O movimento da cultura livre levou
o grupo cultural do Pelourinho, em Salvador, a buscar um novo modelo de
negócio e acordos internacionais.
Fátima Fonseca
No cenário da cultura livre, impulsionada pelas tecnologias digitais,
que levam a um questionamento do direito autoral e dos modelos
tradicionais de remuneração dos intermediários (como as gravadoras), é
preciso descobrir novos modelos, sem medo de se arriscar. Essa é a
filosofia adotada pelo grupo cultural Olodum, de Salvador (BA), para
garantir sustentabilidade num mercado cada vez mais descentralizado.
“Nós estamos no olho do furacão”, resume João Jorge Rodrigues,
presidente do Olodum.
O Bloco Afro O Olodum é uma organização não-governamental (ONG), que, a
partir da Bahia, desenvolve ações de combate à discriminação racial e
defesa dos direitos civis e humanos. Além, é claro, de ser um bloco de
carnaval e uma banda (percussão, voz e harmonia), que lançou sucessos
como “Faraó”, “Avisa-lá”, entre outros. O movimento da cultura livre,
afirma João Jorge, permite uma “circulação mais livre, sem controle do
capital do artista, do músico brasileiro, que tem muito mais
dificuldade de acompanhar esses processos”. No entanto, o grupo entende
que o modelo tradicional de gravadoras está ultrapassado e é preciso
apostar em modelos de geração de renda dentro dessa mesma cultura
livre, em rede, em que a circulação de conteúdos audiovisuais é
gratuita, sem restrições de distribuição, e com remuneração por shows, jingles, comerciais de televisão, etc.
“As novas tecnologias estão libertando o ambiente da música mundial
para essas coisas de maior velocidade e alcance, sem passar pelo crivo
de quatro ou cinco gravadoras”, observa o presidente da ONG, informando
que, desde 2001, o Olodum não tem uma gravadora formal e, em 2005,
produziu o primeiro disco independente. No novo formato, diz, o áudio
deixa de ser comercializado diretamente e passa a ser vendido como uma
marca, em camisetas, relógios e outros produtos, que ajudam a firmar
essa identidade, impulsionando novos shows.
Acordo com os EUA e China
Ao mesmo tempo em que investe em novos produtos, o Olodum quer
transformar a sua missão — de levar o samba-reggae para o mundo — em
uma nova fonte de renda. “Vamos firmar um contrato com os Estados
Unidos para vender música na rede”, anuncia João Jorge, apontando as
vantagens do sistema: “Primeiro, o controle é mais eficaz; segundo, o
ganho é para muito mais pessoas. Ele é um ganho menor, porque é de 20
centavos de dólar, mas, em compensação, a quantidade é muito maior.” O
acordo deve ser fechado neste segundo semestre com uma loja virtual,
cujo nome será anunciado somente após a assinatura do contrato, que já
tem tradição na venda de músicas online.
O grupo também negocia com um empresário chinês. “Na China, nossa meta
é vender 100 milhões de DVDs e, numa segunda etapa, realizar shows nas
grandes cidades”, anuncia João Jorge. Enquanto os negócios virtuais não
se concretizam, o Olodum firmou acordo para a venda de CDs na Itália,
pelo modelo tradicional. Vai produzir 20 mil CDs para venda em Milão e
em Roma, onde o Oludum tem shows programados.
“Há um mundo de negócios enorme na área cultural para nós”, diz o
presidente do grupo. Para isso, o Olodum está se reorganizando
internamente, buscando novas parcerias e alianças no contexto nacional
e internacional, e pensando projetos de longo prazo. “O governo
brasileiro estruturou uma boa articulação nacional e internacional.
Vivemos um cenário favorável como jamais tivemos para fazer
mobilização, produzir novas coisas dentro e fora do Brasil.”
Para atender a esse novo mercado, o grupo quer ter um estúdio digital
(hoje, grava em estúdios alugados), num projeto multimídia, para a
produção de música, foto e vídeo. E a meta, mais ampla que a
sustentabilidade econômica, é transformar o Pelourinho num campo de
cultura e arte afrobrasileira, com espaços para debates, palestras,
conferências, oficinas, e discussão de temas como a pobreza da África,
a Guerra do Sudão, proteção do meio ambiente, novas tecnologias,
educação a distância, envolvendo países africanos. “Queremos que o
grupo se torne uma universidade popular, aberta e cultural”, diz João
Jorge.
Fundado como um bloco afrocarnavalesco em Salvador, em 1979, com a
comunidade do Maciel/Pelourinho, o Olodum se transformou numa ONG,
cujas atividades vão muito além do Carnaval. Uma das primeiras
iniciativas foi a criação do projeto Rufar dos Tambores, em 1983, que
resultou na formação de uma banda mirim. “Foi um sucesso, porque a
garotada pôde ter acesso aos instrumentos, tocar e fazer música”,
relembra João Jorge Rodrigues, atual presidente do grupo. “Isso nos
mostrou que, além daquela atividade básica, estávamos criando uma
agenda social, o que foi uma novidade naquele período, já que os blocos
tocavam no Carnaval e passavam o resto do ano sem fazer nada”.
Da banda mirim veio a idéia de criar a Escola Olodum para reforçar a
alfabetização das crianças. Para que o aluno tenha acesso a ela, é
preciso estar matriculado na escola pública ou escola privada e ter
“bom rendimento”. Outro requisito é a idade: pelo menos 16 anos para
fazer parte do bloco; na escola, começa com 7 anos e vai até os 16.
Ali, além de música, os jovens adquirem informações para defesa dos
direitos humanos, do meio ambiente e de sua identidade étnica. A
equipe, multidisciplinar, conta com pedagogos, assistentes sociais,
psicodramatistas, psicólogos, bailarinos, músicos e maestros.
Além de instrumentos musicais, a escola tem uma estação de informática,
com dez computadores conectados à internet. Os equipamentos funcionam
com software proprietário e a rede em banda larga é contratada da Telemar. Atualmente, são atendidas 350 crianças na Escola Olodum.