O programa Mais Cultura, por Danilo Miranda.

Entrevista de Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc SP, sobre o programa Mais Cultura, tema da matéria de capa da edição 51 da revista ARede, "Mais cultura para mais brasileiros".

29/09/09 – A revista ARede publicou, em sua edição número 51, uma matéria sobre o Mais Cultura, programa do Ministério das Comunicações (MinC) que congrega várias iniciativas para ampliar o acesso dos brasileiros a bens culturais. A matéria está neste link. Um dos entrevistados para sua elaboração foi Danilo Santos de Miranda.

Diretor regional do Sesc São Paulo há 25 anos, ele é um dos gestores culturais mais respeitados do país. Em sua entrevista, fala da necessidade restaurar equipamentos culturais que já existem e de contribuir para o acesso da população à produção cultural. Fala, também, da ideia de cultura como um processo de educação permanente. Suas reflexões são importantes para qualquer um que se interesse por políticas públicas de cultura. Por isso, decidimos publicar a entrevista de Danilo sobre o Mais Cultura na íntegra. Veja abaixo.

ARede – Em uma entrevista sua na revista Raiz, em 2006, você afirma que o Brasil tem progredido, desde a redemocratização e da criação do Ministério da Cultura, na área de política cultural. O programa Mais Cultura tem alguma contribuição importante nesse progresso? Ou não? Por que?

Danilo Miranda — O programa Mais Cultura tem sim, e eu identifico duas contribuições importantes: aprimoramento da infra-estrutura (instalações, equipamentos, recursos físicos etc) e incentivo ao fomento cultural.

Cabe ressaltar, no que tange à infra-estrutura, que é preciso agir em duas frentes: tanto restaurar o que já existe – e estamos falando dos diversos museus, centros culturais, bibliotecas etc –, quanto aprimorar a ação por parte da oferta, sempre com atenção à qualidade da produção cultural. Isso passa também pelo investimento na formação dos gestores culturais e se estende para a importância de disponibilizar ao público uma maior diversidade de opções dentre as linguagens culturais existentes.

Por outro lado, o programa Mais Cultura não deve entrar no espaço da produção cultural propriamente dita, mas sim contribuir para a facilitação do acesso a essa produção, o que pode ser obtido mediante a abertura de caminhos para novas realizações culturais ou, ainda, investindo para o aprimoramento formativo dos criadores e produtores culturais.

Penso que o programa Mais Cultura precisa manter a preocupação com um conteúdo cultural de qualidade dentro de um processo de educação permanente. E quanto mais se voltar o olhar para a cultura, para seu acesso sem restrições, reforçando a participação da sociedade, com a expectativa de formação de gestores e criadores e com o estímulo à produção, estaremos reforçando a matriz orientadora da ação cultural, favorecendo seu caráter educativo.

ARede – Qual seria, na sua opinião, a contribuição mais importante do Mais Cultura para as políticas públicas nesta área? Pode ser tanto uma contribuição vinda de um acerto — e aí, qual seria este acerto? – quanto vinda de um erro, de algo que é preciso fazer de outra maneira.

Danilo
– Avalio que a contribuição mais importante está na infraestrutura, na necessidade de ampliação da rede, tornando-a ao mesmo tempo qualitativamente melhor. A ampliação numérica deve estar atrelada à preocupação com a qualidade dos equipamentos e serviços. Amas as ações permitem ainda ampliar a proposta formativa que comentei antes, no vínculo com a produção cultural.

Há ainda o mérito de o Mais Cultura poder gerar um fluxo adicional de dados culturais relativos à realidade dos municípios e macro-regiões, permitindo orientações mais claras sobre as ações culturais a serem desenvolvidas.

Seria um erro se o programa Mais Cultura “engessasse” as regras, como a impedir que a população participe e usufrua de ações culturais porque estas não se encontram atreladas ao sistema vigente. Também seria um erro se o financiamento estivesse somente atrelado ao Sistema Nacional de Cultura.

ARede – Um dos critérios para escolher que projetos receberiam os recursos no programa Pontos de Cultura (R$180 mil em 3 anos) foi a existência dessas iniciativas anteriormente, independente do apoio do Estado. Aí entraram desde grupos de cultura em áreas remanescentes de quilombos até ciberartistas. Você acha que é um bom critério?

Danilo – Sim, é um bom critério. É preciso reforçar as iniciativas culturais existentes. Não se deve esquecer, também, a importância de estarem vinculadas a um compromisso com o caráter educativo, como tenho afirmado. Esse critério demonstra o comprometimento do poder público com a comunidade.

ARede – Depois de realizar editais centralizados para escolher os Pontos de Cultura, o governo federal começou a fazer parceria com estados para implantar o programa em conjunto, inclusive com a contribuição, em termos de recursos, compartilhada entre as duas esferas de governo. Articular essas parcerias entre os entes federativos é uma das metas do Mais Cultura. Você considera isso positivo? Por que?

Danilo – Considero muito positivo! O motivo é que a questão cultural de interesse público está acima de toda e qualquer organização. Na medida que as esferas de governo realizam uma gestão compartilhada, o resultado é o exercício da cidadania e um exemplo de exercício para os gestores culturais.

ARede – Como se mede a contribuição que uma iniciativa cultural dá para sua localidade, para as pessoas que participam dela? Pergunto isso porque há quem questione a iniciativa de dar recursos a pequenos grupos culturais para que continuem a existir, se articulem em rede, realizem coisas. O resultado disso é muito pulverizado, acho que as pessoas não estão habituadas a enxergar cultura fora de grandes eventos, fora de coisas com enorme visibilidade.

Danilo – Não dá para medir. Não há como medir resultados de uma ação cultural responsável – e acentue-se o responsável – em termos quantitativos, que é o modelo dominante. O processo educativo e cultural exige um desprendimento por parte de seus responsáveis no que diz respeito aos seus resultados efetivos; querer ver e medir resultados – e, às vezes, resultados imediatos – é não compreender que se trata de um processo. Há melhoria da qualidade de vida, mas não dá para medir em índices. São experiências incorporadas e externalizadas por meio de ações ao longo da vida, em forma de atitude cidadã. Em uma palavra: não se mede encantamento!

ARede – Vc acha que o Vale Cultura vai contribuir para este processo de “educação permanente” que você disse, em entrevista à revista Raiz, que é do que se trata a cultura?

Danilo – Avalio que irá sim, porque facilita o acesso à cultura e permite o alcance da população à oferta de bens culturais. O Vale Cultura é um investimento importante na linha da economia da cultura e a pretensão é que venha contribuir para a melhoria da vida dos trabalhadores, agindo na vertente do consumo e da inserção culturais.

Espera-se, assim, que eles tenham contato com a oferta cultural em suas variadas modalidades e linguagens, a partir das opções que estejam a sua disposição e que sejam de seu interesse. Do ponto de vista das escolhas, portanto, não deve haver qualquer direcionamento externo voltado a definir esse interesse.

Afirmei na entrevista citada, para a revista Raiz, que o caráter educativo da cultura passa pela educação permanente. Mas o educativo nem sempre é o que entretém. Isso significa que a cultura é aliada – e não diretamente um complemento – da educação, na medida em que contribui para a formação do indivíduo em sua integralidade. Qual o papel do gestor cultural, aqui? O de ser um mediador, apresentando alternativas e ampliando a gama de opções culturais.