Conexão Social – A favela, vista de fora do caveirão.

A Escola de Comunicação Popular e Crítica, apoiada pelo Observatório das Favelas, pelo MEC e por várias universidades, foi criada no Rio para profissionalizar jovens nas áreas de vídeo, fotografia e jornalismo. O objetivo é mudar a representação estereotipada das comunidades.

A Escola de Comunicação Popular e
Crítica, apoiada pelo Observatório das Favelas, pelo MEC e por várias
universidades, foi criada no Rio para profissionalizar jovens nas áreas
de vídeo, fotografia e jornalismo. O objetivo é mudar a representação
estereotipada das comunidades.
Patrícia Cornils


Cena do documentário "Até Quando?",
produzido pela Giros e pelo Observatório
Favelas.
A Escola de Comunicação Popular e Crítica
iniciou as aulas para sua primeira turma, de 35 alunos, no dia 5 de
setembro. Em um ano de aulas diárias, de segunda a quinta-feira, jovens
de seis comunidades da zona da Leopoldina, no Rio de Janeiro, vão se
profissionalizar em vídeo, fotografia, comunicação integrada por rádio,
internet, mídia impressa e leitura crítica da imprensa. Essa turma,
formada por pessoas que já trabalham em instituições-referência em sua
comunidade, é uma das sementes de uma rede de comunicação popular em
formação. São várias as iniciativas do Observatório de Favelas do Rio
de Janeiro, também com vários parceiros, nessa direção. O objetivo
final da divulgação de novos olhares sobre a cidade é mudar a percepção
estereotipada da periferia – essa que predomina nos meios de
comunicação e impede o desenvolvimento de novas políticas públicas para
a cidade, porque justifica, todo o tempo, o preconceito e a segregação.

Além da escola, há a agência de fotografia Imagens do Povo (saiba mais), a produção de documentários como o “Até
Quando?”, sobre a morte de jovens nas favelas; a elaboração de um
programa semanal chamado Periferias, em discussão com o canal Futura,
que vai usar os estudantes da Escola de Comunicação como equipe de
produção. Em novembro, serão lançados um livro e um CD com dados sobre
as favelas cariocas, tiragem de 5 mil exemplares e distribuição
nacional. Os comunicadores formados pela escola também vão produzir os
programas de uma TV Educativa da Maré, a ser formada em 2007. Já em
2006, começam a produzir para uma TV de rua, na Maré e em outras
comunidades representadas na escola de comunicação.

Tudo isso será realizado em bairros onde as crianças “não têm medo de
bicho-papão, mas do caveirão, dos policiais e dos traficantes”. A frase
é da atriz Regina Casé, avaliando os depoimentos dados em um dos
programas da série “Crianças”, veiculados no “Fantástico”, da TV Globo.
O caveirão é um veículo blindado usado pela Polícia Militar do Rio de

Janeiro, uma espécie de tanque montado a partir de um carro-forte, com
buracos para os canos dos fuzis. Em setembro, o mesmo “Fantástico”
divulgou uma reportagem que mostrava a “invasão” de uma favela do ponto
de vista dos policiais do caveirão. A câmera estava dentro do veículo e
a sensação era de guerra, como se a polícia fosse os americanos em
Bagdá. Cercada por inimigos.

“Eles já chegam atirando”, diz Edilson Santos Ernesto, animador
cultural e diretor da Lona Cultural da Maré, em uma reportagem do
portal “Viva Favela” sobre o caveirão. E é isso o que apavora os
moradores. “Não tem como os policiais, de dentro do carro,
identificarem quem é do bem. A própria cultura deles acha que quem mora
na favela deve e é cúmplice”, diz. O tenente-coronel Aristeu Leonardo
Tavares, chefe do setor de Relações Públicas da Polícia Militar do Rio
de Janeiro, confirma: “O blindado visa trazer maior segurança para os
policiais militares. Quem está assustado está devendo”, declarou ele,
na mesma reportagem.

Falsos inimigos

É exatamente essa a representação que policiais e cidadãos fazem sobre
as favelas. Essa representação – forma de ver –, explica Jailson de
Souza e Silva, professor da Universidade Federal Fluminense e
coordenador do Observatório das Favelas, embute juízos como o de que
moradores das periferias, principalmente jovens, são potencialmente
criminosos e que precisam ter seu tempo ocupado, para não seguir o
caminho do crime. Ou são vítimas, passivas e essencialmente infelizes,
de uma estrutura social injusta. O que se admite como real, com base
nessa representação, é que há uma guerra com a “periferia”, como se
essas comunidades estivessem fora da cidade e fossem nada mais que uma
ameaça a ela.


No documentário "Até Quando?",
Beth mostra foto do seu irmão,
Wallace, morto pela polícia.

São essas representações que definem a aplicação das políticas
públicas. ”Parece natural, para as pessoas, que o dinheiro seja
investido nas áreas mais nobres da cidade. É como se fosse essa a
natural organização dos serviços públicos”, constata Jailson. Para
criar uma cidade em que todos sejam efetivamente cidadãos, é preciso
que a cidade enxergue as pessoas assim. Essa é a principal meta de todo
o projeto de comunicação do Observatório, cuja base serão esses jovens,
formados nas comunidades. Só eles podem produzir informação do ponto de
vista oposto ao de dentro do caveirão.

A Escola de Comunicação Popular e Crítica é financiada pelo Ministério
da Educação, e seus alunos vêm de Vigário Geral, Parada de Lucas, Maré,
Manguinhos, Complexo do Alemão e Jacarezinho. Conta com o apoio das
universidades UFF, UFRJ e UERJ; do canal Futura; do Sindicato dos
Jornalistas; da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo; da
Associação Brasileira de Produtores Independentes e do AfroReggae.


www.observatoriodefavelas.org.br
Para acessar diretamente o artigo sobre "Os meios de comunicação e os espaços populares", de Jailson de Souza e Silva.
www.vivafavela.com.br – Busque a reportagem "Corra, o Caveirão Vem Aí".