16/08/2010
O blog espanhol Bitelia começou, no dia 11 de agosto, a publicar uma série de cinco artigos chamada “A Internet é Copyleft”. Nos textos, Alan Lazalde, mestre em Ciências e ativista do software e da cultura livres, se dedica a fazer uma “revisão da história da internet e das ideias libertárias que a sustentam”. A série está em seu terceiro texto. Aqui vai o primeiro, em tradução livre. Nos próximos dias, publicaremos os demais.
A Internet é Copyleft (I de V)
Por Alan Lazalde, do Bitelia
Com este artigo, inicio uma série de cinco textos dedicados a rever a história da internet e as ideias libertárias que a sustentam. Vou tentar enfatizar como, desde a ARPANET até as redes P2P atuais, os pioneiros fundadores da internet e das redes que existem em cima dela não fizeram outra coisa a não ser trabalhar pelo compartilhamento e não pela restrição do conhecimento. Essa é a simples, e não definitiva, razão stallmaniana pela qual eu afirmo que a internet é copyleft.
Arpanet: o primeiro Centro de Pensamento
Há meio século o psicólogo, físico e matemático J. C. R. Licklider escreveu em seu livro, “Man-Computer Symbiosis (A Simbiose Homem-Computador)”:
“É razoável pensar, daqui a dez ou quinze anos, em um Centro de Pensamento que vai incorporar as funções das bibliotecas atuais, junto com os avanços no campo do armazenamento e obtenção de informação. Isso implica a existência de uma rede desses centros, conectados um a outro por meio de linhas de comunicação em banda larga e com usuários que os acessam por meio serviços de cabos.“
O cientista estadunidense elaborou sobre a cooperação entre pessoas e dispositivos de computação com a intenção de criar um grande Centro de Pensamento: uma rede humana-tecnológica para o conhecimento compartilhado, criada de maneira colaborativa, em benefício da humanidade. Assim, Licklider assentou as bases ideológicas sobre as quais surgiu a rede que hoje conhecemos como internet.
As ideias e a liderança de Licklider levaram à implementação da Arpanet en 1969, a primeira grande rede de computadores; uma emaranhado de equipamentos de computação conectados sobre uma infraestrutura construída por universidades e pelas Forças Armadas dos Estados Unidos. Com essa rede, grupos de trabalho técnicos e científicos puderam colaborar entre si e compartilhar informação de maneira telemática, ou seja, à longa distância e usando computadores.
A Licklider, se somaram homens como Paul Baran — pai das redes descentralizadas –, Bob Taylor — um dos pais da ARPANET –, Leonard Kleinrock — pai dos roteadores de internet e da teoria por detrás deles — e muitos outros, que compartilharam ideias e esforços em torno da implementação e do aperfeiçoamento da Arpanet.
Aqui há um fato relevante: o princípio que eles desenharam para o funcionamento da Arpanet era muito semelhante ao das difamadas redes Peer-to-Peer (P2P) atuais, no sentido de que todos os participantes dessa rede foram concebidos com a mesma capacidade: todos com a mesma hierarquia e responsabilidades, todos colaborando para compartilhar recursos e informação entre si.
Internet: conectividade para todos
O passo seguinte foi protagonizado em 1983 por Vinton Cerf e por Bob Kahn, quando terminaram de implementar as regras que hoje dominam o desenho e a construção de redes de computadores na internet: os chamados protocolos TCP/IP. O objetivo principal de Cerf e de Kahn era definir mecanismos robustos para a transmissão confiável de informação ao longo dessas redes.
O que ocorreu com os protocolos TCP/IP e com todas as ideias que fazem a internet funcionar é que eles circularam pelas comunidades de engenheiros e cientistas em documentos conhecidos como RFC (Request for Comments). Esses documentos estimularam um debate intenso, entre pares, em torno de cada uma das propostas tecnológicas que continham. As discussões levaram a transformação de muitas dessas ideias sobre como construir a internet en verdadeiros padrões tecnológicos.
Por exemplo, no primeiro documento RFC, que data de 1969, estão descritas em detalhes as interações entre os componentes de uma rede de computadores conectados por meio da primeira família dos dispositivos que hoje chamamos de roteadores. O documento RFC 1 simplesmente descreve os acordos que deram origem à rede Arpanet.
Em geral, um RFC é mais que um documento, é um verdadeiro pedido de comentários (a tradução literal de request for comments é esta), um convite aberto à participação na discussão das tecnologias que constituem a internet. Por exemplo, quando um RFC é promovido a um padrão, ele é resultado de um aperfeiçoamento, ou melhor, da evolução das ideias ali propostas para tornar a internet cada vez melhor. Uma evolução guiada pelos interesses da comunidade, mais do que de indivíduos ou de grupos de poder.
Hoje, pouca gente sabe que a bagagem intelectual de praticamente toda a internet está disponível em cerca de 5 mil documentos RFC, cuja administração é feita por um exército de voluntários chamado The Internet Engineering Task Force (IETF), cujo único propósito é “fazer com que a internet funcione melhor”.
Desde sua fundação, sob os auspícios da Internet Society, a IETF segue os princípios de participação voluntária e de processos abertos e consensuais. Na prática, eles são os autores intelectuais de algum protocolo ou especificação da internet quem lidera grupos de voluntários para desenvolver suas ideias e manter a propriedade responsável por elas.
O conceito de propriedade responsável significa que a IETF, para cumprir sua missão, aceita a responsabilidade de difundir e melhorar essas ideias porque acredita que “a existência da internet, e sua influência na economia, na comunicação e na educação (…) vai contribuir para construir uma sociedade melhor”.