Entrevista | Juarez Tadeu de Paula Xavier -Comunicação radical









O professor Juarez Tadeu de Paula Xavier, que coordena o Laboratório de Mídias Radicais,na Unicid, prepara os alunos para trabalhar com mídias radicais. Saiba o que é isso na entrevista da edição deste mês.

Comunicação radical

Laboratório inovador prepara alunos para trabalhar com mídias que transformam as realidades sociais. Áurea Lopes

Em uma universidade particular, na Zona Leste de São Paulo, o curso de Comunicação Social já incorpora as novas tendências da sociedade em rede. Criado em 2008, o Laboratório de Mídias Radicais, que faz parte da proposta pedagógica do curso, prepara os alunos para trabalhar com mídias que – a despeito da pressão da indústria convencional da informação e da produção cultural, e em menos tempo do que se imagina – vão ser os principais meios de difusão de conhecimento e arte. Nesta entrevista, o coordenador do curso, professor Juarez Tadeu de Paula Xavier, conta de que forma é possível estudar mecanismos de comunicação por meio do estudo de uma escola de samba, por exemplo.

O que são as mídias radicais?
Juarez Tadeu de Paula Xavier – As mídias radicais promovem a ação mais inovadora no campo da comunicação social contemporânea. Eu trabalho com esse conceito desde 2001, na Universidade de Piracicaba. A gente tinha um grupo que tentava entender as características daquilo que se chama mídia popular. Nesse período, começamos a estudar um pesquisador estadunidense chamado John Downing, que apresenta a seguinte ideia: o que distingue a mídia convencional da mídia radical é a forma da abordagem, na luta contra o status quo. Então, passamos a trabalhar nessa linha. A gente fez, por exemplo, um mapeamento dos bares em Piracicaba (SP) e sua ação de comunicação na época da ditadura. Observamos de que forma as informações circulavam na cidade, nessa época. Isso já foi uma experimentação prática do conceito de mídia radical.

O que é o Laboratório de Mídias Radicais?
Juarez  – O laboratório é parte do curso de Comunicação Social da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid). Eu entrei para a Unicid em 2004 e, em 2005, assumi o curso de Comunicação Social. Nosso desafio era desenvolver a pesquisa. Em 2007, surgiu essa possibilidade e montamos um grupo com bolsistas do CNPq. Tínhamos a preocupação de juntar ensino, pesquisa e extensão. E achamos que o mais interessante para isso seria a arquitetura de laboratório — o que tem sido muito comum nas universidades, pois permite uma observação mais qualificada, mais centrada. Assim, criamos o Laboratório de Observação de Mídia Radical, com três linhas de pesquisas: mídia radical; economia criativa, que trata dos arranjos econômicos produzidos por pequenas comunidades na produção de atividades culturais; e opinião pública para consumo de bens culturais em mídia digital. Participam das atividades do laboratório professores, alunos bolsistas, alunos voluntários e alunos agregados temporariamente, de acordo com a necessidade dos grupos.

Faz parte do programa curricular do curso de Comunicação?
Juarez  – Sim. E foi importante trazer para a grade pedagógica a discussão sobre mídias radicais. Os projetos de investigação de mídia radical acontecem dentro do curso. Os alunos precisam ter um projeto, que faz parte do exercício do laboratório. Por exemplo: os meninos do curso de designer gráfico discutem cultura de rua, grafite, pichação, qual o papel dessas intervenções urbanas na reorganização do espaço social. Os de comunicação e marketing discutem mídias digitais e redes sociais na organização da comunicação interna e externa. E muitas vezes os projetos são interdisciplinares. Recentemente, fizemos uma revista eletrônica sobre mídias radicais com as turmas de criação e produção gráfica e alguns alunos de produção publicitária.

Quais são objetos de estudo do laboratório?
Juarez  – Decidimos experimentar o conceito de mídia radical em vários espaço possíveis. Fizemos um seminário para trabalhar com isso. Nós temos estudado, por exemplo, o vestuário. As roupas dos meninos do hip hop têm um discurso. Estudamos grafite e pichação, pois temos muitos alunos grafiteiros e fizemos uma parceria com um grupo muito fecundo chamado Objetos Pichados não Identificados (OPNI), do bairro paulistano de São Mateus. Temos estudado bottom, fanzine, cabelo black power, banda de garagem — um grande fenômeno, hoje, na Zona Leste. Nosso propósito é observar o quanto essas mídias vão contra o status quo. Algumas pessoas dizem… ah, mas vocês não estão fazendo um discurso positivo sobre pichação? Não, não estamos discutindo isso. O que nos interessa é o seguinte: por que existem pichações, por que os pichadores picham. Há um fenômeno social, que independe da minha vontade subjetiva, e nossa ideia é entender por que isso acontece.

Os alunos deste ano estão desenvolvendo um projeto com uma escola de samba. Como está sendo isso?
Juarez  – Nós quisemos reunir, no mesmo espaço, a reflexão e a observação científica. Juntamos as três linhas de pesquisa – mídia radical, economia criativa e opinião pública para consumo – num espaço que é uma escola de samba da região, Flor da Vila Dalila. Por que a escola de samba? Porque uma escola de samba está dentro de um contexto de mídia radical, quando você pensa os mecanismos de comunicação interna com a comunidade, os mecanismos de comunicação global. Nosso objetivo não é a escola em si, mas os mecanismos de mídia radial, economia criativa e consumo de bens culturais móveis no universo da escola de samba. A escola tem a economia criativa muito forte, e tem a possibilidade de consumo cultural de plataformas móveis, no nosso caso específico, celular. Uma das atividades de trabalho do primeiro semestre foi montar, de fato, uma escola, desfilar na universidade. Os meninos saíram pelos corredores tocando e sambando, vieram o mestre-sala e a porta-bandeira da Vila Dalila.

Qual é a metodologia desse estudo de mídia radical?

Juarez  – Criamos três ferramentas de trabalho. A primeira foi uma pesquisa etnográfica com  todos os alunos do curso de comunicação social. Um dado observado nessa pesquisa é que os alunos consomem mais bens culturais digitais que impressos. Nosso objetivo era testar a ferramenta de pesquisa, mas também conhecer o aluno para pensar o processo pedagógico. A segunda ferramenta foi a rede de comunicação social. Montamos um blog, que tem sido alimentado com material nosso e de mídia externa. Postamos tudo o que tem a ver com nosso objeto de estudo: uso do Twitter no Irã, blog da Petrobras… isso nos interessa, então a gente põe lá no blog, além das nossas produções. Na Semana de Comunicação, nós fizemos um vídeo com celular, pusemos no YouTube, montamos uma comunidade no Twitter… então, nós experimentamos as diversas redes sociais. E o terceiro aspecto – o mais difícil para o trabalho de campo – era preparar o nosso grupo de alunos, professores e funcionários. Eu tenho uma interface com escola de samba, que frequento há mais de 30 anos, a Vai-Vai, mas os meninos não têm. Então, para quebrar alguma visão pré-concebida, que pode interferir nos resultados do trabalho, para pensar melhor ferramentas de abordagem, fizemos discussões, seminários, eles apresentaram um trabalho na Semana de Iniciação Científica da universidade.

No segundo semestre, vamos para o trabalho de campo, o que nós chamamos de laboratório expandido. Os meninos de comunicação e marketing: queremos que eles entendam como a escola de samba faz comunicação e marketing, quais são as pessoas, os processos envolvidos, os recursos. Os meninos de design gráfico, queremos que eles entendam a plástica da escola de samba e a função disso. E assim por diante…

De que forma as novas tecnologias da comunicação impactam as mídias radicais?

Juarez  – A revolução tecnológica coloca à disposição da sociedade e dos movimentos sociais instrumentos de produção de informação que têm capacidade de intervenção social. O chassi da infraestrutura tecnológica permite produzir informação e comunicação que se espalham pelo universo online. Para compreender melhor isso, vejamos o pensamento de Milton Santos, que tem uma visão muito sofisticada da globalização. Ele coloca a globJuarez Tadeu de Paula Xavier alização em dimensões que ele denomina de: familiaridade tecnológica, motor único, convergência de momento e cognicidade do planeta. As tecnologias nos permitem isso, conhecer melhor o planeta. Por exemplo, o Google Earth permite fazer uma leitura macroambiental que antes era impossível. Essa tecnologia, no contexto social de transformação social, de valorização dos direitos humanos, da cidadania, ajuda muito a compreender e até a modificar esse cenário.

Vocês têm algum trabalho em relação ao software livre?
Juarez  – Temos um professor do curso de Redes que é especialista em plataforma Linux e nos trouxe um universo novo. Ele já fez dois seminários com nossos meninos. Nós achávamos que o software livre tinha limitações operacionais. Mas ele nos fez repensar isso e já entramos em contato com a reitoria para fazer a transição do curso. Vamos adotar o software livre. Porque acontece o seguinte: o aluno entra aqui no laboratório e usa o pacote Adobe, por exemplo. Chegando em casa, o que ele faz? Ele não tem esse programa. Nossa ideia é dar para o aluno um CD com os programas que nós usamos no curso, para ele instalar em casa. Com o software livre, é possível fazer isso. Com os sistemas proprietários, não. A gente também fez uma reflexão sobre como o mercado enxerga essa questão do software livre, se o mercado aceita etc. Chegamos à conclusão de que é melhor você ter um aluno que tem esse material à sua disposição do que um aluno que só entra em contato com um software uma vez por semana.

Como o contato com a mídia radical se reflete na formação dos comunicadores atuais?
Juarez – Até dois anos atrás, nós tínhamos alunos muito formados pela mídia tradicional. Hoje, não mais. A grande questão é fazer com que eles compreendam, por exemplo, que o celular não é meramente um celular, mas uma plataforma de trabalho… é difícil eles compreenderem isso. Mas depois o trabalho fica fácil porque eles conhecem a linguagem. Uma grande parte tem blog, tem site, o que não é uma coisa comum nos outros cursos. Mais de 90% tem celular, acesso a rede social de comunicação. Todos os alunos de jornalismo fizeram blog, migraram para o You Tube, o que é fantástico, o aluno chega em casa e mostra o que fez… então, essa atividade eles levam para a gestão ou pessoal ou profissional. Além disso, nos anos 1970 e 1980, o aluno de jornalismo tinha uma interface muito grande com a política. Hoje você não tem propriamente isso, mas pode levar os alunos a uma experiência de laboratório vivo que os ajude a compreender essa dinâmica social e o papel da comunicação nesse espaço social. São oportunidades de os alunos entrarem em contato com elementos que eles não veriam em uma sala de aula. Por exemplo: tínhamos um grupo de alunos muito conservadores, homofóbicos. Então passou a fazer parte das atividades do curso participar da Parada do Orgulho Gay. Eles vão, tiram fotos, registram. Nós achamos que isso contribui para que eles compreendam melhor a realidade social, os novos atores sociais.

Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, Juarez Tadeu de Paula Xavier é professor da Universidade Cidade de São Paulo (unicd). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo Especializado (Comunitário, Rural, Empresarial, Científico), atuando principalmente nos seguintes temas: afrodescendentes, racismo, etnocídio, fundamentos do jornalismo, esfera pública, cidadania e esfera política. Promove consultoria em gestão de projetos culturais.