ACTA, ou como as grandes corporações impõem seus interesses a governos de todo o mundo.

Leia artigo sobre as negociações do Tratado Comercial Antipirataria no Boletim Internacional do IPEA.

08/07/2010

O Acordo Comercial Antipirataria (ACTA, na sigla em inglês) não é uma iniciativa nova nem isolada. Faz parte de um esforço amplo, sobretudo de grandes corporações e de governos dos países originários dessas empresas, de globalizar regras e leis de proteção aos direitos de propriedade intelectual. O problema é que, pelo que se sabe até agora, as medidas em debate no ACTA criam um enorme desequilíbrio entre a defesa dos interesses dessas empresas e os direitos dos consumidores. E podem levar a pressões para que os países modifiquem suas próprias leis, sob pena de não poder assinar acordos de comércio com os Estados Unidos e a União Europeia. Este é  caso da reforma da Lei de Direitos Autorais, em debate no Brasil, que busca equilibrar o interesse dos proprietários de direitos autorais com o direito da sociedade de acesso ao conhecimento. O ACTA vai fortalecer os lobbies contrários a flexibilizar esses direitos autorais e pode influenciar a legislação brasileira.

Para explicar o contexto em que essas negociações estão ocorrendo e o impacto que podem ter sobre  Brasil, André de Mello e Souza, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, escreveu o artigo “A estratégia para globalização dos direitos de propriedade intelectual e suas implicações para o Brasil: o caso do Acordo Comercial Anticontrafação (ACTA)”. O texto está na edição número 3 do Boletim de Economia e Política Internacional do Ipea, apresentado hoje em Brasília.

“A inspeção, em aeroportos internacionais, do conteúdo de computadores e outros equipamentos que armazenam digitalmente filmes e músicas pode se tornar procedimento tão comum quanto a inspeção de bagagem de mão com detectores de metais”, são as primeiras linhas do texto. “Dependendo desse conteúdo, e particularmente da constatação de violação de direitos autorais, os equipamentos podem ser apreendidos, ainda que nenhuma queixa tenha sido feita, e seus donos sujeitos a multas desproporcionais aos prejuízos advindos da infração”.

E o que eu tenho a ver com isso, se não viajo para o exterior?, você pode se perguntar. Duas coisas importantes. Do ponto de vista individual, trata-se de um acordo que acaba com o que se chama, em Direito, de “presunção da inocência até prova em contrário”. Quando a polícia de fronteira adquire o direito de investigar o que você leva em seu computador ou pendrive ou MP3 player, você é considerado, a priori, culpado por ferir os direitos autorais (que fazem parte da propriedade intelectual) de alguma empresa. Mesmo “a utilização, ainda que lícita, privada, individual e sem fins comerciais da propriedade intelectual alheia é criminalizada, mesmo quando não há intenção de infringir direitos privados ou mesmo conhecimento dessa infração”, explica o artigo de Mello e Souza. E isso interesssa a todos, porque se trata da defesa de direitos civis. A segunda questão importante é que a iniciativa de criação do ACTA partiu de empresas para, sobretudo, criar regras e leis internacionais com a única finalidade de proteger seus lucros. A Aliança Global de Empresas contra a Contrafação – a qual inclui, entre seus membros, Coca-Cola, Pfizer, Nike, Cisco, Microsoft e Walt Disney — patrocinou o primeiro congresso que debateu o ACTA, em Genebra, em 2004. Por que o interesse privado, dessas empresas, pode se sobrepor ao interesse público? Essas empresas são de países desenvolvidos, e então a queda-de-braços é, sobretudo, entre países ricos e pobres.

O Brasil não participa das negociações do ACTA, que ocorrem em sigilo, fora das instituições multilateriais internacionais. Mas pode ser atingido por medidas como a responsabilização dos provedores de internet pelo conteúdo que seus usuários colocam na rede – e a consequente obrigação desses provedores, se localizados em outros países, vigiarem o que fazem os internautas – e pela apreensão de bens em países em que eles são protegidos pela propriedade intelectual. Isso já aconteceu: em dezembro de 2008, 570 quilos de medicamento genérico para hipertensão exportados da  Índia para o Brasil foram retidos no aeroporto de Amsterdã, na Holanda — onde esses medicamentos são protegidos por patentes, ao contrário d que acontece no Brasil e na Índia — e devolvidos ao fabricante, o laboratório Dr. Reddy’s. “Dada a dependência do Brasil da importação de versões genéricas de medicamentos ou seus princípios ativos para a sustentabilidade de políticas de saúde pública no país – como a oferta gratuita e universal de terapias antirretrovirais para o tratamento da AIDS –, a apreensão em trânsito permitida pelo ACTA torna-se altamente preocupante”, diz o artigo de Mello e Souza.

Leia o artigo sobre o ACTA, para entender um pouco mais sobre com acontecem essas grandes negociações internacionais. O boletim está neste link.