Telecentros.BR: como se enxerga uma rede?

O processo coletivo de formação usado pela Escola do Futuro na Rede de Formação do Telecentros.BR integrou atores e visões distintas -- do governo, de universidades, de organizações da sociedade civil -- e permite acompanhar como está se articulando a rede de formação. Além disso, gera contribuições para se pensar nos rumos do próprio programa.

21/07/2011

 

A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo é a responsável pelo Polo Nacional da Rede de Formação do programa Telecentros.BR. Quando começou seu trabalho, em junho de 2010, a Escola do Futuro já sabia que queria organizar um processo de produção coletiva de formação, para criar, entre os diversos atores participantes, um comum — um entendimento compartilhado do que seria a rede de telecentros, o programa, a formação e o trabalho dos monitores.

Esse comum se concretizou, desde então, em várias instâncias: na formação de um comitê gestor, em reuniões, encontros e seminários entre os participantes da rede, em grupos de trabalho. Em todo o processo, foram usadas tecnologias de conversação presenciais (dinâmicas, depoimentos etc) e digitais (redes sociais, chats etc). Foram ativadas várias comunidades da rede (designers, supervisores, coordenadores). E foram construídos instrumentos para permitir a análise do que ocorre em cada fase do processo.

Tudo isso levou, entre outras coisas, as universidades, as organizações da sociedade civil e o governo a se enxergarem como parte de uma mesma rede: a Rede de Formação do Telecentros.BR acaba por se fundir à rede do próprio projeto, composta pelas iniciativas que fazem a gestão dos telecentros, pelos próprios telecentros, pelos gestores do programa federal. Se você quiser entender como isso aconteceu, veja esta apresentação. Você vai ver como é formado o programa, o que a Rede de Formação realizou até agora e como essas tecnologias foram usadas. Vai saber quantas mensagens trocaram entre si os participantes da rede. Como é cada módulo da formação.

E vai entender uma coisa mais: como se enxerga uma rede. Um dos resultados do trabalho da Escola do Futuro são “fotografias” de como os participantes da Rede de Formação estão realizando suas conversas, como estão interagindo, entre si e com os demais, os supervisores, tutores e monitores da rede. Esta é a primeira vez que um projeto de inclusão digital, no Brasil, usa os dados de interação entre seus participantes, dentro da plataforma de ensino à distância na qual parte do processo de formação é realizado, para refletir sobre que rumos tomar e como estimular essa articulação em rede.

Você já viu um grafo? A fotografia de uma rede? Veja esta aqui, a dos monitores que continuam conversando entre si quando se retira, da fotografia, os tutores que acompanham cada grupo de 30 monitores na formação. O que isso quer dizer? Se as conversas continuam, eles estão se articulando, a rede está se formando. Quem conversa com quem? Isso pode indicar interesses comuns, que podem ser incentivados. E indicar, por exemplo, como organizar a Oficina de Inclusão Digital em que pessoas de telecentros de todo Brasil vão se encontrar.

Dalton Martins, um dos articuladores da Escola do Futuro, respondeu algumas perguntas d’ARede sobre este processo. Veja abaixo.

ARede – Qual é a diferença de enxergar esta rede assim e o que fazem os demais programas de formação?
Dalton
– Existem vários pontos que poderíamos pegar a partir disso. Vou tentar as diferenças em tópicos que acredito que sejam relevantes:

1. como instrumento de intervenção: mapeamentos e imagens de redes de colaboração podem ter um efeito muito interessante quando apresentadas as pessoas que participam dessas redes. Sua percepção do tipo de interatividade que realizam é totalmente qualitativa, afetiva, a partir das sensações geradas pelas conversações, o que é ótimo. Quando olham para essas imagens começam a ter uma percepção do todo que se ativa a partir de suas conexões, do quanto esse movimento alcança horizontes que ultrapassam seu raio de ação e o quanto isso lhes afeta permitindo refletir de outras formas sobre as próprias redes que participam. Ou seja, esses mapeamentos facilitam promovermos reflexões entre os participantes, para se olharem, se pensarem a partir de uma visão do todo conectado. Essa reflexão realimenta a própria rede, produzindo alguns tipos de intervenção que têm efeitos bastante diferentes, dependendo do contexto de cada rede.

2. como instrumento de percepção: atuar em projetos colaborativos onde uma dimensão importante do nosso trabalho é ativar e estimular redes de articulação é ao mesmo tempo muito sedutor mas bastante complexo para monitorar/avaliar o que de fato tem acontecido. Já passei por uma série de projetos onde se ouve frases do tipo “tá bombando”, “tá dando super certo”, “a rede tá aquecida” e por aí vai. Utilizar uma visualização dessa rede, seu formato, sua estrutura pode ajudar muito a dar um pouco mais potência a essas descrições, facilitando percebermos com um pouco mais de cuidado o que tá rolando;

3. como instrumento de gestão: gerar indicadores e camadas de percepção sobre o desenvolvimento de uma rede pode ajudar muito a repensarmos nas ações e nos modos em que estamos conduzindo um programa. Esse tipo de percepção de rede, junto com mais camadas de refino que podem ser geradas, ajudam a responder algumas questões fundamentais para um programa: A formação estimula a ativação da rede ou achata as relações entre os monitores? Há algum tipo de colaboração entre os monitores e os telecentros? Que tipo de agenciamento coletivo está ocorrendo nessa rede? Essa estrutura de rede permite maior ou menor potencial de circulação da informação entre os participantes? Os tutores estão facilitando a articulação entre os monitores ou têm gerado uma relação mais hierárquica, reproduzindo muitos dos dispositivos de uma escola tradicional? E por aí vai…

ARede– O que vocês precisaram fazer para poder chegar a esse retrato?
Dalton – Utilizamos as bases de dados geradas pela plataforma do curso de formação, no caso, o Moodle. Analisamos todas as interações entre os participantes que são registradas nas tabelas, utilizando camadas que ajudam a identificarmos que são os tutores, os monitores, equipe de gestão, supervisores e por aí vai. Em tese, podemos colocar as camadas que tivermos interesse em analisar, podem visualizar como elas vão se compondo, se articulando e produzindo algum tipo de padrão de conectividade que pode ser melhor explorado pelo coletivo do projeto como um todo. A partir da análise das interações, usamos algum software que processe isso e gere as imagens. No nosso caso, utilizamos o software chamado Pajek.

ARede– Como as informações sobre essas conversas podem ser usadas para pensar nos próximos passos do programa?
Dalton – Esse é um ponto bem importante. Uma das coisas que estamos buscando é percebermos que tipo de estratégias estão geradas e que tipo de relação estão sendo construídas entre os tutores e monitores, os tutores entre si e os monitores entre si. Com base em algumas dessas análises, podemos pensar em encontros regioanais específicos, em encontros temáticos de tutores e supervisores, buscando, na real, trazer a tona não somente maiores possibilidades das pessoas se encontrarem, mas, sobretudo compartilhamento de estratégias, experiências interessantes que têm sido vivenciadas, ampliando o potencial dinâmico do programa refletir e repensar sua forma de atuar.

Outro ponto é avaliarmos com cuidado como temos proporcionado a formação de redes de colaboração relacionadas ao ambiente da formação. Como lançamos atividades para isso, como ocorre a apropriação dessas atividades e que tipo de impacto isso gera na rede.

Enfim, a busca é por construirmos ambientes e espaços mais inteligentes, de alguma forma, aproveitando o que de melhor tivermos a disposição para o programa.

[Se você ficou curioso sobre as ferramenntas de software usadas para produzir e vializar essas métricas, veja esta apresentação aqui.]

 

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