Na escola

A ordem, agora, é aprender a aprender

Congresso internacional propõe uma educação inovadora, para aproximar os jovens do ambiente escolar.                  
ÁUREA LOPES*  

ARede nº54 dezembro/2009 – O Brasil não faz feio frente a outros países, em matéria de uso educacional das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Experiências das mais atuais estão acontecendo dentro das salas de aula brasileiras, há programas para equipar escolas com laboratórios de informática e alunos com
notebooks, e as políticas públicas – embora não na velocidade desejada – caminham para
universalizar a conexão, como informou Carlos Eduardo Bielschowsky, secretário de Educação a Distância do Ministério da Educação, na abertura do 5º Congresso Internacional Educarede, realizado em Madri, na Espanha, de 25 a 28 de novembro.

Mas aqui enfrentamos os mesmos desafios e problemas de outros países – como o despreparo dos professores para usar uma ferramenta de compartilhamento de conteúdos digitais ou a dificuldade em romper estruturas acadêmicas burocráticas, que impedem a incorporação das TICs às práticas pedagógicas cotidianas.
Esse diagnóstico ficou muito claro ao término do Congresso, que reuniu 2 mil pessoas nas palestras presenciais e cerca de 13 mil em um ambiente virtual, durante os seis meses que antecederam o encontro de Madri. Participaram do encontro os países integrantes do EducaRede (Argentina, Brasil, Espanha, México, Peru, Venezuela), além de visitantes de outras nacionalidades. Entre os principais destaques dos debates, a necessidade de reformar o modelo de educação foi unanimidade.

“Estamos em uma época de transição”, alertou o sociólogo Manuel Castells Oliván, diretor do
Instituto Interdisciplinar de Internet. “A escola parou no tempo, enquanto acontecem mudanças rápidas e profundas nas tecnologias. Está havendo uma brecha digital entre as gerações de alunos e de professores. Isso nos leva a repensar a escola, o papel do professor. De agora em diante, o importante é aprender a aprender.”

Palestrante do Congresso, Roseli de Deus Lopes, professora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), observou que especialistas de diversos países apontaram a falta de espaço no ambiente escolar para que os professores desenvolvam projetos e atividades que utilizem as novas
tecnologias. “Não há estímulo à criatividade”, disse a professora. “O professor precisa ter liberdade para contextualizar os conteúdos de acordo com a realidade de seus alunos. E a tecnologia vai facilitar essa contextualização.”

Outro tema que apareceu nas realidades de todos os países participantes do evento foi a insatisfação crescente dos jovens com a escola. A falta de interesse, avaliaram os educadores, se deve em grande parte ao atraso das instituições de ensino em relação às novas tecnologias.

Barreira burocrática
Castells sintetizou, em sua fala de encerramento: “O jovem tem hoje uma vida digital intensa, que permeia os seus compromissos, os seus relacionamentos. Ele não vive mais sem internet, celular, o equipamento de ouvir música. E tem que deixar tudo isso pendurado, na porta da escola, para poder entrar na sala de aula. Quando sai, ele volta à sua vida normal. A escola precisa recuperar urgentemente esse prejuízo. Em algumas escolas, são tantas as barreiras burocráticas para o uso da internet, por exemplo, que o professor precisa ser um militante digital para conseguir dar um passo adiante”.

Como mudar esse quadro? Quatro condições fundamentais para uma educação inovadora foram listadas por Álvaro Marchesi Ullastres, secretário-geral da Organização dos Estados Iberoamericanos para a Educação (OEI): flexibilidade para os currículos, estrutura de apoio à tecnologia, formação docente e valorização da realidade cultural dos alunos. “O professor inovador precisa ser identificado e reconhecido”, ponderou Ullastres. “A escola deve estimular aqueles tomam iniciativas inovadoras.

Para começar, o professor deve ter tempo para se dedicar aos projetos, um tempo dentro da sua jornada de trabalho e não uma atividade extra. Ele também precisa se integrar com outros docentes, que estejam criando coisas novas. Só assim se estabelece uma dinâmica inovadora. Tudo isso precisa da estrutura da tecnologia, para se viabilizar, para crescer, para agregar participações e
cultivar a diversidade.” A primeira e maior necessidade é garantir conectividade, advertiu o professor Mariano Segura Escobar, diretor do Fórum de Experiências Pedagógicas da Fundação Encontro, uma ONG espanhola: “Os professores e os alunos vão ter computadores, de um jeito ou de outro, na escola, em casa, nos centros de acesso públicos. O mais importante – e essa tarefa cabe ao governo – é a conexão para acesso à internet.” Escobar também defendeu uma formação em TICs específica para docentes. Assim como um dentista faz uma especialização, explicou, os professores deviam ter uma formação complementar no uso de redes sociais, por exemplo.

Notebooks em punho, internet conectada, ainda há uma grande ponte a atravessar. O professor precisa saber como usar os recursos da tecnologia para atingir seus objetivos educacionais. No congresso, a falta de conhecimento dos professores sobre como utilizar as TICs foi um dos temas mais discutidos. Na opinião do professor Antonio Rodriguez de las Heras, diretor do Instituto de Cultura e Tecnologia da Universidade Carlos III, na Espanha, não há inovação educacional sem transformação profunda no pensamento dos educadores. O professor, diz ele, deve ter desprendimento do que aprendeu e fez, para enxergar e avaliar as inovações: “Não adianta dar a ele equipamentos ou ensinar aplicativos. O professor precisa, antes de adotar um novo
recurso, se questionar: para quê quero essa tecnologia? Essa tecnologia pode me levar aonde pretendo chegar? Para responder essas perguntas, ele deve antes de tudo saber onde quer chegar.” Só assim, de acordo com Rodriguez, o professor vai se motivar e se empenhar na apropriação das TICs.

Novidade
Também foi lançada, no Congresso, a nova versão do site EducaRede, mantido pela Fundação Telefônica. “Agora temos um portal global, que integra os conteúdos dos oito países participantes, afirmou Sérgio Mindlin, presidente da Fundação Telefônica no Brasil. Os professores, os estudantes e os pais poderão ter acesso a práticas bem-sucedidas em outros países, conectados em uma grande rede educacional”.

O novo portal terá projetos bilíngues, registro unificado de usuários, tradutor automático e versão de conteúdos para celular, entre outras novidades que serão implantadas gradativamente. Gabriella Bighetti, gerente de projetos da Fundação no Brasil, conta que o novo EducaRede fará reconhecimento de IP. “Quando um usuário brasileiro entrar na home, o sistema vai reconhecer o endereço e abrir automaticamente a versão do portal para o Brasil. Com essa interface customizada, será muito fácil consultar conteúdos de outros países”.

* Áurea Lopes participou do 5º Congresso Internacional Educarede, na Espanha, a convite da Fundação Telefônica.