Por um aperfeiçoamento das leis que regem as lan houses

Leis atuais dificultam a existência formal das lans sob o pretexto de proteger crianças e jovens. Mas geraram um mercado informal, sem acesso a crédito e distante do Estado, explica Mario Brandão, da Abcid.

26/07/2010
Do Nós da Comunicação

Está em período de consulta pública no site e-Democracia o projeto que pretende aperfeiçoar a legislação brasileira em relação às lan houses. A ideia é somar novas sugestões às contribuições já recebidas durante sete audiências públicas, em quatro meses, que ouviram setores interessados.

A iniciativa é da Comissão Especial dos Centros de Inclusão Digital da Câmara sobre o substitutivo do deputado Otavio Leite (PSDB-RJ) aos projetos de lei que tratam desses estabelecimentos, hoje meio estigmatizados pelo Estado, e por parte da sociedade, como casas de jogos.

O substitutivo ao PL 4361/04 (e apensados) é um esforço para que as lan houses sejam reconhecidas como espaços de prestação de serviços e de inclusão sociodigital. “O projeto está à disposição do público para críticas”, explica Luiz Fernando Moncau, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV – Direito do Rio de Janeiro. Esse período é importante para auxiliar o legislador, que muitas vezes redige o texto da lei sem saber a fundo as características daquela realidade que busca regular. “Quando há contribuições, muitas vezes ele é chamado atenção para um ponto que está sendo esquecido ou feito de maneira equivocada”.

Umas das principais dificuldades nesse processo é o convencimento – de quem elabora as leis e da sociedade em geral – de que as lan houses evoluíram de meros estabelecimentos de jogo online para pontos de inclusão tecnológica e de acesso à cultura. Apenas sobre games, são oito PLs apensadas. Segundo Moncau, todos com uma visão bastante preconceituosa. “Na maior parte dos projetos de lei, e das leis em vigor, vemos que o legislador só se preocupou em criar restrições ou obrigações e nunca se preocupou em gerar alguma facilidade ou mecanismo que estimule esses estabelecimentos, considerando a importância que têm para a inclusão digital e para educação”, ressalta.

O preconceito, que parte do princípio que as lan houses são um ambiente de desvirtuação e afastam os jovens da escola, é um dos principais entraves ao reconhecimento desses espaços como de interesse social, concorda Mário Brandão, presidente da Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital (ABCID). Para ele, leis com a finalidade de dificultar a existência formal desses estabelecimentos foram aprovadas sob o pretexto de proteger crianças e jovens, mas, como consequência, geraram um mercado informal, sem acesso a crédito e distante do Estado.

“Onde as más práticas são potencializadas fomenta-se desvios que poderiam ser evitados com uma postura de reconhecimento da importância do acesso à web”, afirma Brandão. “A internet é uma ferramenta de democratização do acesso à informação, de redução das desigualdades e, enfim, de cidadania”.

Segundo Moncau, os games não são vistos como parte de uma indústria cultural, que gera postos de trabalho, ou que possui um viés de liberdade de expressão. “Entendemos que os jogos devam ter regulamentos como o cinema, por exemplo. Se um filme é violento ninguém proíbe a exibição, porque uma censura dessa forma seria um atentado à liberdade de expressão. Existem mecanismos para que crianças e jovens não tenham acesso a conteúdos impróprios, como a classificação indicativa feita pelo Ministério da Justiça”.  Para ele, essa questão ainda precisa ser muito trabalhada. “Mesmo que uma lan house fosse apenas para jogos, ainda seria um local que cria empregos, atrai jovens para uma atividade de entretenimento e os aproxima da tecnologia”, defende.

“Particularmente acho essa discussão estéril”, completa Brandão. ”Todos os estudos sérios ressaltam a falta de correlação entre jogos e violência. Ao contrário, os jovens que de fato jogam esses games têm uma possibilidade de escoar a raiva ou as angústias do seu dia a dia, tornando sua convivência ‘normal’, ou no mundo real, muito mais amistosa”, acredita.

Segundo as estatísticas, 80% das lan houses são centros de acesso totalmente informais e a nova lei terá papel essencial na transformação desse cenário ao criar normas não restritivas e fomentando a aproximação do Estado em todas as suas esferas. “Ao permitir parcerias que conduzam o cidadão ao uso mais intenso das estruturas de governo eletrônico e, ao mesmo tempo, facilitando o a entrada desses estabelecimentos no mercado formal, o efeito colateral da legislação será a inclusão de um quarto de milhão de pessoas a um ambiente de melhor produtividade e uso mais responsável da internet por todos”, aposta Brandão.

Para isso, o papel do dono de lan house, como agente facilitador do acesso à internet pelas populações de baixa renda e de baixa formação, é essencial. “Ele é o vetor que permite que pessoas tenham expandidas suas perspectivas com relação ao uso da internet”. Ele dá como exemplo o caso de quem precisa matricular o filho na escola pública via internet. “Essas pessoas só têm a opção de recorrer a um dono de lan house para esse propósito e, e em 90% das vezes, pagar um real para cumprir a tarefa em 10 minutos. É muito menos dispendioso para a mãe do aluno que gastaria R$ 5,40 em duas passagens de ônibus para ir até a Secretaria de Educação e perder um dia inteiro”, conta.

Para Moncau, o potencial benéfico das lan houses é enorme e a informalidade é mesmo uma das sérias dificuldades a serem superadas. “Grande parte do trabalho é remover um pouco dos obstáculos legais, e até culturais, para que esses espaços sejam formalizados e confirmem seu potencial de promover bem-estar nas comunidades onde estão inseridos”, acredita. “Esses estabelecimentos fornecem acesso a serviços públicos, à cultura, ao conhecimento e à comunicação mais barata, principalmente nas áreas mais pobres”.

O período de consulta pública, iniciado em 14 de julho, será de 90 dias.