Há
pelo menos dois projetos recentes ampliando as possibilidades de
inclusão social e digital no país. O primeiro, os telecentros, locais
de acesso à internet implantados na cidade de São Paulo, funcionando
com software livre. O segundo, os Pontos de Cultura, iniciativa do
Ministério da Cultura que financia a construção de estúdios para
gravação de áudio e vídeo, conectados na internet, em áreas de baixo
índice de desenvolvimento humano em todo o país.
Se por “democratização” da mídia entendemos a pluralidade de
perspectivas, de conteúdos e de agentes produtores, ou seja, uma
comunicação produzida não de “um para muitos”, mas sim de “todos para
todos”, há interessantes perspectivas a serem consideradas a partir
desses projetos.
A experiência dos telecentros demonstra que eles passaram a ser não só
meros locais de acesso à internet, mas pontos de encontro comunitários,
catalizando ações de criação de conteúdo (produções artísticas e mesmo
de software). Os Pontos de Cultura, por sua vez, já nasceram com a
missão de materializar as culturais locais, que, na maioria das vezes,
nem sequer imaginam ter chance de visibilidade social.
Tanto telecentros quanto Pontos de Cultura nascem tendo o software
livre como inspiração. Só lembrando, o software livre permite a
qualquer pessoa copiar, distribuir, estudar e aperfeiçoar o programa.
Não porque ele “é de graça” ou “não tem dono”, mas, sim, porque seu
criador decidiu que a sociedade deveria se beneficiar integralmente
daquele produto intelectual, com a única condição de que o software
continue sempre livre (isto é: não é permitido transformar um software
livre em um software “fechado”).
Essa mesma idéia inspirou a “cultura livre”. Assim, também a música, o
livro, a fotografia podem ser livres. Um criador pode permitir, se
quiser, a livre circulação da sua obra. A principal ferramenta para
isso é o projeto chamado “Creative Commons” (http://creativecommons.org/license). Ele permite ao artista escolher quais os diretos sobre sua obra deseja conferir à sociedade.
Por exemplo, ele pode permitir a livre distribuição, em qualquer mídia,
inclusive internet. Pode também, se quiser, vedar o uso comercial. Pode
autorizar que a obra seja modificada, sampleada ou remixada, assim como
fez o ministro Gilberto Gil com sua música Oslodum.
Esse tipo de autorização é importante, porque, pela nossa lei autoral,
quando um artista não diz nada sobre quais usos sua obra pode ter, isso
significa ela não pode ter uso nenhum. Tudo é proibido e a obra só pode
ser circulada pelo próprio artista, que, muitas vezes, não possui
sequer meios para isso.
Esse é um dos caminhos para a democratização das mídias: criar um
grande conjunto de obras culturais “livres”, que podem ser distribuídas
por qualquer um. Essa é a grande chance de ocupar os enormes espaços
digitais que surgem, por exemplo, a partir dos milhões de telefones
celulares no país e com a nascente TV digital.
Essa é uma oportunidade efêmera de projetar a cultura produzida
localmente para um meio onde ela estará disponível para acesso nacional
e global. A mídia que queremos é aquela em que posso optar por ouvir as
últimas novidades do chorinho que está sendo feito em Vargem Grande, ao
lado do canal que traz o último filme feito em Hollywood.
*É mestre em Direito pela Universidade de Harvard e doutor em Direito
pela USP. É diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de
Direito da FGV no Rio de Janeiro e do projeto Creative Commons no
Brasil.