Opinião – Carta aberta à mídia


Sergio Gomes*


Estava faltando uma publicação como ARede para tratar, simultaneamente,
do que está na “ponta” das novas tecnologias e do que acontece no porão
do velho navio chamado Brasil; para contar histórias de pessoas que
insistem, persistem e não desistem e dar dicas que podem funcionar como
pauta para outros veículos.

Vamos ao fatos que não mereceram uma linha sequer nos últimos meses e
que apontam para vitórias na área da democratização da comunicação.

O Plano Diretor da Capital de São Paulo (Lei 13.885), aprovado pela
Câmara, em agosto de 2004, e sancionado pela prefeita Marta Suplicy, em
setembro, determina, no seu artigo 266: O Executivo deverá desenvolver
o Plano Diretor de Radiodifusão Comunitária, a ser incorporado ao Plano
Diretor Estratégico (PDE) quando de sua revisão (2006).

Nenhuma cidade do mundo ostenta, até hoje, algo parecido.

Dia 28 de dezembro de 2004, o Diário Oficial do Município publicou a
Lei 13.941, que institui o Projeto Educomunicação Pelas Ondas do Rádio.
Desenvolvido, ao longo de três anos e meio, pela Secretaria Municipal
da Educação, junto com o Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de
Comunicações e Artes da USP, capacitou mais de 10 mil pessoas, dotou
272 escolas municipais de Ensino Fundamental de equipamentos de rádio,
reduziu, de forma extraordinária, a violência contra/entre as crianças
e baixou quase a zero os índices de depredação dos prédios escolares.
Trabalho tão importante que a administração José Serra não só decidiu
dar-lhe continuidade como ampliá-lo para alcançar a vizinhança, as
famílias.

Após quatro anos de tramitação, foi aprovado, pela Câmara Municipal,
dia 11 de maio deste ano, e sancionado pelo prefeito José Serra, no dia
23 de junho, o projeto de lei 145 (agora, Lei 14.013), que garante a
auto-sustentação das rádios comunitárias. Um duro golpe nas pretensões
do narcotráfico, das religiões fundamentalistas e dos políticos padrão
Roberto Jefferson. Só o fato de a iniciativa ter partido de dois
vereadores destacados (Ricardo Montoro-PSDB e Carlos Neder-PT), que
pertencem a partidos distintos, já mereceria destaque na imprensa.
Quanto mais não fosse pelo inusitado dessa “frente política” ou pela
afirmação do Direito Constitucional, que garante ao município legislar
sobre tudo que lhe diga respeito. Inclusive autorizando o funcionamento
de emissoras que transmitem a apenas um quilômetro de raio.

O Ministério das Comunicações e a Anatel deixaram escorrer mais de seis
anos sem conceder a São Paulo (capital e 32 municípios vizinhos) o
direito de dispor de um canal exclusivo para o funcionamento das rádios
comunitárias, conforme prevê a Lei Federal. Foi preciso reunir Deus e
todo mundo, no dia 23 de setembro de 2003: do Sindicato dos Jornalistas
ao Itaú Cultural, da Câmara Municipal à Faculdade de Direito da PUC,
das rádios (na ilegalidade) aos artistas consagrados, do povo da Saúde
às melhores escolas municipais, e todas as entidades de coordenação do
Movimento de Radiodifusão Comunitária, para arrancar, das autoridades
federais, finalmente, a resposta à campanha Cadê Canal? Desde o dia 22
de março de 2004 (resolução 355 da Anatel), está garantido o canal 198
(freqüência 87,5/87,7) para o funcionamento legal das rádios
comunitárias na Grande São Paulo. Até hoje, nenhuma das 294
associações  que entraram com os papéis em Brasília (desde 1998)
foi chamada para ocupar, legalmente, uma posição no dial. E dá-lhe
perseguição a Heliópolis! E fecha-se a Rádio Guadalupe, em Osasco! E
mantenha-se o silêncio da imprensa sobre o que se passa nessa área do
porão do navio Brasil.

*Jornalista, diretor da Oboré, Escritório Paulista da AMARC/Brasil-Associação Mundial das Rádios Comunitárias e Cidadãs