Desde 1993, Belo Horizonte tem um Orçamento Participativo, que há três anos existe também em versão digital.
Patrícia Cornils
ARede nº52,outubro 2009 – Quem mora em Belo Horizonte e tem um título de eleitor pode escolher se um viaduto vai substituir o cruzamento mais complicado de seu bairro ou se uma avenida nova rasgará a praça na esquina de casa. Desde 1993, a cidade adotou a política do orçamento participativo, o OP – ou seja, a cada dois anos, os cidadãos deliberam diretamente sobre cerca de 14% do orçamento total da cidade, que é destinado às obras públicas. A consulta popular realiza-se por meio de um complexo sistema de reuniões presenciais, cuja abrangência foi expandida em 2006 para permitir o acesso à votação pela internet – o OP Digital, dentro do site da Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Informação.
“Foi a primeira experiência brasileira no uso da internet como instrumento deliberativo para definir o orçamento público”, afirma Ana Luiza Palhano, secretária-adjunta de Planejamento. Em agosto deste ano, o OP Digital ganhou um site exclusivo, onde, além de votar, o eleitor também pode acompanhar a execução das obras selecionadas e a história do próprio OP e de sua versão digital. Não era para menos. As experiências de 2006 e de 2008 com a participação digital foram muito bem sucedidas. Em 2008, 113 mil pessoas votaram no OP Digital, o que pode parecer pouco, em uma cidade com 2,4 milhões de habitantes. Mas esse número representa quase 9% da base eleitoral da capital mineira e, além disso, é quase o dobro dos 44 mil cidadãos que participaram das reuniões presenciais – aliás, um recorde histórico desde 1993.
É verdade que houve mais participantes no OP Digital de 2006, quando 207 mil belo-horizontinos acessaram o site e 172 mil deles votaram para selecionar obras em todas as nove regiões administrativas de Belo Horizonte (oito delas foram aprovadas e executadas). Os acessos
vieram de 68 países diferentes, mas o fato é que pelo menos 80% da população de Belo Horizonte
reside a, no máximo, 500 metros de uma das mais de mil obras executadas com recursos da OP. Das 1.290 obras aprovadas pelos cidadãos desde 2006, 78% foram concluídas e a maioria das 276 em andamento refere-se aos ciclos de 2007/2008 e 2009/2010, os mais recentes.
Para garantir a participação em 2006, ano do primeiro OP Digital, a prefeitura abriu à população 152 telecentros públicos e comunitários, além de laboratórios das escolas municipais. Já em 2008, foram colocadas em votação apenas cinco grandes obras viárias (apenas uma deveria ser escolhida), de caráter distinto das votadas no ciclo de 2006. “Eram obras estruturantes, com impacto sobre o tráfego de toda a cidade”, explica Ana Luiza, da Secretaria. A obra escolhida em 2008 foi a Praça São Vicente, com anel rodoviário, que obteve 45,5% dos votos por internet e 54,91% dos votos por telefone, alternativa que não existia em 2006.
Por que o número absoluto de votos online foi menor, se era uma obra com maior impacto sobre a vida da cidade? Para Ana Luiza, isso aconteceu por dois motivos. Primeiro, o prazo de votação em 2008 foi de apenas 27 dias, comparados aos 47 de 2006. Segundo, é mais difícil para a população avaliar o impacto de obras estruturantes do que o de obras locais.
Os movimentos populares e os habitantes mais pobres são maioria no processo presencial, até porque necessitam mais de serviços públicos. Assim, cada uma das etapas de elaboração do orçamento ainda envolve uma série de reuniões presenciais. Na abertura, a prefeitura convida moradores, participantes da Comissão Regional de Acompanhamento e Fiscalização do Orçamento Participativo (Comforça), conselheiros da assistência social, da saúde, das comissões de transporte e das associações para iniciar a mobilização e anunciar os recursos disponíveis. Depois vêm as rodadas em que se conhecem as regras para a participação e em que a comunidade discute, nas nove regiões administrativas da cidade, as obras a serem priorizadas. Em seguida, há a caravana das prioridades, em que os delegados eleitos recebem, em planilhas, os custos de cada empreendimento e podem visitar os locais das obras pré-selecionadas. Então, em fóruns regionais, os delegados discutem e selecionam 14 obras por região municipal e elegem os participantes da Comforça, cuja função é acompanhar o escopo, o projeto e a execução das obras aprovadas.
Já o OP Digital foi criado para ampliar a participação da classe média e da juventude, que não querem ou não podem investir seu tempo no debate presencial. Além disso, explica Aurenir Pereira da Silva, participante da Comforça da região Centro-Sul de Belo Horizonte, obras com orçamento maior, além do limite que pode ser aprovado regionalmente, vão para a votação no OP Digital. “São obras cujo impacto atinge mais de uma região”, explica Aurenir. Outra função das ferramentas não presenciais é ampliar a transparência do OP, porque sua credibilidade junto à população é fundamental para realimentá-lo. E um dos componentes desta credibilidade é a transparência: o cidadão precisa saber como o processo funciona, ter acesso aos dados das obras aprovadas e seu andamento, saber quais são as opções em votação para o próximo ciclo orçamentário. Foi justamente para dar maior visibilidade a isso que a prefeitura decidiu criar o site exclusivo para o OP. Ali, publicam-se também as notícias do andamento das obras.
“A democracia participativa é um tema caro à prefeitura de Belo Horizonte desde 1993 e o OP é talvez a mais importante dessas instâncias”, pondera Ana Luiza, lembrando que essa opção implica a construção de espaços de participação popular como os descritos acima. Mas, para que o uso dessa ferramenta seja significativo, diz ela, é importante que os cidadãos percebam que sua participação tem influência real na tomada de decisões. Além disso, o OP Digital – assim como o resto do OP – tem que estar vinculado estreitamente ao planejamento estratégico da cidade.