Sobram irregularidades no céu paulistano, mostra levantamento do Intervozes.
Anamárcia Vainsencher
A rádio comunitária de
Heliópolis volta a
funcionar, mas em
caráter experimental.
As rádios comunitárias vivem ao sabor de boas e más notícias. Em
Heliópolis, na zona sul da capital paulista, 11 de agosto foi dia de
festa, com a volta das transmissões da rádio comunitária. Enquanto
isso, continua sem atendimento o pleito de mais de uma centena de
radcoms da cidade de São Paulo, por falta de espectro, dizem as
autoridades. Mas não é bem assim: de 39 emissoras FM em funcionamento,
só três não têm datas de validade vencidas, 17 receberam outorga para
funcionar no município e 22 operam com licenças emitidas para
municípios vizinhos. É o que mostra levantamento do Observatório do
Direito à Comunicação (uma iniciativa do Intervozes — Coletivo Brasil
de Comunicação Social), publicado em meados de agosto, com informações
estruturadas após consultas a bases de dados do Executivo federal e
apuração do que aparece no dial do rádio.
Treze meses depois de ter sido fechada pela Polícia Federal, por ordem
da Anatel, com alegação de interferência indevida de sinal, a radcom da
maior favela do país pode entrar no ar novamente, em caráter
experimental. “A gente funciona há 15 anos e o que conseguimos foi
graças à nossa política de aliados, com ONGs, advogados, que fizeram
pressão sobre as autoridades”, conta Gerônimo Barbosa (ou Gerô),
diretor de comunicação da União das Associações e Sociedade de
Heliópolis e São João Clímaco – Unas.
A forma que a Anatel encontrou para permitir que a Heliópolis voltasse
a operar foi pelo atalho do “caráter experimental”, desde que em
parceria com uma universidade, no caso, a Metodista de São Bernardo do
Campo. Durante a proibição, porém, a comunidade de 125 mil habitantes
da favela não ficou inteiramente muda, como contam os moradores: as
ondas da rádio circulavam pelas ruas “sobre as rodas da bicicleta do
mestre de capoeira Didi”, descreve reportagem de Fabiana Reinholz, da
redação do Fórum Nacional pela Democratização da Informação (FNDC).
Assim, as informações sobre o bairro, as notícias do país e do mundo
continuavam chegando aos moradores. “Pra gente, a rádio nunca fechou,
ela só não estava no ar,” disse Cláudia Neves, locutora voluntária da
Heliópolis há cinco anos.
Meias verdades
Basta percorrer o dial para
encontrar 22 emissoras a mais
do que as outorgadas para o
município de São Paulo.
No trabalho “Irregularidades marcam FMs em São Paulo”, o Observatório
do Direito à Comunicação observa que a saturação do espectro
eletromagnético paulistano, que estaria totalmente ocupado por rádios
consideradas regulares pelo Ministério das Comunicações (Minicom) e
pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), tem sido a
principal justificativa técnica para não autorizar novas emissoras
educativas ou comerciais e, especialmente, ampliar o espaço destinado
hoje para a regularização dos mais de cem pedidos de funcionamento de
rádios comunitárias.
O Observatório apurou o que pode ser considerado o dial
“oficial” da cidade de São Paulo em Freqüência Modulada (FM). Para
montar a lista (disponível no site do projeto), a entidade juntou dados
oficiais às informações obtidas “no prosaico ato de, com um aparelho de
rádio instalado em um automóvel, percorrer o dial do começo ao fim”, já
que, nas informações oficiais, não constam emissoras que ocupam o
espectro destinado às FMs. Foram encontradas 38 emissoras FM operando
na cidade, e que aparecem no sistema Anatel como “licenciadas”. Há
ainda a Scalla FM (Rádio Sociedade Marconi Ltda.), cuja “Fase de
Manutenção da Outorga” aparece como “Ato de uso RF e/ou Instalação
Emitido”. Essa, aliás, é uma das três únicas emissoras cuja data de
validade da licença não está vencida. Ou seja, as outras 36 operam
precariamente. Do total de 39 emissoras, 17 receberam outorga para o
município de São Paulo. As outras 22 funcionam a partir de licenças
emitidas para municípios vizinhos, alguns distantes da capital. Porém,
a priori, nenhuma dessas emissoras interioranas pode ser considerada
como irregular, porque regulamentos e procedimentos administrativos
permitem que uma rádio aumente sua potência e “invada” o território de
outro município. Mesmo que, por princípio, a concessão de FM seja local.
Os bancos de dados reunidos nos sistemas interativos da Anatel (veja o
link) são mantidos pela agência e pelo Ministério das Comunicações,
ambos responsáveis por sua atualização. A fiscalização da agência sobre
as emissoras é baseada nas informações desses sistemas. E foi neles que
o Observatório apurou as datas de validade das licenças concedidas às
FMs que operam na cidade de São Paulo. A Constituição Federal de 1988
estipula o prazo de concessão para serviço de radiodifusão sonora em
dez anos, renováveis pelo mesmo prazo, por períodos sucessivos. Mas há
casos em que a validade das outorgas venceu há 11, 13 e até 17 anos.
A legislação da radiodifusão é caótica, mas não explica tudo. A ela se
somam regulamentações técnico-administrativas que ajudam a entender
como e por que as rádios seguem não apenas funcionando, mas funcionando
em situação regular aos olhos da Anatel e Minicom, apesar do evidente
desrespeito aos princípios constitucionais. De quebra, os procedimentos
legais de renovação da concessão levam, em média, mais de sete anos
para serem concluídos, segundo a Sub-Comissão Especial de Concessões,
da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, da
Câmara dos Deputados (CCTCI). Do total, seis anos e meio dizem respeito
apenas à passagem do processo pelo Executivo. E há casos de processos
que saem do Executivo 14 anos depois de abertos, ou seja, quatro anos
depois de vencido o prazo que deveria ter sido renovado.
Ao fim e ao cabo, dados da Anatel mostram que o céu paulistano não é
tão congestionado assim: só 17 FMs são outorgadas a operar no
município. Mas o dial e uma busca mais refinada nos sistemas da Anatel
e do Minicom apontam 39 autorizadas a transmitir em São Paulo: 22
receberam outorga para operar em outro município, mas ou transmitem sua
programação para a capital, ou da própria capital.
www.direitoacomunicacao.org.br
http://sistemas.anatel.gov.br/sis/SistemasInterativos.asp – banco de dados da Anatel