Abrindo a Caixa Mágica

Projeto de inclusão visual já atingiu 6 mil pessoas em todo o Brasil


Projeto de inclusão visual já atingiu 6 mil pessoas em todo o Brasil 
Lia Calder

Em meados dos anos 90, quatro jovens artistas de João Pessoa decidiram montar uma produtora de imagem voltada ao mercado publicitário. Surgiu então a Agência Ensaio, uma empresa de fotojornalismo que acabou se tornando uma militância cultural. Talvez pelos ideais de seus fundadores, talvez pelo descaso cultural verificado em várias regiões, o fato é que a equipe montou frentes de atuação para fomentar formas de expressão entre os moradores de comunidades de baixa renda, alunos da rede pública e privada.

Nesse movimento, foram fundados o Museu da Imaginação, para abranger obras que não fazem parte de circuito oficial; a Fora-da-Lei Produções, iniciativa que nasceu da crítica à burocracia enfrentada pelos projetos que buscam se encaixar nas leis de incentivo à cultura; o Festival do Lixão, que transforma os produtos descartados no dia-a-dia em arte; o Conspiração Cultural, movimento de discussão sobre política e cultura; e o projeto Caixa Mágica, que percorre todo o Brasil, há nove anos.


Com o intuito de levar uma amostra do universo da produção de imagens àqueles que não têm contato com a fotografia, o Caixa Mágica visita capitais e pequenas comunidades do Ceará ao Rio Grande do Sul. Em um programa multidisciplinar, os instrutores procuram dar elementos para que os participantes decodifiquem não só o processo de construção da imagem, mas de interpretação, contextualização, reflexão sobre seu papel e o efeito desses elementos no trabalho a ser realizado.

A oficina não começa com o dedo no disparador, mas com exercícios sensoriais que desenvolvem a consciência corporal, auto-estima e socialização. Apresentação de outros meios de expressão artística, como música, literatura e poesia, continuam o processo de descoberta do olhar. Finalmente, chegamos à imagem: sua história e técnicas. Metafórica e concretamente, ao longo desse processo, cada integrante vai construindo uma caixa de papelão, que será utilizada como câmera escura para cumprir o prometido pelos instrutores: tirar foto. É a caixa mágica que dá nome ao projeto.

Mire veja

Em Sumé do Cariri, a 310 quilômetros da capital, o estudante Alan de Barros ficou supreso ao se deparar com o subtítulo da oficina — “leitura crítica da imagem” —, realizada em novembro de 2007. Imaginou que o curso seria mais teórico, nos moldes tradicionais. Romualdo Luiz, que é oficineiro há oito anos, considera importante colocar o aluno mais próximo do seu objeto de trabalho. Para o estudante, as atividades desenvolvidas na oficina são essenciais para “aprender a ver, sem olhar”. Faz lembrar, em certa medida, o jagunço Riobaldo, da obra de Guimarães Rosa, que costumava dizer sempre”mire veja”, no relato do Grande Sertão, para provocar uma observação mais aguda do ouvinte.


Para Romualdo, que é jornalista, o mote desse projeto é levar a imagem com seu contexto histórico, técnicas e resultados para comunidades que nunca tiveram contato com a fotografia. “Mágico é fazer com que as pessoas vivenciem o real à sua volta, a imagem é real”. Como as oficinas são abertas a toda a comunidade que recebe a caravana, há participantes de todas as idades — de pré-escolares a avós que deixam de lado o baião-de-dois para descobrir novas atividades. Pelas contas dos coordenadores, 6 mil pessoas já participaram do projeto.

Há três anos, o Caixa conseguiu apoio da prefeitura de João Pessoa para capacitar alunos e professores. Com recurso de organizações da sociedade civil e de instituições ligadas à iniciativa privada, as caravanas seguem mostrando novas possibilidades a milhares de brasileiros. Mesmo quando há algum local sem nenhum tipo de parceria, o Caixa Mágica “vai do jeito que dá”, como explica Ricardo Peixoto, idealizador do projeto.

Atualmente, a Agência Ensaio presta serviços editoriais, de assessoria de imprensa e programação gráfica, cujo retorno é repassado para dar sustentabilidade às ações culturais que desenvolvem.