A decisão é do TRF. Mas ainda corre ação que pede permissão provisória da Anatel, enquanto outorga não vem.
Decisão da Justiça favorável às rádios comunitárias: não é crime
funcionar sem autorização. Essa foi a sentença (por dois votos a um) da
Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais do Tribunal Regional
Federal da 3ª Região (SP e MS), que beneficiou duas emissoras
paulistas: rádios Comunitária Dimensão e Heliópolis. Segundo os juízes,
o funcionamento sem autorização, “embora possa ser considerado ilícito
administrativo, não configura crime”. Se não é crime, não pode haver
pena, explica a advogada Anna Cláudia Pardini Vazzoler, coordenadora
jurídica do Escritório Modelo da Faculdade de Direito da PUC-SP. O
Escritório também subscreve Ação Civil Pública (ACP), movida pelo
Ministério Público Federal e cinco organizações da sociedade civil, que
pede à União e à Agência Nacional de Telecomunicações permissão para
funcionamento provisório de todas as radcoms cujas associações esperam,
há mais de 18 meses, autorização para uso de uma faixa de freqüência.
Caso prevalecesse a criminalização das rádios, a pena máxima poderia
ser de até dois anos para os responsáveis pelas emissoras. A acusação
do MPF recaía sobre Daniel Almeida dos Santos Melo, da Dimensão, e João
Miranda, da Heliópolis, que teriam infringido o Código de
Telecomunicações, que considera crime o funcionamento das emissoras sem
autorização do Estado. Porém, para a Turma Recursal dos Juizados
Especiais Criminais do TRF, as rádios não são passíveis de
enquadramento no Código porque, em 1995, a Emenda Constitucional nº 8
separou radiodifusão de telefonia.
A Dimensão, no bairro paulistano do Jabaquara, administrada pela
Central Única de Associações (CUA), ficou no ar 14 anos e, em 2005, foi
fechada porque não tinha autorização, conta José Luiz Ribeiro,
presidente da Central. Em dezembro de 2006, entrou com pedido de
autorização e, há de dois meses, Polícia Federal e Anatel foram à
entidade e apreenderam os equipamentos da rádio. A comunitária não
estava operando, mas PF e Anatel alegaram que a presença dos
equipamentos configurava a existência da rádio. “O que o Escritório
Modelo conseguiu foi uma vitória. Só em São Paulo, há mais de 70 rádios
comunitárias na mesma situação,” alegra-se José Luiz. Agora, é entrar
com mandato para devolução dos equipamentos, e trancamento do processo
criminal movido contra as radiocoms, já que a operação sem autorização
não é crime.
Para Anna Cláudia, a decisão da Turma Recursal dos Juizados Especiais
Criminais do TRF é um avanço, e pode abrir precedentes. O Escritório
Modelo pretende entrar com novas ações em defesa das dezenas de
emissoras comunitárias (cerca de 70) que atende. Em relação à Ação
Civil, em maio foi pedida uma liminar, mas o juiz não a concedeu.
Enquanto isso, corre a ACP em defesa do direito à comunicação de
milhares de associações comunitárias, negligenciado pela União. Durante
dois anos, o MPF e as associações investigaram a situação do serviço de
outorga de radiodifusão comunitária prestado pelo Ministério das
Comunicações, e concluíram que a União e a Anatel postergam, para muito
além do prazo razoável exigido por lei, a apreciação dos pedidos de
autorização dessas rádios. Segundo o processo, são mais de 200
requerimentos aguardando manifestação da União há quase uma década,
enquanto o prazo médio de conclusão do processo administrativo é de 3,5
anos. No Estado de São Paulo, 145 municípios jamais foram contemplados
com o Aviso de Habilitação, ato necessário ao início do processo de
outorga. Em todo o Brasil, são mais de 3,3 mil municípios sem uma única
comunitária.
Embora existam apenas 16 funcionários do Minicom para analisar cerca de
7 mil pedidos de outorga, um dos subscritores da ação, o procurador da
República Sérgio Suiama, do GT de Comunicação Social do MPF, afirma que
“o papel do Estado não é justificar a não-efetivação de um direito, mas
garantí-lo.” Por isso, acha que não é razoável que as comunitárias
esperem de quatro a cinco anos para conseguir uma outorga, e o que se
pretende com a ação é que, enquanto o Estado não decide, as rádios
funcionem provisoriamente. “O Judiciário deve apontar um remédio eficaz
para o fato de o Estado não estar provendo um direito fundamental”,
afirma o procurador. Para Eduardo Ariente, um dos advogados das
organizações parceiras do MPF na ação, o direito à comunicação não pode
ser visto como uma mera liberdade formal, pela qual somente quem possui
dinheiro e influência perante os poderes oficiais pode prevalecer.
Outro aspecto levantado pela ação é que a ineficiência do serviço de
autorização de funcionamento de rádios comunitárias contrasta com a
eficiência com que é feita a repressão às rádios não-autorizadas. Entre
2002 e 2006, 9.449 rádios de baixa potência (com freqüência inferior a
25 watts), foram fechadas em todo o Brasil. Só no primeiro semestre de
2006, foram lacradas, em média, dez emissoras por dia, totalizando 1,8
mil lacres até junho do ano passado.
Está em operação uma rádio comunitária que fica dentro da Cadeia
Feminina de Votorantim, na cidade de mesmo nome, região de Sorocaba
(SP). A Rádio Povo Marcado, primeira comunitária a funcionar legalmente
dentro de uma prisão, é parte do projeto “Arte na Cadeia”, da
Secretaria Municipal de Cultura. A idéia da rádio foi motivar as presas
e contribuir para a ressocialização da população que superlota a
cadeia, no centro da cidade. Segundo o secretário Werinton Kermes, as
detentas têm necessidade de falar, expressar o que pensam e sentem. E o
rádio é seu grande companheiro.
O estúdio, na cela, tem mesa de gravação e computador, é tocado por
seis detentas, orientadas por uma jornalista e uma doutora em
Comunicação. Kerme conta que o projeto está mudando a vida delas. As
entrevistas da Povo Marcado são transmitidos pela rádio local FM
Tropical, e duas outras comunitárias da região, e também estão
disponíveis no blog da Povo Marcado. As ouvintes presas são convidadas
a participar com perguntas aos entrevistados, que são sugeridos pelas
detentas, e grande parte tem aceitado participar. “São pessoas que
direta ou indiretamente decidem a vida delas”, explica o secretário.
A partir de agosto, será a vez da TV Cela, cujas transmissões serão
feitas por uma emissora de Sorocaba e uma de Votorantim. Segundo
Kermes, a Rádio Câmara ofereceu o programa da Rádio Povo Marcado às
1.050 emissoras conveniadas. As interessadas devem entrar em contato
com a Secretaria da Cultura de Votorantim.
www.portalimprensa.com.br – Para ler a íntegra da reportagem sobre a rádio, publicada em 11/7/07, assinada por Nathália Duarte/Redação Portal Imprensa.
http://povomarcado.blogspot.com/ – Blog da rádio Povo Marcado
Secretaria de Cultura de Votorantim – 15 3353.8670
da assessoria do MPF, do Observatório do Direito à Comunicação – www.direitoacomunicacao.org.br, e da Revista Consultor Jurídico (13 de julho de 2007) – www.conjur.com.br