Tevê por assinatura oferece a 30 mil assinantes da Rocinha, no Rio, um pacote de 35 canais, a R$ 30,00.
ARede nº 31 novembro de 2007 – Dos 23 funcionários da TV Roc,15 são moradores da Rocinha. A TV Rocinha (ou TV Roc), rede de TV a cabo que atua na favela da Rocinha, uma das mais populosas do Rio de Janeiro, não é uma organização não-governamental. É uma empresa. Muitos se esquecem disso, porque a imagem da tevê está, literalmente, colada à imagem da Rocinha. A vencedora do Prêmio ARede 2007 na categoria Empresa Privada foi criada em 1996, com um investimento de US$ 2,5 milhões, aplicados na construção de uma poderosa rede de fibras ópticas de 56 pares e cabos coaxiais .750, que passa por cerca de 30 mil residências. O argentino Dante Quinterno, naquela época, percebeu um enorme mercado potencial onde a maior parte das pessoas “do asfalto” só enxerga criminalidade e pobreza, e decidiu oferecer serviços de TV a cabo ao bairro. Uma decisão empresarial, sem paternalismo, anos antes de o mundo corporativo começar a prestar atenção aos padrões de consumo dos 76% dos lares brasileiros que pertencem a famílias de classes C, D e E.
Em um acordo com a Net, Dante conseguiu vender o pacote de programação a um preço menor (a assinatura custa R$ 30,00 por mês, para 35 canais) e, atualmente, tem cerca de 30 mil assinantes. Além do acesso a canais antes inexistentes na favela (CNN, TNT, Cartoon, Warner, um canal de esporte, Telecine, de filmes), a Rocinha passou a ter, por meio da TV Rocinha, um canal comunitário. No canal 21, com programação diária das 8h30 às 19h30, os protagonistas são os moradores da favela e a pauta é determinada pelos seus interesses. “A TV Roc fornece recursos para que a comunidade construa uma identidade própria, e forma sujeitos capazes de avaliar criticamente a cultura dominante, imposta como única pelos meios de comunicação”, diz Dante. Para ele, esta forma de “inclusão visual” só pode ser feita por meio de canais e repertórios próximos aos interesses da comunidade.
O canal comunitário tem programas como o Expresso Rocinha, uma revista eletrônica de notícias locais, ressaltando temas como saúde, educação, cultura, esportes, eventos sociais, mesas-redondas com moradores e convidados; e o Roc Notícias, programa com noticiário, coluna social, denúncias, gravado e editado pelo Jornal Rocinha Notícias. William de Oliveira, presidente da União Pró-Melhoramento dos Moradores da Rocinha, era o William DJ da TV Roc, onde fazia o programa Rocinha na TV, de “denúncia dos problemas da comunidade, mostrando a realidade nua e crua das enchentes, dos esgotos a céu aberto, do lixo, do trânsito caótico”, como relata o site da TV Roc. Há, ainda, cursos para profissões como camareira e garçom, ou de idiomas, como espanhol, com o patrocínio do consulado da Argentina. E dois programas diários de leitura crítica da grande mídia.
A TV com canal comunitário, produzido pela população local. Todos os eventos importantes da Rocinha são cobertos pela TV Roc, que promove debates entre candidatos, quando há eleições para as associações de moradores, leva políticos ao ar, para serem questionados ao vivo pelos moradores, acompanha as atividades da Acadêmicos da Rocinha, a escola de samba da comunidade, veicula informes sobre campanhas de vacinação ou vagas de empregos. “A TV está aberta para qualquer cidadão”, explica Dante. O movimento na recepção da TV Roc, que fica cinco minutos a pé da entrada da Rocinha, é permanente. As pessoas vão procurar documentos, animais de estimação e mesmo parentes que não vêem há décadas. “Como não há Ibope no morro, medimos a repercussão da tevê pelo tempo em que uma notícia demora para circular”, diz Dante. Quatro horas depois de uma senhora fazer um anúncio, procurando a filha de sete anos, toda a comunidade já sabe, garante ele.
O maior desafio do canal comunitário foi encontrar a linguagem apropriada para se comunicar com o morro. O canal chegou a ficar fora do ar por oito meses, em 1998, por conta dessa dificuldade. No início, a programação era feita por profissionais de tevê, de fora da favela. Tinha um conteúdo excelente, relata Dante, mas não tinha a cara da comunidade, não prendia sua atenção, não tinha audiência. Por isso foi desativado. “Então o morador Jorge Amaral (operador de áudio da Globo), veio até a TV Roc com uma nova idéia: trazer alunos de Comunicação de várias instituições de ensino do Rio para trabalhar junto com pessoas de dentro da Rocinha.”
Movimento permanente na recepção da TV Roc Estagiários da Universidade Estácio de Sá e da PUC, entre outros, trabalham hoje na TV Roc. Essa parceria traz, também, uma espécie de inclusão com sinais trocados. Ajuda os futuros profissionais de imprensa a conhecerem a realidade da Rocinha e a formar, assim, comunicadores capazes de disseminar uma imagem afirmativa da favela, inserindo-a de forma mais justa na sociedade, acredita Dante. Outro exemplo de como o potencial da comunidade viablizou a tevê é o da distribuição dos boletos de cobrança das mensalidades. Para fazê-los chegar às mãos dos assinantes, em um lugar onde os endereços às vezes não existem ou onde duas pessoas, cada uma com sua tevê, dividem um mesmo cômodo, foram contratados dois moradores da favela, que conheciam o bairro inteiro. Esses mesmos jovens criaram, depois, a empresa Carteiro Amigo, que hoje conta com cerca de 15 funcionários e é contratada pelo comércio e pelos próprios Correios para distribuir a correspondência e as cobranças na comunidade.
Dos 23 funcionários da TV Roc, 15 são moradores da Rocinha. A criação de postos de trabalho e de um lugar onde os jovens que querem se profissionalizar em Comunicação possam estagiar também são enumerados por Dante como grandes realizações de sua empresa. “Provamos que é possível conciliar a geração de renda com os interesses socioculturais da favela”, diz ele. E conciliar tudo isso com um plano de negócios sustentável. O retorno dos milhões de dólares investidos começou no sexto ano depois da inauguração da tevê.