EUA: neutralidade sob ameaça.

Afinal, os operadores de rede podem ou não cobrar mais dos provedores de conteúdo que usam mais banda?


Afinal, os operadores de rede podem ou não cobrar mais dos provedores de conteúdo que usam mais banda?

A discussão está quente nos Estados Unidos. De um lado, as donas da
infra-estrutura de rede — em geral, as grandes operadoras de telecom
como AT&T e Verizon e as de TV a cabo como a Comcast — pleiteiam o
direito de majorar os preços dos fornecedores de conteúdo que consomem
mais banda e exigem qualidade do serviço. De outro, associações de
direitos civis e empresas como Google ou Youtube, que provêem
conteúdos, e usam para isso as redes de terceiros, defendem o
contrário. Até recentemente, a Federal Communications Commission (FCC),
o órgão regulador daquele país, estava inclinada a favorecer a
neutralidade, acatando a proposta de parlamentares (tanto democratas
quanto republicanos) de regulamentar a questão. O que for resolvido
repercutirá no mundo todo, porque a maior parte do roteamento do
tráfego internet é feita nos EUA.

No dia 6 de setembro, o Departamento de Justiça sugeriu à FCC que não
se adote regras para garantir a neutralidade. Seus argumentos: isso
poderia diminuir investimentos no desenvolvimento da própria rede,
inibir a inovação, reduzir o poder de escolha do consumidor e provocar
aumento dos preços. Ou seja, o Departamento de Justiça (DoJ),
encarregado de impedir práticas anticompetitivas, defende cobrança de
tarifas diferenciadas pelas operadoras para diferentes volumes e
qualidade de tráfegos nas redes. Como querem as operadoras, alegando
que precisam elevar investimentos para atender à sobrecarga das redes
provocada pelos grandes provedores de conteúdo. E, desses, os que
pagarem tarifas especiais teriam um tratamento diferenciado para seus
pacotes

Caso a FCC referende a posição do DoJ, os princípios que orientaram a
criação da internet — entre os quais a liberdade de acesso e o
compartilhamento — serão duramente afetados. “É uma decisão com
repercussões muitos sérias”, opina Sérgio Amadeu da Silveira, professor
da Faculdade Cásper Líbero. A seu ver, conforme essas regras
discriminatórias forem implementadas, elas não só afetarão os usuários
que acessam sites que não fizerem acordos para tratamento especial de tráfego com as operadoras, como poderão ter impacto sobre aplicações peer to peer (entre dois usuários) que usam protocolos tipo bit torrent,
que permitem o compartilhamento, em alta velocidade, de arquivos
pesados. Aplicações essas que hoje não pagam nada para transitar na
rede, e que, numa situação de tráfego privilegiado por taxas especiais,
podem ser seriamente comprometidas.

Já Demi Getschko, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, recomenda
cautela: “É evidente que, se existe qualidade de serviço diferente e
largura de banda diferente, pode ter custo diferente”. Mas, se admite o
corte vertical em relação à cobrança de tráfego na internet, é
totalmente contra o corte horizontal. Ou seja, pacotes iguais têm de
ser tratados da mesma forma.

A questão é muito delicada pois há freqüentes denúncias de tratamento
discriminatório de determinados dados. A própria Anatel já foi
acionada, segundo relatou dirigente do órgão regulador. “Temos que
ficar vigilantes sobre como esse movimento pode influenciar a
legislação brasileira”, alerta Gustavo Gindre, do Coletivo Intervozes e
do CGI.br.