A Personalidade do Ano é Carlos A. Afonso, responsável, literalmente, por levar o usuário doméstico para dentro da internet.
Carlos Afonso e Betinho no Ibase, em 1996.
Quem quiser fazer uma pesquisa sobre inclusão digital no Brasil tem que falar com o C. A. Se o tema é internet, especialmente o papel do internauta na cadeia de valor e a governança nacional e mundial da rede das redes, C. A. é fonte obrigatória. Afinal, quem é C. A.? Carlos A. Afonso, engenheiro, economista e cientista social, é um antigo militante de entidades do terceiro setor e toda sua vida profissional está ligada ao desenvolvimento da internet e dos programas de inclusão digital.
Essa militância, que se confunde com a própria história da internet no país, fez com que C. A. fosse escolhido pelo júri do Prêmio ARede 2008 como Personalidade do Ano. Quando ainda nem se falava em internet comercial no Brasil, como lembra Arthur Pereira Nunes, integrante do júri, foi C. A. quem coordenou o “projeto de estratégia da informação da Unced Rio”, dentro da Eco 92, fazendo a interface entre a sociedade civil e a comunidade acadêmica que deu suporte ao primeiro projeto de internet especificamente desenvolvido para uma conferência mundial da ONU. “Mas o mais importante de sua trajetória é sempre ter trabalhado com a tecnologia a favor do social”, diz Pereira Nunes.
Além disso, foi C. A. quem trouxe o usuário final para dentro da internet, relata Demi Getscho, diretor executivo do Nic.br, o braço operacional do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Getscho observa que ele, assim como outros “criadores” da internet brasileira, estavam preocupados com a montagem do backbone da rede acadêmica, enquanto C. A. trabalhava em outro campo, criando, dentro do Instituto Brasileiro de Análises Socias e Econômicas (Ibase), do qual foi co-fundador ao lado de Herbert de Souza, o Betinho, o primeiro provedor privado, o Alternex.
De lá para cá, esse jovem de 63 anos, cabelos brancos e olhar sempre inquieto, participou de cada passo da criação e consolidação da internet no país. De 1995 a 1997, foi representante dos provedores de acesso no Comitê Gestor da Internet (CGI). Retornou ao Comitê Gestor como membro interino, em 2003, quando seus integrantes ainda eram escolhidos pelo governo, e foi eleito em julho de 2004 como um dos conselheiros titulares representando as entidades sem fins de lucro, sendo reeleito em 2007.
Resistência americana
A Rits implantou uma rede comunitária para as comunidades ribeirinhas do rio Tapajós, em 2003.
Como especialista em internet, representou o Brasil em fóruns mundiais de governança da internet, como membro do Conselho da Generic Names Supporting Organization, uma das organizações de apoio da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), de 2003 a 2005. Este ano foi indicado consultor especial do presidente do secretariado do Fórum de Governança da Internet da ONU (IGF), depois de participar como consultor do Conselho Assessor do mesmo órgão.
Apesar da ativa militância, C. A. é cético em relação à governança mundial da internet no que diz respeito à independência da infra-estrutura lógica. Está convencido, depois de anos de pregação em fazer de uma governança pluralista e independente, de que mudanças na ICANN, só as cosméticas. “Os Estados Unidos não vão abrir mão do controle da estrutura lógica”, observa, lembrando que a ICANN, embora entidade não governamental, nasceu vinculada ao Departamento de Estado dos Estados Unidos. No entanto, no que se refere a toda a discussão relativa ao direito de uso da internet, privacidade, propriedade intelectual, cibersegurança e mesmo estrutura de custos de tráfego de dados, há espaço para discussão e para interferência dos diferentes países, avalia C. A.
C. A. é um dos defensores, dentro do CGI, da importância de a Anatel, o órgão regulador brasileiro das telecomunicações, deixar seu papel passivo e iniciar uma discussão para definir um regulamento voltado à garantia da neutralidade da rede. “Provedores de acesso que são também provedores de conteúdo estão fazendo bloqueio ao acesso a conteúdos de vídeo de outras fontes”, observa ele, que constatou em testes a prática discriminatória. “A neutralidade é a essência da democracia da internet. Não podemos aceitar bloqueios e tráfegos privilegiados.”
Inclusão digital
Até porque não há inclusão digital sem acesso à internet, C. A. também tem uma participação importante como formulador de políticas de inclusão digital e implantação de telecentros por meio da Rede de Informações do Terceiro Setor (Rits), entidade da qual é colaborador e diretor desde sua fundação, em 1998. A Rits foi a entidade parceira da Prefeitura de São Paulo na implantação de seus primeiros telecentros, na gestão Marta Suplicy, e da rede de telecentros da Petrobras, entre outros projetos importantes.
Embora reconheça que muito se caminhou no país em termos de inclusão digital a partir do governo Lula, C. A. reclama da falta de um projeto integrado de longo prazo. “Apesar das tentativas de coordenação, os ministérios agem muito isoladamente. Temos os telecentros deste, os telecentros daquele, os pontos de cultura, as redes estaduais, as municipais. Agora vêm as cidades digitais, programa do Ministério das Comunicações”, observa ele, defendendo a necessidade de acelerar a construção de um plano nacional de inclusão digital. “Temo que 2010 termine, sem termos esse plano.”