Cultura

A diversidade pede proteção


Artistas e governo debatem implementação da Convenção da Unesco para preservar a riqueza cultural do país

Carlos Minuano

ARede nº41 outubro de 2008 – Patrimônio da humanidade a ser valorizado e cultivado em benefício de todos. Essa foi a definição de cultura elaborada durante a Convenção para a Proteção e Promoção da Diversidade Cultural da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), ratificada por 90 países e promulgada no Brasil, em agosto de 2007.

O mesmo documento ressalta a necessidade de incorporar a cultura como elemento estratégico das políticas de desenvolvimento nacional e internacional. Ao ser ratificada no Brasil, a convenção da Unesco se tornou um instrumento jurídico que obriga o governo brasileiro a promover e a proteger a diversidade cultural no país. A partir dessa necessidade, o Ministério da Cultura (MinC) criou, por meio da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural (SIDC), uma série de encontros em várias cidades do país.

O mais recente aconteceu em São Paulo, no Seminário Itinerante sobre a Diversidade Cultural, realizado dia 17 de setembro, no Itaú Cultural. O encontro reuniu mais de uma centena de pessoas, entre artistas, produtores e outros profissionais do setor cultural. “Queremos discutir a necessidade de um instrumento jurídico internacional para preservar a diversidade cultural”, disse Giselle Dupin, coordenadora da SIDC, preocupada com o aumento do fluxo entre bens e serviços culturais, permeado pelo desequilíbrio. “O cinema estadunidense representa 80% da produção mundial”, alerta ela.

Para que a cultura não se torne uma commodity, ainda existe muito a ser feito. No caso do Brasil, apesar de suas ricas expressões culturais, na maior parte do país a proteção e a promoção ainda enfrentam sérias dificuldades. Na terra do jongo, da capoeira, do samba, do frevo e de tantas outras artes genuínas, a cultura tem carências de inúmeras naturezas — políticas, espaço, investimentos, infra-estrutura, gestão, formação, difusão, entre outras.

Em 72% dos municípios brasileiros, os órgãos gestores de cultura funcionam em conjunto com outras áreas. Em 12%, o setor é subordinado a outras secretarias. Fechando a conta, temos 84,6% de órgãos gestores não exclusivos de cultura. Os dados são do Suplemento de Cultura da Pesquisa de Informações Básicas Municipais — Munic 2006, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com MinC. O estudo, na 6ª edição, apresenta informações sobre a diversidade cultural e territorial das 5.564 municipalidades do país, sob o olhar do órgão gestor do poder público municipal. Os números sobre equipamentos culturais e meios de comunicação exibem um cenário também não muito otimista. Enquanto as TVs abertas encontram-se em 95% dos municípios, apenas 8,7% destes têm cinema. Centros culturais aparecem em 24,8% das localidades pesquisadas.

Qual tem sido a atuação do governo brasileiro, para melhorar esse quadro? Para Giselle, da Secretaria de Identidade, o país vai bem: “Somos os que mais têm avançado na implementação de uma política cultural”. Até 2010, o governo precisa apresentar um relatório das ações promovidas. As melhores práticas farão parte de um banco de dados da Unesco para troca de experiências entre os países. A idéia é fomentar a diversidade cultural e o desenvolvimento sustentável por meio da interação e da cooperação internacional.

O incentivo à participação da sociedade na construção de políticas culturais também está previsto na convenção. “Temos um bocado a avançar”, afirma o professor José Márcio Barros, diretor do Departamento de Arte e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e organizador do livro Diversidade cultural (Editora Autentica), lançado durante o Seminário, em São Paulo. Ele cita como exemplo do hiato que nos distância da emancipação cultural as atitudes cívicas brasileiras, ainda ligadas à cultura militar: “As comemorações do Dia da Independência deveriam ser transformadas em uma grande festa popular, mas não conseguimos mudar isso e continuamos a ver um desfile de tanques”. Não basta constatar que o país tem uma diversidade cultural, é preciso entender o que é isso, completa o professor.

Para Giselle, é preciso reconhecer que o Brasil está caminhando: “Somos o primeiro país a ter uma secretaria exclusiva para o tema, com o papel de incluir segmentos culturais que nunca receberam atenção”. Entre eles estão os povos indígenas, os ciganos, a cultura popular, e expressões como candango, maracatu, entre outros. Premiações, editais, encontros e seminários estão sendo realizados com esses segmentos. Giselle acrescenta que outras ações de inclusão estão em andamento, voltadas a idosos, crianças, adolescentes, portadores de deficiências, e público ligado à defesa da diversidade sexual. “Estamos iniciando também um diálogo com pescadores tradicionais, em paralelo à ação de uma política”, conta.

Além da questão do desenvolvimento social e inserção de grupos excluídos, a complexidade cultural está ligada à questão ambiental, observa a coordenadora. “Para a preservação do mangue, por exemplo, precisamos olhar e falar com as pessoas que moram nos mangues”. Fortalecendo a cultura local, será preservado o ecossistema. “Os pescadores de siri sabem como proteger o mangue porque vivem dele. O mesmo pode ser feito com as florestas e o cerrado”, conclui Giselle.