Espanhóis publicam Manifesto em Defesa dos Direitos Fundamentais na Internet

Projeto de lei que pretende bloquear sites suspeitos de hospedar ou publicar links pra acesso a conteúdo protegido por direito autoral coloca a blogosfera espanhola em pé de guerra.

03/12/09 – O governo espanhol decidiu incluir em seu anteprojeto da Lei da Economia Sustentável a criação de uma comissão de propriedade intelectual para bloquear páginas web que hospedem ou ofereçam, sem permissão dos titulares, links de arquivos sujeitos a direito autoral, como filmes, músicas e videogames. O texto enviado ao parlamento, de acordo com o jornal El País, introduz uma série de modificações a duas leis anteriores relacionadas com a “proteção da propriedade intelectual face à pirataria na Internet”: a Lei de Serviços da Sociedade da Informação (LSSI) e a Lei de Propriedade Intelectual (LPI).

Até agora, o Artigo 8.1 da LSSI apenas permitia a restrição do acesso à internet por quatro razões: salvaguarda da ordem pública, investigação penal, segurança pública, respeito pela dignidade da pessoa e pelo princípio da não discriminação e a proteção da juventude e da infância. Na nova lei, a “salvaguarda dos direitos de propriedade intelectual” passa a fazer parte dessa lista de motivos para a restrição do acesso.

Manifesto

A blogosfera espanhola reagiu e publicou, ontem, um Manifesto em Defesa dos Direitos Fundamentais na Internet. De acordo com o Google Blog Search, em apenas seis horas mais de 58 mil blogs reproduziram o conteúdo do manifesto e o Google, usado por mais de 95% dos internautas espanhóis, incorporou mais de um milhão de páginas sobre o tema.

O Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, então, convocou uma reunião com internautas e blogueiros daquele país, para explicar o texto. No Twitter, em @benyi/manifiesto-reunion , os internautas publicaram um passo-a-passo do encontro. Sua demanda era que o governo retirasse as disposições finais, onde estão as questões relativas à propriedade intelectual, do anteprojeto de lei. Os tweets da reunião mostram como, aos poucos, ficou claro que o governo não pretende negociar nada. Seus representantes afirmam que caberá ao parlamento debater e modificar a lei.

Disputa

A repercussão do manifesto indica que a sociedade civil espanhola vai participar ativamente deste debate, assim como os internautas brasileiros reagiram ao Projeto Azeredo. O embate será árduo. O governo tem o apoio de músicos famosos que, na terça-feira, se manifestaram diante do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo a favor da lei. Querem proteção contra downloads de música, que afirmam estar arruinando o setor. Com cartazes com dizeres como “A música é cultura, a música é emprego”, artistas conhecidos do público espanhol como Antonio Carmona e Rosario Flores se reuniram no ato que terminou com a entrega de um manifesto com mais de duas mil assinaturas ao ministro da Indústria, Miguel Sebastián. Esses artistas exigiram que a Espanha atue contra a pirataria com igual empenho demonstrado por países como França e Reino Unido.

Veja abaixo o manifesto. No blog Remixtures, de Miguel Caetano, há uma matéria sobre o tema. No jornal El País pode-se acompanhar o desdobramento do caso.

 

Manifesto em Defesa dos Direitos Fundamentais na Internet

“Diante da inclusão de alterações legislativas que afetam o livre exercício da liberdade de expressão, de informação e o direito de acesso à cultura por meio da Internet no projeto de lei sobre a economia sustentável, jornalistas, blogueiros, usuários, profissionais e desenvolvedores de Internet vêm a público manifestar nossa firme oposição ao projeto, e declarar que …

1 . – O autor não pode estar acima dos direitos fundamentais dos cidadãos, incluindo o direito à privacidade, a segurança, a presunção de inocência, à tutela jurisdicional efetiva e à liberdade de expressão.

2 . – A suspensão dos direitos fundamentais é e deve continuar sendo da competência exclusiva do Judiciário. Dizemos NÃO à censura sem sentença. O modelo proposto, ao contrário do disposto no artigo 20.5 da Constituição, coloca nas mãos de um órgão não judicial – uma unidade do Ministério da Cultura – o poder de impedir o acesso dos cidadãos de espanhol a qualquer site.

3 . – A nova legislação cria insegurança jurídica em torno do setor de tecnologia espanhol, danificando uma das poucas áreas de inovação em nossa economia, e dificultando a criação de empresas pela da introdução de barreiras à concorrência e travas à sua expansão internacional.

4 . – A nova legislação proposta ameaça dificultar novos criadores e a criação cultural. Com a Internet e os sucessivos avanços tecnológicos, democratiza-se drasticamente a criação e difusão de todos os tipos de conteúdos que já não vêm predominantemente da tradicional indústria cultural, mas de muitas fontes diferentes.

5 . – Os autores, como todos os trabalhadores, têm direito a viver de seu trabalho com novas idéias criativas, modelos de negócio e atividades relacionadas com as suas criações. Tentar manter um modelo de indústria antiquada que não consegue se adaptar a esse novo ambiente com alterações legislativas não é justo nem realista. Se o seu modelo de negócio é baseado no controle das cópias dos trabalhos e na Internet isto não é possível sem violar os direitos fundamentais, então vocês devem encontrar um outro modelo.

6 . – Acreditamos que as indústrias culturais precisam criar alternativas modernas, eficazes, aceitáveis e acessíveis para atender os novos usos sociais,  ao invés de promover limitações desproporcionais e ineficazes para os objetivos que declaram perseguir.

7 . – Internet deve funcionar livremente e sem interferências políticas patrocinadas por grupos que buscam perpetuar modelos de negócio obsoletos e impossibilitar que o conhecimento humano siga sendo livre.

8 . – Nós exigimos que o Governo garanta por lei a neutralidade da rede em Espanha como um marco fundamental para o desenvolvimento de uma economia realista e sustentável para o futuro, antes que pressões em contrário ocorram .

9 . – Propomos uma verdadeira reforma dos direitos de propriedade intelectual orientada para a restituição de seus objetivos originais: o retorno à sociedade do conhecimento, a promoção do domínio público e a limitação dos abusos dos órgãos de gestão.

10 . – Em uma democracia as leis e as suas alterações devem ser aprovadas depois de um debate apropriado e após consulta a todas as partes envolvidas. É inaceitável que sejam feitas alterações legislativas que afetam os direitos fundamentais em uma lei orgânica que trata de outro assunto.

Este manifesto, elaborado em conjunto por vários autores, é de todos e de ninguém. Se estiver de acordo, junte-se a ele, difundindo-o através da Internet.”