Múltiplas faces da inclusão digital

Giovanni Moura de Holanda*

Historicamente, as formas de organização social sempre foram marcadas por divisões e grupos estratificados, em conseqüência de fatores políticos, culturais ou econômicos. A posse ou uso das tecnologias tem constituído um fator importante no estabelecimento de diferenças entre grupos, tanto na estrutura interna de uma sociedade como no relacionamento entre povos e culturas. Ferramentas agrícolas, domínio sobre o fogo, técnicas de construção, navegação e geração de energia, enfim, todo o conhecimento científico e tecnológico vigente, em algum momento, foi decisivo na história dos povos. Entretanto, esse saber nunca foi suficiente para remover as barreiras de exclusão ao longo do processo civilizatório.

Com as tecnologias de informação e comunicação (TICs) não tem sido diferente. Pelo contrário, em função do papel que assumem no desenvolvimento econômico e na construção e divulgação do conhecimento, não ter acesso a essas tecnologias representa um entrave ao processo pleno da comunicação e ao desenrolar natural e intrínseco das redes sociais. Em se tratando de sedimentar a sociedade informacional, quanto maior a separação entre o grupo com acesso às tecnologias digitais e aquele alheio a elas, e sobretudo quão extenso é este segundo grupo, maiores são as barreiras ao exercício da cidadania e ao desenvolvimento do bem-estar social.

Se, por um lado, a lógica de produção não pode prescindir desses artefatos tecnológicos, a aceitação e o uso das inovações pelos indivíduos representam o outro lado da moeda igualmente necessário. De fato, o crescimento da importância das TICs se deve em grande medida aos anseios antropológicos pelo conhecimento e pela possibilidade de se comunicar e diminuir distâncias, quer sejam físicas ou psicológicas. Tais fatores encontram nas novas tecnologias uma das expressões da modernidade, que exige produtividade, rapidez e novos modos de comunicação. Por esse ângulo, promover meios efetivos para diminuir o quadro de exclusão digital requer, antes de tudo, que a questão seja pensada sob todos os aspectos que condicionam o acesso e uso apropriado das TICs.

Uma vertente central dessa perspectiva multifacetada é considerar que a disponibilização de equipamentos e conectividade não garante o sucesso de políticas de inclusão digital. Outras barreiras se interpõem entre o indivíduo e as vias de usufruto da sociedade em rede. Por exemplo, os aspectos de acessibilidade e de inteligibilidade. O primeiro ganha relevo, quando o usuário necessita de outras tecnologias para assisti-lo na interação com equipamentos e interfaces digitais. O segundo decorre do fato de que serviços e conteúdos precisam estar em sintonia com o aparato cognitivo e cultural do usuário. Para fazer uso efetivo, o indivíduo precisa se sentir motivado e reconhecer valor naquilo que lhe é ofertado a partir dessas tecnologias.

Portanto, as ações com verdadeiro potencial inclusivo devem refletir esse caráter complexo, cujas facetas da questão formam um todo inextricável. Soluções tecnológicas, conteúdos culturalmente contextualizados, iniciativas e políticas de inclusão digital devem ser concebidos e alinhados tendo-se essa premissa em perspectiva.


* Gerente de planejamento de soluções da Fundação CPqD-Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações.