguimos uma economia muito significativa, da ordem de dezenas de milhões.
Tele.Síntese – Vocês querem ampliar essas compras compartilhadas para outras commodities?
Souza – Sim. Hoje já é uma prática para a telefonia, tanto a fixa como a móvel, e atende a 30 órgãos. Nós estamos planejando agora a compra de desktops e notebooks, que pode atender a um número maior de órgãos. Porque o modelo de aquisição é de compra firme. É uma ata de registro de preço, mas com garantia de adesão e já temos mais de 60 mil para 15 órgãos compromissados e pode chegar a 80 mil máquinas, com a adesão de novos órgãos. Claro que a escala traz um ganho financeiro, mas também permite que nós implementemos um padrão de qualidade muito bom. Teremos teremos máquinas com maior durabilidade, melhor qualidade.
Tele.Síntese – Como fica a política de software livre sob a sua gestão? No governo passado ela ficou meio errática.
Souza – Sou defensor da ideia da racionalidade, da melhor aplicação e do uso daquilo que a gente tem de mais efetivo e maduro. E hoje sou defensor e admirador da política de governo em termos universais de uso do código aberto. Mas também vi que em alguns momentos a gente imaginou que isso seria muito mais radical do que de fato aconteceu. Nosso portal do software público defende hoje uma estratégia de regulamentação, com reconhecimento do direito autoral, com registro da marca no INPI e com um trabalho no conceito de reuso das soluções. Integra uma comunidade de usuários e de empresários do setor. Para mim, essa prática deve ser patrocinada e disseminada. O portal conta com 51 soluções publicadas e nos mais diferentes tipos de negócios, mas com apelo muito forte para uso na gestão pública. Ele também está aberto, é público, e tem 110 mil usuários válidos, integrando grupos de debates e discussões e de trocas de experiências.
Tele.Síntese – Como é esta interface entre a secretaria e o portal?
Souza- Estamos muito voltados para os municípios. Temos uma agenda para buscar melhoria para os cidadãos e entendemos que os municípios hoje precisam melhorar tanto na gestão quanto na melhoria da qualidade do serviço e na sua própria governança. Dentro do portal, há o e-cidades com uma solução que permite que pequenos e médios municípios que ainda não possuem processo integrado de gestão possam implementar várias soluções, como gestão financeira contábil, cobrança, automação do processo de arrecadação do ISS, IPTU. O nosso investimento hoje não é em infraestrutura com o software livre, mas sim no direito ao acesso do código de cada negócio.
Tele-Síntese – Há críticas da falta de sustentação do software livre porque cada órgão customiza demais as soluções.
Souza- O software público tem um papel essencial, quando se produz chaves assimétricas, quando se produz rotinas de segurança que devam ser de domínio nacional. O projeto João de Barro, coordenado pelo governo com algumas áreas, é um exemplo que produz um motor de segurança de criptografia com tecnologia nacional. Quando se fala de aplicações críticas é muito importante que a gente tenha o domínio do sistema operacional. Eu cito o exemplo da CEF que colocou os 35 mil terminais lotéricos numa aplicação em Linux porque ela precisa dominar a inteligência e gerenciar o modelo de negócio. O Banco do Brasil e a CEF também utilizam uma solução em Linux para operar as máquinas de autoatendimento, de saques e de pagamentos de contas, porque ali têm condições de internalizar todo o controle da máquina. Hoje em dia, na área de infraestrutura de comunicações, os firewalls, as barreiras, os gerenciamentos da internet, são baseados em servidores Linux, porque existe a condição de trabalhar o núcleo do sistema para prover a segurança.
Mas acho que a liberdade de escolha do sistema é uma política interessante. Não há obrigatoriedade nem do software proprietário nem do livre. A gente pode ter a opção definida dentro da organização e e deixar cada um escolher. Eu diria que não só com relação ao sistema operacional mas também pelo browser de navegação, pela automação do escritório, se Office ou BrOffice. Tem pessoas que já preferem o sistema operacional da Apple, que hoje está muito presente no mercado. Da mesma forma, os sistemas operacionais dos smartphones, que há muita diversificação.
Tele.Síntese – Mas com uma abertura assim o governo não perde sua política, ou seja, vai pagar licenças para alguns softwares e em outros órgãos não?
Souza – Essa é uma reflexão interessante. A gente ainda não tomou uma decisão de como vamos fazer na compra máquinas, entre 60 mil e 80 mil, mas a ideia é deixar como item de entrega, quer dizer, o órgão pode optar por aderir ao sistema operacional que quiser. A indústria nos sinaliza quie isso não é determinante no preço final, porque como software vem embutido, ele está pesando muito pouco, algo em torno de 2% a 3% do preço final.
Tele.Síntese – Mas não há o custo da renovação?
Souza – Em termos, porque nos últimos anos a evolução dos sistemas operacionais não tem sido tão grande. A gente teve a descontinuidade de algumas versões, mas hoje elas estão casadas com as gerações de hardware. A produtividade hoje está muito mais ligada à automação do escritório e ao browser do que propriamente ao sistema operacional. Muito provavelmente, a aquisição dessas máquinas saia com Windows nativo e a opção para substituí-lo pelo Linux a cargo de cada órgão.
Tele.Síntese – Como você avalia, então, uma política de estímulo ao software livre.
Souza –Eu imagino que o governo deva acatar a regra de mercado. Muitas vezes a gente tem uma política de imposição em alguns processos, mas também temos que observar o que ocorre no mercado.
Tele.Síntese – Os exemplos de e-governo há muito são os mesmos: imposto de renda, eleições. Não acha que o desafio hoje é levar o governo para o cidadão, informações para pegar ônibus, tirar passaporte, por exemplo?
Souza – Penso que o trabalho agora é o na área de interoperabilidade de processos entre governos. O Decreto Cidadão estabelece um marco. Ele define o atendimento ao cidadão por todas as instâncias de governo. Em função dessa política, a gente publica uma carta de serviços ao cidadão e procura estabelecer alguns padrões de atendimento para uma agenda federativa, ou seja, é preciso atender o cidadão no âmbito do estado, município e União. Esse é o desafio hoje, de integração, de interoperabilidade. E essa integração está acontecendo nas diferentes linhas de governo, no âmbito da transparência. O portal da transparência é uma realidade, uma estratégia de governo, é gerido pela CGU, mas com um apoio, uma integração muito grande no estabelecimento de padrões. Dentro dessa área a gente vem evoluindo com as tendências internacionais. Nós lançamos no final do ano passado e estamos com um plano de trabalho publicado do Inda (Infraestrutura Nacional de Dados Abertos). Já tomamos a primeira iniciativa de unir os padrões publicados, para se criar essa infraestrutura de dados abertos.
Tele.Síntese – Por exemplo?
Souza – Junto com o dado, nós publicamos o catálogo, a forma de traduzir este dado. Se uma área de pesquisa tem interessa em extração de dados para produção de conhecimento, isso já vai ser feito de forma aberta
Tele.Síntese – O Inda tem a ver com a divulgação dos dados do governo, que está em discussão no Senado?
Souza – Na verdade, o Inda foi criado no momento que o projeto foi enviado para o legislativo como uma forma de nós reduzirmos nossos próprios custos operacionais e dificuldade em divulgar as informações. Então, é a metodologia para que a gente atenda a lei da transparência. Isso ainda está em construção. Nós vamos publicar em um portal exclusivo dentro do portal do governo eletrônico.
Hoje ele tem um fórum público, com reuniões bimensais, no próximo encontro nós vamos publicar o portal (www.dados.gov.br). Ele vai ser o grupo de discussão do estabelecimento do padrão brasileiro para publicação de dados abertos. Nós publicamos dentro do portal Comprasnet a abertura da base de fornecedores do governo. São 450 mil empresas que fornecem para o governo e estão credenciadas no Sicafi e hoje já estão abertas para download as informações dos fornecedores que são consideradas públicas.
Tele.Síntese – Mas tudo isso é muito voltado para gestão. Cadê o atendimento ao cidadão?
Souza – Hoje nós temos uma visão de que os serviços devam evoluir para o autoatendimento na internet. Essa relação precisa melhorar com a própria informatização dos órgãos. Dos 5.600 municípios, cerca de 2 mil ainda tem carência de melhoria da governança baseada em informatização. Estamos buscando formas de incentivos, financiamentos, a disseminação do software público para que isso seja uma realidade.
Tele.Síntese – Mas além dos municípios, há muita oferta de serviço do governo federal que não chega ao cidadão, como serviços da Previdência, que não permitem a solicitação da aposentadoria pela internet.
Souza – Há todo um leque de desafios, segurança e a própria informatização. O grande processo estruturante para a população brasileira é o registro da identidade civil (RIC). O marco regulatório está estabelecido, há uma lei. É um desafio grande porque a emissão de um documento de identidade é delegada para estados da federação. O RIC vai ser um cartão, um smartcard. Além de o plástico externo substituir o documento de identidade atual, materialmente, dentro do chip vai ter o certificado digital. Isso vai permitir que a gente faça a identificação para autosserviços, para aposentadorias, para atendimento ao cidadão de forma mais eficiente
Tele.Síntese – A que custo? O Ministério da Saúde tinha ideia de fazer o cartão do SUS com chip, mas desistiu em função do alto custo.
Souza – Temos debatido bastante os projeto da saúde, principalmente sob a ótica da interoperabilidade, dos padrões da arquitetura. E entendemos que o passo do Ministério da Saúde, de implantar um cartão simples, sem o chip, é necessário. Com isso, o ministério está mobilizando as unidades federativas, está qualificando os cadastros, a identificação das pessoas. E esse trabalho é uma forma de, no futuro, migrar por adesão ao RIC, por exemplo.
Tele.Síntese – Quando vai começar o RIC?
Souza – A emissão do documento de identidade é tarifada regionalmente, e a gente precisa primeiro encontrar uma forma de não onerar o custo. Além disso, há o investimento na mudança de infraestrutura operacional. Não só de sistemas, mas do procedimento de captura das digitais, do armazenamento e da integridade desses dados. Nós estamos, nesse momento, construindo essa logística de implantação em larga escala. Alguns estados já se candidataram como parceiros para fazer a implantação piloto – Rio de Janeiro, Bahia, Distrito Federal. Estamos construindo o plano de negócios, estruturando as linhas de suporte financeiro e orçamentário para suportar essa implantação.
Tele.Síntese – A infraestrutura que existe suporta esses novos serviços?
Souza – Há um grande desafio nessa área. Não só o crescimento da infraestrutura, mas também a racionalização do custo do investimento. Um dos pilares do PNBL é assistir municípios não atendidos com o tronco central de suporte para comunicação para conectar os órgãos públicos. O INSS e a Previdência são parceiros estratégicos porque a gente tem uma conta razoável para conectar as mais de quatro mil agências. É um grande desafio no Brasil, equacionar a chegada dos serviços baseados no autoatendimento. A pressão que vem da sociedade é muito grande. Os crescimentos de acesso a internet são significativos, com perto de 60 milhões de pessoas conectadas, o que ainda é um terço da população.
Tele.Síntese – Como é a participação da SLTI no PNBL?
Souza – A SLTI é parceira estratégica na definição dos padrões dos serviços. Quando a gente fala que um município precisa conectar um posto de saúde ao sistema central do Ministério da Saúde, como ele vai fazer? Ele vai precisar de usuário, de uma conexão segura, de uma regra de uso, e é isso que nós estamos fazendo. Nós temos encontros semanais com a Telebrás. Vamos aderir às melhores práticas, aquelas que já estão consolidadas, que já tem garantias de sustentabilidade tecnológica.
Tele.Síntese – O uso do poder de compra do Estado, como vai ficar?
Souza – Ainda não está regulamentado. A área de compras, o Comprasnet, está com várias frentes de discussão. Há o Recopa, com algumas evoluções revistas no PL 32 que está tramitando há algum tempo. O Recopa antecipou alguns desses dispositivos que teremos que incorporar no Comprasnet.
Há o direito de preferência, que afeta muito a tecnologia da Informação, mas não é só isso, o maior desafio é refletir sobre produtos e serviços. Mas, na minha posição, o uso do poder de compra não deve ser adotado de forma generalizada. Ele deve ser tratado de forma estratégica, de posicionamento do produto do setor, do ponto de vista da preservação de produção nacional, de equilíbrio de balança comercial, tratado caso a caso.
Tele.Síntese – Há outras mudanças na área de compras governamentais?
Souza – Compras sustentáveis. É uma área ainda de desafio para tratar, porque não há padrões no mercado para seguirmos. Compra sustentável significa trabalhar com produtos fabricados com técnicas que preservem o meio ambiente, que siga a lei de resíduos sólidos, que tenham políticas de descarte. Há uma instrução normativa que trata do tema. A parte de resíduos eletrônicos está bem disseminada, mas a gente vem, junto com o Ministério do Meio Ambiente, aprofundando o tema. Ele ainda é uma questão baseada em melhores práticas e ainda não tem indicadores para serem seguidos.
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