Fim do copyright prejudica o software livre, diz Stallman.

O criador da licença GNU/GPL e presidente da Free Software Foundation se opõe à proposta do Partido Pirata de acabar com o copyright cinco anos depois da publicação de uma obra. Veja por quê.

 

03/08/09 – Richard Stallman, presidente da Free Software Foundation, publicou na semana passada um comunicado no qual se opõe à proposta do Partido Pirata sueco de acabar com o copyright sobre obras, cinco anos depois de sua publicação. A proposta do partido é que, depois desse período, as obras (música, filmes, livros, software) caiam em domínio público. Isso prejudicaria o desenvolvimento de software livre, diz Stallman.

Ele explica que na prática, enquanto os softwares publicados sob licenças livres, ou copyleft, cairiam em domínio público, os softwares proprietários, que não são regidos apenas pelo copyright mas por acordos de licenciamento aos usuários (Eulas, na sigla e inglês). E esses acordos podem fazer com que, na prática, os softwares proprietários continuem fechados, independente do copyright..

De acordo com Stallman, o fim do copyright também não iria obrigar os desenvolvedores de um software proprietário a publicar seu código-fonte, “e presumivelmente a maior parte deles nunca vai liberá-lo. Os usuários, sem acesso ao código-fonte, continuarão sem poder usar o programa em liberdade. O software pode incoporar, ainda mais, uma “bomba relógio” para deixar de rodar depois de cinco anos, e neste caso as cópias em domínio público não funcionariam de jeito nenhum”, escreveu ele.

O debate sobre novas formas de licenciamento de obras visa ampliar o acesso a essas obras. Este debate sobre como fazer isso traz elementos para desenvolver propostas eficazes. Logo este debate se dará no Brasil: de acordo com o ministro Juca Ferreira, da Cultura, no lançamento do Fórum de Cultura Digital, na última sexta-feira, depois de entregar a proposta da nova Lei Rouanet ao Congresso, o ministério vai propor uma nova Lei de Direito Autoral ao país.

Veja abaixo uma tradução do comunicado publicado por Stallman, que pode ser lido no original, em inglês, aqui.

Como o Programa do Partido Pirata Sueco representa um fogo amigo contra o software livre

Richard Stallman

A campanha de intimidação da indústria do copyright na Suécia inspirou a criação do primeiro partido político cujo programa é reduzir as restrições do copyright: o Partido Pirata. Sua plataforma inclui a proibição do uso de mecanismos para restringir cópias digitais (os DRM, Digital Rights Management), a legalização do compartilhamento não-comercial de obras publicadas e a redução do copyright para uso comercial a cinco anos. Cinco anos depois de sua publicação, qualquer obra deveria cair em domínio público.

Eu apoio essas mudanças, em geral. Mas a combinação específica escolhida pelo Partido Pirata sueco é, ironicamente, um fogo amigo sobre o software livre. Tenho certeza de que o partido não pretende prejudicar o software livre, mas este é um de seus efeitos práticos.

A GNU General Public License (ou GPL, licença de software livre) e outras licenças copyleft usam as leis de copyright para defender a liberdade de todos os usuários. A GPL estabelece que todos podem publicar versões modificadas de um software, mas devem essas versões livres, sob a mesma licença. A redistribuição de versões sem modificação também deve ser feita sob a mesma licença. E todos os redistribuidores devem dar aos usuários o acesso ao código fonte do software.

Como a plataforma do Partido Pirata sueco iria afetar o software livre licenciado sob copyleft? Depois de cinco anos, seu código-fonte iria cair em domínio público, e os desenvolvedores de software proprietário poderiam incluir esse código em seus próprios programas. Mas e no sentido contrário?

O uso do software proprietário é restrito por contratos entre os desenvolvedores e os usuários, chamados Eulas (end-user license agreements), não apenas pelo copyright. E os usuários não têm acesso ao código-fonte. Mesmo que o copyright permita o compartilhamento não-comercial, um Eula pode proibi-lo. Além disso, os usuários, sem ter acesso ao código-fonte, não podem controlar o que o programa faz quando é rodado. Usar um software assim é abrir mão de sua liberdade e dar ao desenvolvedor controle sobre você.

Então, qual seria o efeito de eliminar o copyright desse programa depois de cinco anos? Isso não iria obrigar o desenvolvedor a publicar o código-fonte, e presumivelmente a maior parte deles nunca vai liberá-lo. Os usuários, sem acesso ao código-fonte, continuarão sem poder usar o programa em liberdade. O software poderia ter, além disso, uma “bomba relógio” para deixar de rodar depois de cinco anos, e neste caso as cópias em domínio público não funcionariam de jeito nenhum.

Assim, a proposta do Partido Pirata daria aos desenvolvedores de software proprietário, em cinco anos, o uso dos códigos-fonte com licença GPL, mas não daria aos desenvolvedores de software livre acesso ao código fonte de programas proprietários, nem em cinco anos nem em 50. O Mundo Livre ficaria com a parte ruim da história, não com a boa. A diferença entre código-fonte e código de objetos e a prático do uso de Eulas daria ao software proprietário uma exceção eficaz da regra geral de cinco anos de copyright — uma exceção que o software livre não possui.

Também usamos o copyright para nos proteger parcialmente da ameaça das patentes de software. Não podemos proteger nossos softwares das patentes – nenhum programa está livre de patentes de software em um país que as permite — mas pelo menos podemos evitar que o programa se torne, na prática, não-livre. O Partido Pirata sueco defende a abolição das patentes de software. Se isso acontecer, esta questão deixa de existir. Mas até que aconteça, não podemos perder nossa única proteção contra as patentes.

Desde que o Partido Pirata sueco anunciou seu programa, os desenvolvedores de software livre perceberam seus efeitos e propuseram uma regra específica para o software livre: permitir que seu copyright dure por um tempo maior, para que ele continue a ser usado, modificado, copiado livremente. Essa exceção explítica para o software livre poderia ser o contraponto à execeção prática da qual o software proprietário vai usufruir. Dez anos seriam suficientes, acredito. No entanto, as lideranças do Partido Pirata resistem à proposta, porque se opõem à ideia de um cpyright mais longo em casos especiais.

Eu poderia apoiar uma lei que tornaria os softwares licenciados pela GPL mais acessíveis, em domínio público, em cinco anos, desde que tivesse o mesmo efeito sobre o código-fonte dos softwares proprietários. Afinal, o copyleft é um meio para alcançar um fim (a liberdade dos usuários) e não um fim em si mesmo. E eu preferiria não ter que defender um copyright mais longo.

Então, propus ao Partido Pirata que incluísse em sua plataforma a exigência de que o código-fonte dos softwares proprietários seja liberado para o domínio público depois de cinco anos. A maneira de fazer isso é colocá-lo em “escrow” – um acordo pelo qual algo é entregue a um terceiro e retorna somente depois de certas condições sejam cumpridas. E esta condição seria que ele entrasse em domínio público após cinco anos. Em vez de fazer do software livre uma exceção à regra de cinco anos de copyright, isso eleiminaria a vantagem não explícita que o software proprietário obtém com a proposta. De qualquer maneira, o resultado seria justo.

Um apoiador do Partido Pirata propôs uma variável mais ampla da primeira sugestão: um esquema geral para fazer com que o copyright continue vigente desde que os usuários recebam maior liberdade ao usar o software. A vantagem disso é que o software livre se torna parte de um padrão geral de termos de copyright variáveis, em vez de uma exceção.

Eu prefiro a solução do “escrow”, mas qualquer um desses métodos evitaria um efeito prejudicial ao software livre. Pode haver outras soluções para chegar ao mesmo resultado. De qualquer maneira, o Patido Pirata deveria evitar criar uma dificuldade assim para um movimento que defende o público dos gigantes saqueadores.