Opinião – Rebeldia cidadã



Tião Santos*


A Constituição Brasileira, em seu artigo 5º inciso IX, estabelece que: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Do mesmo modo, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica) da qual o Brasil é signatário, diz, em seu artigo
13, inciso três que: “não se pode restringir o direito de expressão
por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controle oficiais ou
particulares do papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de
equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por
quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação
de idéias e opiniões
”. Trata-se de uma lei internacional incorporada à Constituição.

Cito essas leis para que não haja dúvida de que é política a motivação
da perseguição e repressão de lideranças e de comunidades que teimam em
construir uma nova consciência a partir de uma comunicação livre,
democrática e cidadã. Algumas pessoas ficam indignadas ao constatar o
aumento da repressão às rádios comunitárias no Brasil no governo Lula.
Essa repressão é histórica e, sob alguns aspectos, independe de
governo, porque se trata de uma questão ainda maior, de poder. Mas isso
não exime o governo de responsabilidade. Como na digitalização do rádio
e tevê, ele deixa, nesta questão, muito a desejar.

Em 2003, o ministro Miro Teixeira, das Comunicações, compôs um grupo de
trabalho (GT) com o movimento de rádios e o empresariado para dar
transparência, agilidade e melhorar a legislação das rádios
comunitárias. Foi um belo trabalho, realizado com o esforço de todos,
principalmente de Daniel Hertz (representante do Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação, falecido recentemente), a quem não posso
deixar de homenagear.

Em 2004 foi instituído um segundo GT, interministerial,  cujas
resoluções também foram engavetadas. Enquanto isso, processos se
acumulam no ministério, rádios autorizadas são cassadas sem que haja o
devido processo legal e rádios históricas, realmente comunitárias, como
a Heliópolis, são fechadas pelo aparato da Polícia Federal, lideranças
comunitárias são criminalizadas e, sobretudo, trabalhos sociais e a
esperança de milhares de pessoas são destruídos.

Não vamos resolver o problema com arremedos legais como o proposto à
rádio Heliópolis (veja matéria em www.arede.inf.br, na edição 17
d’ARede). A questão  é política e falta posição clara do governo
com relação a esse tema. Quando o governo quis salvar agricultores que
plantaram soja modificada geneticamente, mesmo descumprindo a lei
vigente, editou uma medida provisória para permitir a colheita. Não
seria hora de ter uma atitude política mais pró-ativa em favor das
rádios comunitárias? Por que não realizar uma conferência para tratar
do assunto com seriedade? Por que fechar os olhos aos abusos cometidos
contra as rádios?

Campeãs de audiência nas comunidades onde estão instaladas, elas levam
as mensagens de resgate da cultura, das campanhas de saúde, de meio
ambiente, de desenvolvimento sustentável, contra a discriminação
social, racial e de gênero – propostas pelo próprio governo. São elas
que, com rebeldia cidadã, fazem a luta pelo direito de se comunicar, de
construir cidadania e paz, apesar de tudo e sem receber um centavo das
gordas verbas publicitárias oficiais dadas às emissoras comerciais.


* Tião Santos –
Radialista, ex-membro do GT de Radiodifusão Comunitária do Ministério
das Comunicações e Coordenador da RBC – Rede Brasil de Comunicação
Cidadã.