O CDTC, ligado ao ITI, oferece 134 cursos avançados em software livre.
É uma exceção. A maioria dos projetos não vai além de Java.
Uma das mais abrangentes ações de capacitação em software livre do país
é desenvolvida pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação
(ITI), por meio do seu Centro de Difusão de Tecnologia e Conhecimentos
(CDTC). Este ano, o centro vai colocar no ar três novos cursos —
gratuitos e a distância —, para formar técnicos de suporte de primeiro
nível (Técnico Cidadão), programadores, e administradores de redes
livres. As inscrições devem ser abertas em outubro. A meta é formar 30
mil jovens até o final de 2008 em conhecimentos básicos nas plataformas
livres (50 horas de curso) — dos quais os melhores devem passar para
módulos seguintes, até totalizarem 450 horas de aula e formarem uma
força de excelência no domínio de software livre. Os professores estão
em um núcleo montado na Universidade de Brasília (25), a que se
agregarão, em breve, outros 20 da Universidade Estadual da Paraíba, e
20 da Federal do Paraná.
O centro já oferece 134 cursos a distância e gratuitos, por meio de
portal na internet, que estão sendo agrupados para oferecer as
capacitações completas, opcionais, a serem abertas em outubro. O site
do CDTC tem uma área para o setor público (com 15,7 mil funcionários
cadastrados), outra para a comunidade (11.117 alunos, que ocuparam
40.838 vagas de cursos). Os servidores (qualquer um que tenha e-mail
.gov) têm direito à certificação, os demais não. Para certificar também
a comunidade, tendo certeza de que o aluno que cursou foi o mesmo que
fez a prova, o gestor do CDTC e assessor da presidência do ITI, Djalma
Valois, adianta que está sendo negociado convênio com a Câmara e-Net. A
idéia é transformar os cartórios (23 mil no país) em certificadores,
até o final do ano. Toda semana, diz Djalma, tem curso começando no
site. “Nossa média semanal é de 4 mil alunos em curso, em turmas de uma
a 500 pessoas”.
Também com foco exclusivo em código aberto, a Fábrica de Software
criada pelo Instituto de Desenvolvimento Educacional (IDE), em Ilhéus
(BA), começou sua segunda turma este mês. No ano passado, dos 40 alunos
inscritos, 13 se formaram. “Os jovens da primeira turma foram indicados
por líderes comunitários, e muitos não tinham vocação, formação básica
de matemática, e acabaram desistindo”, explica Jahumara Gloria Tellez,
presidente do IDE. Este ano, a entidade optou por um processo de
pré-seleção. O candidato deveria ter nível médio concluído na rede
pública, e de 18 a 25 anos. Também aplicou-se um teste para verificar
familiaridade mínima com o computador (abrir e fechar um documento,
navegar, etc.) e uma prova de lógica.
Cursos para atender ao
Cepedi
O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico em Informática e
Eletroeletrônica de Ilhéus (Cepedi) é o parceiro pedagógico do IDE:
cede espaço e professores. O curso cobre inglês, português, matemática
e informática básica, lógica de programação, sistema operacional Linux,
linguagem Java — em cinco meses. O Cepedi ingressou no projeto porque
precisava de mão-de-obra qualificada no mercado local — o pólo
tecnológico de Ilhéus tem 50 empresas instaladas. Gloria destaca que os
jovens eventualmente não contratados deverão formar uma cooperativa,
apoiada pela incubadora do Cepedi. “Esses jovens podem prestar serviços
para o governo, que, em vez de dar dinheiro por meio de projetos
sociais, poderia dar essa preferência na contratação.”
Dos três projetos piloto que serão desenvolvidos com apoio do MCT, o
primeiro a receber recursos do Fundo Setorial de TI foi elaborado pela
Brasscom-Associação Brasileira de Empresas de Software e Serviços para
Exportação. São 27 turmas de 50 vagas cada, em 14 cidades — de
Fortaleza (CE) a Caixas do Sul (RS). Cada turma é apoiada por uma
empresa “madrinha”, que escolhe a comunidade a ser atendida e se
compromete a empregar (CLT) cinco dos formados, por um ano, com salário
de R$ 900,00. O programa tem R$ 2,7 milhões do MCT e o equivalente em
contrapartida (recursos humanos, principalmente) das empresas
“madrinhas”: sete associadas da Basscom (Stefanini, Datasul, BrQ, DBA,
Politec, HSBC, CPM Braxis); e duas não ligadas à entidade (Porto
Digital e IBM).
As tecnologias ensinadas acompanham as demandas das corporações: Java,
.Net, Cobol, Progress. Só a linguagem Java é aberta; além de Cobol, um
padrão ISO, mas, na prática, restrito ao mundo dos mainframes
(computadores de grande porte), onde há menos possibilidade de
inovação. “Tudo isso é para formação de profissional que vai trabalhar
com exportação, e, nessa área, ainda não há demanda para software
livre”, acredita Ricardo Saur, diretor-executivo da Brasscom. O
conteúdo, com módulos que ultrapassam mil horas (ou cerca de um ano), é
todo dado a distância, em telecentros ou computadores cedidos por ONGs
parceiras — por exemplo, o Viva Rio tem quatro turmas, no Rio (uma
delas no morro do Alemão); o Instituto HSBC, duas em Curitiba (PR),
etc. Os módulos incluem, além das linguagens, lógica de programação,
algoritmos, matemática, inglês técnico, cidadania, rede, internet. A
seleção para os cursos obedece a dois critérios: situação
socioeconômica e aptidão. “Não é para jovens em situação de rua, mas de
risco, que não têm uma perspectiva de emprego”, destaca Saur. As
primeiras turmas, indicadas em dezembro de 2006, devem estar se
formando no final deste ano.
Fábrica de software, em Ilhéus.
A ONG Altis-Centro de Alta Tecnologia e Inovação em Software também
acredita que Java é tecnologia de alta demanda, assim como Cobol. A
entidade oferece a jovens de baixa renda de Salvador (BA) cursos nessas
plataformas, em parceria com a IBM (projeto Oficina do Futuro, que
também acontece em Campinas, SP) e o Senai da Bahia. Além dos cursos, a
própria Altis presta serviços de gerência de projetos, manutenção de
sistemas, desenvolvimento. O programa já treinou cem professores e 540
alunos, entre quadros de fora e de dentro da Altis, onde seus 85
colaboradores ganham, em média, R$ 2 mil/mês, para uma renda per
capita, no estado, de R$ 3 mil/ano, diz Vanda Scartezini, presidente da
ONG.
A IBM Brasil, além de madrinha de turmas da Brasscom e parceira da
Altis, tem outras ações de capacitação. Entre os dias 16 e 20 de julho,
a empresa e a Fatec-Afro (ONG voltada à formação de universitários
negros) realizaram em São Paulo a quinta edição da AfroTech. Este ano,
como explica a coordenadora do evento, Fabiana Galetol, a ênfase foi
dada à preparação de jovens para o mercado de trabalho. Cerca de 80
participantes, vindos de comunidades paulistanas de baixa renda,
tiveram aulas de informática, inclusive de introdução à programação de
software livre.
Em São Paulo, duas ONGs estão concentradas em capacitar jovens em
software livre. O Coletivo Digital começou, em julho, curso sobre
designer gráfico em software livre no Instituto Arlechino, Ponto de
Cultura que reúne grupos teatrais da periferia. E, noutra iniciativa,
apresenta ferramentas de cultura digital no projeto São Miguel no Ar,
para alunos de 12 a 16 anos, em parceria com a Fundação Tide Setúbal.
Estão abertas, no Coletivo, inscrições para curso de instalação de
servidores de redes locais (Linux), com 30 horas e dez vagas. Nesse
caso, contudo, as aulas serão pagas: duas prestações de R$ 299,00. E
devem começar em outubro. A Rede Livre, junto com a ETE e a Fatec de
Carapicuíba (SP), já formou 20 alunos de escolas públicas da região em
suporte de primeiro nível para Linux, e deve começar segunda turma
neste semestre. Também dá aulas para integrantes da ITCP, incubadora
FGV-SP, em alguns casos, no laboratório do Coletivo Digital.
Mônica Bonna, 17 anos, desde dezembro do ano passado é estagiária de
serviços gerenciados no datacenter da .ComDomínio, em São Paulo, onde
trabalha oito horas por dia e ganha R$ 750,00 por mês, vale-alimentação
e ajuda para o transporte. Já começou a faculdade do IBTA de Análise de
Sistemas e é faixa marrom do HackerTeen, curso que faz desde o primeiro
nível com bolsa de estudos, e que conclui em abril do ano que vem. Ela
lembra que descobriu o software livre, quando o pessoal do HackerTeen
deu uma palestra na sua escola, o Colégio Radial. “A primeira coisa que
fiz foi comprar um CD de Linux, numa revista que vi na banca. Pedi para
todo mundo em casa — minha mãe, minha irmã — fazer back up, e migrei os
dados de todo mundo. Eu não sabia nada, não sabia particionar,
formatar, só fui vendo o que estava escrito na revista. E deu certo”,
lembra Mônica.
Foi em um telecentro de Santo André, São Paulo, que Rogério Machado,
mexeu pela primeira vez com software livre. Lá, ele se inscreveu para
fazer curso de OpenOffice e de noções de hardware. Não foi selecionado.
Mas continuou freqüentando o espaço, perguntando, olhando. Quando
surgiu o projeto da 4Linux, que tinha 24 bolsas de estudo financiadas
pela IBM e ofereceu 12 delas à prefeitura de Santo André (as outras 12
para o Rio de Janeiro), inscreveu-se também e, desta vez, passou.
Concluiu o curso completo do HackerTeen no final de 2006. Com três
meses de aulas (faixa azul, na época), recebeu o convite para estagiar
no suporte técnico da própria 4Linux, a R$ 600,00/mês. O convite
seguinte, seis meses depois, veio da Brlog Logística, onde está agora,
com salário de R$ 800,00. A empresa tem uma linguagem para criar
aplicações, a Genexus, que, embora proprietária, roda em sistemas
baseados em Linux. Rogério fez o curso interno de Genexus, dá suporte
aos clientes que tem aplicações baseadas na plataforma, mas sobre
ambientes Linux, e se prepara para começar a desenvolver sistemas. Ele
mora na Vila Lozita, região sul de Santo André, com o pai aposentado e
a mãe “empregada sem registro”. Lembra que, na escola, tinha
computador. “A gente raramente usava. A sala tinha 50 alunos, e a
escola inteira, oito computadores.”
De relojoeiro a programador
Em Ilhéus (BA), depois de fazer o curso da Fábrica de Software do IDE,
José Alves Moreira Júnior, de 20 anos, trocou o trabalho de técnico
relojoeiro, onde ganhava R$ 400,00, por um estágio de auxiliar de
programação no Cepedi, com salário de R$ 380,00, mais tíquete. “Porque
é mais legal, porque essa área é uma das que mais crescem, porque a
gente trabalha aprendendo, e o que aprende aplica na hora. Estou
fazendo curso pré-vestibular e meu sonho é ir trabalhar na Europa ou
nos EUA. Mas aqui tem muito mercado também.” Antes do curso do IDE,
Júnior aprendeu a mexer em computador na lan house. “Na escola,
não tinha professor qualificado”.
Estudante do 1º ano do ensino médio, Tauan Pessôa de Andrade,
participou do curso de introdução à programação em software livre da
IBM, durante a AfroTech. Esse foi seu primeiro contato técnico com a
informática. Em casa, ele tem computador com dual boot (Linux e
Windows). “Penso em me tornar programador e sinto mais afinidade pelo
software livre”, conta. Segundo ele, as liberdades para explorar os
programas o deixam “mais à vontade”.
Colega de Tauan no curso da AfroTech, o designer de interface Gustavo
Martins (foto), de 23 anos, está mais familiarizado com a tecnologia
por meio de experiências vividas no Terceiro Setor. “Tenho percebido
que, para um bom profissional, designer apenas não basta”, destaca.
“Acho que estamos vivendo um boom do software livre, e decidi me
especializar nisso”. Para Gustavo, ao trabalhar “coletivamente”, a
tendência é aprimorar seus conhecimentos mais rapidamente e criar, de
forma espontânea, uma teia de contatos profissionais. Mas ele se sente
prejudicado pela falta do domínio do inglês, que, embora conste do
currículo obrigatório das escolas, não resulta em aprendizado. “Espero
conseguir trabalhar numa empresa que ofereça essa qualificação”.
Bolsa de estudo no HackerTeen
Começa em setembro uma nova turma do HackerTeen, curso avançado de
Linux e segurança para jovens de 14 a 19 anos, com uma vaga de doação,
a ser concedida a uma entidade (não é dada à pessoa física). O
HackerTeen já formou 600 alunos, e apenas 54 concluíram seu último
nível (dois anos de aulas), tornando-se faixa preta na tecnologia.
Todas as turmas têm uma vaga de bolsa, e cada faixa tem duração média
de quatro meses. As faixas branca, amarela e verde custam R$ 230,00 por
mês, mais R$ 120,00 de matrícula; as azul, marrom e preta, R$ 320,00.
O HackerTeen é mantido pela 4Linux, empresa de treinamento e
consultoria, que, em julho, lançou o “desafio universitário”, para
tentar achar profissionais para seis vagas de trabalho em aberto.
Durante o mês de julho, a idéia era selecionar 40 estudantes de
penúltimo ou último ano de qualquer graduação da área de exatas que se
cadastrassem no banco de currículos da empresa; desses 40, 16 seriam
entrevistados; e desses, oito ganhariam três cursos de graça (sendo que
dois seriam contratados pela 4Linux). Os cursos de Linux oferecidos são
voltados para o ambiente empresarial e preparatórios para a
certificação internacional do Linux Professional Institute (LPI). “O
mercado de Linux está crescendo tanto, que tivemos que dar cursos de
graça em um processo seletivo”, diz Marcelo Marques, diretor de
marketing e estratégia da empresa.
http://curriculo.4linux.com.br
www.4linux.com.br
www.hackerteen.com.br
http://comunidade.cdtc.org.br
http://cursos.cdtc.org.br
— Para funcionários públicoswww.idebrasil.com.br
www.idebrasil.org.br
coordenadoria@redelivre.org.br