As eleições de 2010 serão as primeiras, no Brasil, em que a internet terá um peso relevante
Patrícia Cornils*
ARede nº51, setembro 2009 –Barack Obama: esta parece ser a palavra-de-ordem, a chave, o exemplo e o modelo a seguir para políticos brasileiros quando o assunto é campanha na internet. Obama teria ganho a eleição graças à sua presença ativa na internet. Mal informados, os marqueteiros políticos esquecem que Obama apenas surfou uma onda gigantesca produzida por um movimento popular de internautas indignados, o MoveOn, que teve início em 1998 (ver pág. 13).
No Brasil, a recente aprovação de uma regulamentação para o uso da internet na campanha de 2010 pode ser uma excelente oportunidade para que os internautas brasileiros – tanto candidatos como eleitores – comecem a remar para além da arrebentação e construam uma onda parecida por aqui.
“A internet tem dois méritos: mobiliza a sociedade de uma forma interativa, que em época de eleição deve ser turbinada, não intimidada; e está criando uma nova sociedade civil mundial”, ponderou, sabiamente, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Ayres Britto, antes mesmo da aprovação da lei que vai reger as eleições de 2010, sancionada pelo presidente Lula a 29 de setembro (ver box à pág. 14). A lei, cirurgicamente vetada por Lula, libera o uso, na campanha, de redes sociais, blogs e sites e permite até as doações online. Ayres Britto, em seu comentário, observou que a internet não pode ser regulada: “A imprensa regula o Estado e a internet se contrapõe à própria versão da imprensa sobre as coisas. A internet é o espaço da liberdade absoluta, para além da liberdade de imprensa”.
Foi justamente em defesa dessa liberdade, que está de fato para além da liberdade de imprensa, que o presidente da República fez sua pequena cirurgia na lei aprovada pelo Congresso Nacional: ele vetou o dispositivo que proibia a realização de debates em áudio e vídeo na internet com menos de dois terços dos candidatos. Esta é a regra válida, hoje, para a mídia tradicional – rádios e TVs. Ao impedir seu transplante para a internet, o governo reconheceu a diferença entre um meio onde há milhões de produtores de informação e os demais meios de comunicação, nos quais existe um único emissor para milhões de receptores, e deixou claro que define a internet como um território para a manifestação do pensamento. A decisão não tem implicações apenas para o uso da internet nas eleições – é também uma resposta contundente a tentativas de patrulhar a internet, como o Projeto Azeredo, atualmente parado na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara.
Isto posto, as eleições de 2010 serão as primeiras, no Brasil, em que a internet terá um peso importante, muito maior do que nas eleições de 2006, quando o número de brasileiros com acesso à rede era insignificante, e de 2008, quando uma resolução do TSE restringiu o uso da internet na campanha eleitoral. Se as pesquisas variam e carecem de precisão, tampouco estão muito longe da verdade: ninguém nega que o número de internautas cresceu substancialmente no país. De acordo com o Ibope Net Ratings, o número de internautas brasileiros quase dobrou: seriam, hoje, 29 milhões de usuários domésticos, comparados com 14,4 milhões no final de 2006. Somando usuários domésticos e no trabalho, o Ibope Net Ratings estima em 46,7 milhões o número de brasileiros que têm acesso à rede.
Suélia Souza Pereira:eu acho isso bacana pq
a inter eh um meio de comunicaçãoe muita gnte usa p/saber
pq estah acontecendo no mundo.
a gente naum o habito de sair p/ comprar jornais e revistas.
usa a inter.
Anna Luiza:jovens acessam + a inter.
eh + legal q ver horario politico.
Já a pesquisa TIC Domicílios, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, afirma que 38% dos brasileiros acessam a internet pelo menos uma vez a cada três meses – em 2006, esse porcentual era de 27,8%. Para o Comitê Gestor, o Brasil tinha, no final de 2008, 54 milhões de usuários de internet. E a pesquisa da Ipsos Marplan garante que a internet é o meio de comunicação que mais cresce no Brasil: entre 2001 e 2008, sua penetração saltou de cerca de 15% para quase 40% da população com mais de dez anos de idade – ou seja, o público da internet é substancialmente diferente do público da TV e do rádio, porque é composto sobretudo por jovens. Ainda de acordo com a Ipsos Marplan, mais de 60% dos brasileiros de dez a 24 anos estão online.
Apesar disso, a internet brasileira ainda tem um público pequeno, se comparado ao universo de 131 milhões de eleitores. E além disso, o acesso à rede também reflete as desigualdades econômicas e sociais do Brasil. Dos 31,2% de domicílios brasileiros que têm computador (17,95 milhões deles), mais da metade (10 milhões) estão no Sudeste do país e somente 23,8% das residências brasileiras têm computadores com acesso à internet, como revelou em setembro a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Gabriel Silva Martinez: eh uma boa oportunidade p/os candidatos mostrarem seus projetos, pq na tv eles tem poko tempo. e tbm pq podem mostrar seu lado pessoal. se a gnte tem uma ideia + proxima das pessoas, podermos identifica-las melhor.
Márcia da Silva Martinello: os candidatos podem divulgar propostas p/pessoas q naum podem acompanhar TV. e na inter dah p/colocar + info do q nos programas de radio e TV.
ÉTICA E DINHEIRO
Nas eleições de 2006 – última eleição presidencial onde a ausência de regulamentação sobre o uso da internet proporcionou uma enorme liberdade para candidatos, militantes e eleitores – e de 2008, a campanha eleitoral online limitava-se basicamente às páginas criadas pelos candidatos especificamente para o período eleitoral. Agora, vale tudo: dos sites oficiais de partidos e candidatos às campanhas de base via Twitter, passando pelos debates nas redes sociais e muitas outras possibilidades que eleitores e candidatos saberão inventar. Por isso, os desafios também são maiores, tanto do ponto de vista do bom aproveitamento dos recursos existentes como do ponto de vista da honestidade no uso desses recursos.
“Entendo que os candidatos e eleitores devem comportar-se do mesmo modo na internet e fora dela, com ética e respeito”, pondera Omar Kaminski, advogado especializado em tecnologia, diretor de internet do Instituto Brasileiro de Direito na Internet (IBDI). “As eleições de 2010 serão uma verdadeira prova de fogo e vão demonstrar nosso nível de maturidade com relação às novas tecnologias da informação.” Os limites éticos, porém, não impedem o efeito mais importante da presença da internet nas eleições: seu uso democratiza a disputa eleitoral, como explica Emerson Luis, profissional de comunicação e publicitário. “A rede ajuda a combater as distorções econômicas de uma campanha”, diz ele. De fato, é preciso muito dinheiro para fazer uma campanha tradicional, incluindo vídeos para TV, spots de rádio, panfletos, santinhos. A necessidade de dinheiro impede a concorrência leal de candidatos sem recursos e com boas idéias.
Na internet, porém, a coisa muda de figura. “Com inteligência e poucos recursos, usando ferramentas e software livre, com boa arquitetura de site e alguns profissionais conhecedores de comunicação, redes sociais e infraestrutura de tecnologia, os candidatos competem de igual para igual”, explica Luis, que foi responsável pela campanha de Lula na internet em 2006. Ele e João Cassino, jornalista especializado em novas tecnologias, são os autores das dicas para usar a internet nas eleições, publicadas nesta edição (ver páginas 16 e 18).
“Na rede, o dinheiro é importante, mas não é necessariamente um limitador, como é na TV, por exemplo, e isto muda completamente sua natureza como veículo de comunicação”, confirma o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, em São Paulo, e estudioso das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). É por isso que a rede contribui para difundir pontos de vista alternativos aos da mídia tradicional – por conta da diversidade de autores na rede e da independência dos blogs com relação a grandes anunciantes e institutos de pesquisa, geralmente contratados por um candidato ou seus apoiadores.
MAIS TRANSPARÊNCIA
As diferenças entre a internet e os meios tradicionais não são somente de forma. O debate na rede tende a ser mais qualificado, por conta da possibilidade de checar informações e contestá-las, já que o número de fontes disponíveis é maior. Se um candidato diz que foi autor de um determinado projeto de lei relevante, é muito fácil verificar essa informação no site do Congresso Nacional, por exemplo. “Esta possibilidade vai obrigar os candidatos a aumentar a transparência de suas campanhas”, acredita Martha Gabriel, professora da Universidade Anhembi Morumbi, do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac-SP) e da Escola de Belas Artes, em São Paulo. Estudiosa de marketing e internet, Martha não acha proveitoso “criar uma carapaça de aparência na internet, porque ali não há uma única fonte que diz o que é certo ou errado”: “O público pode investigar se a estrada mostrada na propaganda foi concluída ou se as contas de um mandato foram aprovadas pelo Tribunal de Contas”. Por isso, ao decidir usar a rede, o candidato deve saber expor claramente suas ideias, ter um discurso coerente com sua história política e estar preparado para um contato mais direto com o público, avalia a especialista.
Valmir José dos Santos: a inter eh bacana pq as infos ficam lah o tempo todo e a gnte pode ver a qq hora, conferir se os politicos estaum fzndo
o q prometeram.
Bárbara Cardoso de Amorim: se fosse candidata, divulgaria minha vida pessoal p/mostrar como sou realmente. eh um jeito de mostrar naum soh o candidato na eleicao, mas como ele eh sempre.
A transparência que a internet impõe não se restringe às campanhas. A lei aprovada em setembro estende ao território da disputa eleitoral mudanças já iniciadas na relação do poder público com os cidadãos. Moriael Paiva, presidente da Talk Interactive, agência de marketing político focada em ferramentas da rede, observa que o papel mais importante da internet não se vê durante a campanha, mas sim durante o mandato dos eleitos, porque a rede permite mais interação do cidadão com o político. “A internet tem que ter a capacidade de mobilizar: a campanha ‘Fora Sarney!’, no Twitter, é um exemplo claro e que, em poucos minutos, tornou-se um dos assuntos mais comentados no mundo”, lembra. Paiva atua em campanhas políticas, dando assessoria de comunicação na rede, desde 1994, quando participou da elaboração do primeiro site de campanha do então candidato à presidência pelo PSDB, Fernando Henrique Cardoso.
Além da determinação de publicação das contas públicas na internet, aprovada este ano pelo Congresso, e do crescimento de serviços de e-gov, há muitas outras possibilidades criadas na rede para democratizar a relação entre governos e cidadãos. Um exemplo disso é o Transparência Hackday, uma maratona de desenvolvimento de aplicativos organizada pela Esfera, empresa de comunicação, política e novas tecnologias. A maratona Hackday reuniu, no início de outubro, desenvolvedores, gestores públicos e profissionais de comunicação para desenvolver aplicações que utilizem informações governamentais e dados públicos.
Um dos desafios propostos: como descobrir se as mesmas empresas que doam recursos para campanhas eleitorais são, depois da eleição, as destinatárias de recursos do governo? “A ideia é que a maratona gere reflexões sobre quais os melhores formatos tecnológicos e conceituais de publicação de dados e informações por parte dos governos e também indique caminhos para a sociedade civil participar mais ativamente dos processos políticos”, explica Daniela Silva, da Esfera. Em 2010, haverá dados assim na internet, para auxiliar os eleitores a fazerem as melhores escolhas. É dos eleitores, portanto, a responsabilidade por não se deixar enganar.
Os posts que ilustram esta reportagem são resultado de entrevistas com alunos da ETEC Parque da Juventude e foram escritos em “internetês” pela redação.