Opinião – TV digital na encruzilhada


Gustavo Gindre*


Aproxima-se a data-limite que o governo Lula se auto-impôs para
esclarecer o que será o Sistema Brasileiro de Televisão Digital
(SBTVD): o mês de fevereiro de 2006. A grande imprensa tem,
sucessivamente, tratado o tema como se tudo se resumisse a uma disputa
entre três “padrões”: o norte-americano (ATSC), o europeu (DVB-T) e o
japonês (ISDB-T), que, no final, resultaria em uma imagem melhor e na
possibilidade de recepção móvel (em carros) e portátil (em celulares e
palms). Mas, afinal, o que são estes padrões e o que está em jogo?

O governo Lula optou corretamente por mudar a nomenclatura de “padrão”
para “sistema”. Um sistema de TV digital é formado por vários padrões:
modulação (ATSC, DVB e ISDB), compressão de áudio, compressão de vídeo
(MPEG) e middleware (programa que permite a interação entre diferentes
aplicativos), entre outros. Mas, também, por soluções de hardware (o
set top box, aquela caixinha acoplada ao televisor que já usamos na TV
paga) e de softwares. Ou seja, a TV digital brasileira será uma colagem
de diversas soluções, algumas proprietárias e outras abertas. A isso
chamamos “sistema”.

A importação pura e simples de todo sistema é impossível. Por exemplo:
a específica topografia do Brasil impõe soluções próprias para a
recepção. Também não faz sentido que o país venha a produzir tudo
localmente, porque não vamos inventar a roda. O SBTVD será, portanto,
uma colagem de desenvolvimentos locais e importados. O que importar e o
que produzir localmente deve ser uma decisão baseada nos interesses
nacionais. Menos de 20% das residências têm acesso à internet, embora
mais de 90% possuam TV. Essa não é realidade dos Estados Unidos, Europa
e Japão. A TV digital brasileira deve ter o chamado “canal de retorno”,
que permite que a TV se torne interativa a ponto de se acessar 
e-mails, extratos bancários e boletins escolares. Se bem usada, a TV
digital brasileira poderá se transformar na maior ferramenta de
inclusão digital.

O espaço reservado para um canal na TV analógica pode transportar até
quatro novos canais, com qualidade de imagem e som igual ao de um DVD.
No futuro, este mesmo espaço comportará ainda mais canais. O SBTVD deve
escolher entre deixar todo esse espaço para as atuais emissoras, que
poderão transmitir quatro ou mais programas simultaneamente, ou
permitir que novas emissoras passem a operar. Essas novas estações de
TV podem ser privadas, educativas ou mesmo públicas. A TV digital
brasileira pode ser o mais importante instrumento de democratização da
comunicação, operando para pôr um fim ao oligopólio dos meios de
comunicação. Hoje, o Brasil exporta dinheiro para pagar a propriedade
intelectual (royalties) dos produtos tecnológicos que consumimos. Gerar
ciência e tecnologia no país nos permitirá diminuir esses pagamentos,
criar empregos qualificados e até mesmo exportar equipamentos.

Infelizmente, o atual ministro das Comunicações (ex-empregado das
Organizações Globo e ex-filiado do partido de Collor), Hélio Costa,
parece estar disposto a se desfazer do SBTVD em troca da simples adoção
do sistema japonês. Também já defendeu uma alíquota zero de importação
de equipamentos, matando qualquer tentativa de gerar uma indústria
local. Coincidentemente, essa é a mesma posição da Rede Globo. A grande
questão é saber o que fará a sociedade civil, no momento em que o
futuro da TV é decidido, ao que parece, de acordo com os interesses dos
grandes meios de comunicação.


* Integrante do Comitê Gestor da Internet e diretor do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicações e Cultura (Indecs).