Telecentros – Os cristais do Vale do Jequitinhonha

Os telecentros rurais Gemas da Terra tiram do isolamento pequenas comunidades do Alto Jequitinhonha, em Minas Gerais. Criado por iniciativa de um brasileiro que trabalha na Nasa, o projeto está fundado num modelo de gestão participativa, idealizado para produzir soluções tecnológicas capazes de revolver problemas locais.


Os telecentros rurais Gemas da
Terra tiram do isolamento pequenas comunidades do Alto Jequitinhonha,
em Minas Gerais. Criado por iniciativa de um brasileiro que trabalha na
Nasa, o projeto está fundado num modelo de gestão participativa,
idealizado para produzir soluções tecnológicas capazes de revolver
problemas locais.
Verônica Couto

“O telecentro é como os cristais: à medida que se organiza, vai
evoluindo na escala dos minerais”. A comparação é do gestor de um
telecentro instalado em Milho Verde, no Alto Jequitinhonha, em Minas,
pelo projeto Gemas da Terra. E consta da dissertação de mestrado de
Mauro Araújo Câmara, apresentada na Universidade Federal de Minas
Gerais, este ano, com o título Telecentros como Instrumento de Inclusão
Digital: Perspectiva Comparada em Minas Gerais. A imagem dos cristais
tem a ver com as conquistas obtidas pelas comunidades – difíceis, mas
significativas –, e atribuídas, pelo pesquisador, às metodologias
adotadas pela Gemas da Terra para o uso das tecnologias com fins de
mobilização popular.


Crianças da creche de São
Gonçalo , na inauguração
do telecentro.

A Gemas da Terra é uma rede de telecentros em comunidades rurais,
mantida pela organização não-governamental do mesmo nome, que ganhou,
este ano, uma divisão nos Estados Unidos – a Gems of the Earth Network
or Gotenet – com a missão de levantar fundos internacionais e apoio da
comunidade brasileira naquele país. Ambas surgiram por iniciativa de um
brasileiro, Marco Figueiredo, engenheiro de computação na Nasa, a
agência espacial norte-americana. “Depois de estudar o espectro de
ações de inclusão digital no Brasil, descobri que as pequenas
comunidades rurais não tinham uma organização representativa, e adotei
esse foco para o trabalho”, conta ele.

Na experiência piloto da Gemas da Terra, foram criados, em 2003, cinco
telecentros em comunidades com cerca de mil habitantes. O alvo da
entidade, que pretende espalhar seus telecentros por todo o país, são
distritos ou povoados com até 2,5 mil moradores – perfil que se aplica,
segundo suas estimativas, a mais de 10 mil comunidades do Brasil, país
onde cerca de 80% da população vive em áreas urbanas. “A maioria dos
programas de governo prioriza áreas com população superior a 3 mil
habitantes”, justifica Amílton Pinheiro, coordenador da ONG no Brasil.

Democracia como diferencial

A força da iniciativa, contudo, está no entendimento de telecentro como
espaço polivante e no modelo democrático de gestão. O telecentro não é
apenas escola, mas oficina de trabalho, centro de negócios, de
entretenimento e exercício de cidadania. E tem assembléias para eleição
dos conselhos fiscais e deliberativos, estes últimos responsáveis pela
contratação dos gestores. E o sistema se estende à própria ONG: os
presidentes dos conselhos deliberativos dos telecentros associados
elegem o conselho deliberativo da Gemas da Terra. E essa instância
escolhe o diretor-executivo, que vai contratar a equipe de gestão da
entidade. “A idéia é dar continuidade de gestão e proporcionar a
renovação democrática da direção da organização”, explica Marco.

Os telecentros estão em São Gonçalo do Rio das Pedras e Milho Verde
(distritos de Serro), Tombadouro (Datas), Conselheiro Mata (Diamantina)
e Rodeador (Monjolo). Nasceram numa parceria da Gemas da Terra com a
Associação Pró-Fundação Universitária do Vale do Jequitinhonha
(Funivale). O Gesac, do Ministério das Comunicações, doou a conexão à
internet via satélite e a Unesco, US$ 10 mil, para equipamentos. As
associações comunitárias dos locais escolhidos cederam o espaço e pagam
as despesas de manutenção.

Todos os softwares dos telecentros rodam em Linux. “Acreditamos na
filosofia do conhecimento
Telecentro de Milho Verde, junto
com o posto dentário que pertence
à associação Comunitária.
livre como forma de buscar uma sociedade mais
justa. Queremos ver, no futuro, o surgimento de produtores de software
livre dentro das comunidades rurais, algo quase impossível no modelo
proprietário, onde um produtor de software precisa, antes, passar na
universidade. Além disso, o custo do sistema proprietário é muito alto
para um projeto social e nós condenamos a pirataria como forma nociva
de corrupção dos valores morais da sociedade”, argumenta o idealizador
do projeto.

A conquista da ponte

A idéia fundamental, diz ele, é tornar os telecentros
auto-sustentáveis, para que as próprias comunidades identifiquem suas
demandas e as soluções baseadas no uso da tecnologia. Segundo declara
na dissertação do pesquisador da UFMG, Marco considera “necessário
mudar a maneira de se aplicar a tecnologia – ensina-se computadores
como função de escritório, é como se limitassem o ensino unicamente
para resolver questões de um ambiente empresarial, sendo que existem
muitas outras aplicabilidades”.

Em Conselheiro Mata, onde só há um telefone público, a comunidade
descobriu, navegando online, que o governo federal está destinando R$
250 milhões para cooperativas rurais comprarem tratores. “Vamos nos
inscrever”, avisa Amílton. E, na mesma comunidade, graças a muitos
e-mails enviados ao prefeito, as pessoas conseguiram a instalação de
proteções laterais numa ponte, após a morte de um jovem que dela
despencou. “Mas isso é muito pouco comparado com onde queremos chegar
no exercício da cidadania digital”, avalia Marco.

Na avaliação de Câmara, da UFMG, o modelo da Gemas da Terra tem “uma
filosofia que pode surpreender na apresentação de resultados em pouco
tempo”. Ele cita as pesquisas feitas nos micros dos telecentros, que já
tratam de demandas sociais concretas. Para criação de um fogão solar,
em Milho Verde, ou de novas maneiras de comercialização da pinha, em
Rodeador. Destaca, ainda, monitores que pretendem fazer downloads de
filmes, gravá-los em CD-ROM, e exibi-los na praça. “Não se trata
simplesmente do aspecto econômico, mas da valorização da criatividade,
de busca por inovação, do empreendimento com recursos locais, da
criação de alternativas para solução de problemas comuns. Trata-se de
mobilização social”, escreve o pesquisador da UFMG.

www.gemasdaterra.org.br
– A home dá link para o site da Gemas da Terra no Brasil e nos EUA. No
portal brasileiro, a seção downloads traz a dissertação de Mauro Araújo
Câmara, o Guia Gemas da Terra de Telecentros Rurais, e o Livro de
Receitas de Telecentros para a África, da Organização Educacional
Científica e Cultural das Nações Unidas (Paris, 2001), que serviu de
referência na formulação do projeto.
www.gotenet.org – Rede Gemas da Terra, nos EUA.