Educar para a sociedade em rede
Quase 2.000 pessoas cooperam online para DESENVOLVER um novo jeito de aprender VERA FRANCO
ARede nº53 novembro 2009 – A Escola Estadual de Educação Fundamental Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva está em uma das zonas mais violentas de Porto Alegre (RS) – e, dentro da escola, a turma 53 era considerada a mais “complicada”. Mas isso não assustou a professora Eloísa Menezes Pereira, que leciona Português para a quinta série, e ela desafiou os alunos: que tal escrever um livro sobre os cinco sentidos do corpo humano?
O resultado foi nada menos que o primeiro e-book brasileiro, Brincando com os sentidos, também o primeiro livro do projeto “Faça um e-book na escola”, que está disponível desde maio no site da Editora Plus. Outro resultado expressivo foi a mudança do comportamento das crianças, visível à medida em que produziam os textos.
O projeto “Faça um e-book na escola” dá nome a um dos 19 grupos de trabalho hoje existentes na Rede Vivo Educação, uma rede social concebida e implantada em três meses, a partir de dezembro de 2008, para conectar pessoas interessadas em explorar, propor e experimentar novos processos educativos na sociedade em rede. A professora Eloísa é integrante desse grupo. Os outros grupos também estão desenvolvendo projetos, como é o caso do grupo “Rede em Vídeo”. Criado em outubro para conectar os muitos interessados em audiovisual. Este já tem 35 participantes e está escrevendo um roteiro coletivo para um vídeo intitulado “Histórias que mudam o mundo”. Por meio de iniciativas como estas, em um ambiente de troca de informações e idéias, o site abre espaço para a organização espontânea de indivíduos em torno de projetos comuns.
No ano passado, a Vivo repensou todas as suas ações corporativas e passou a ver também o negócio da comunicação móvel como fonte de transformação social, particularmente na área de educação. Depois de avaliar todas as iniciativas de redes sociais existentes no governo, em entidades e em empresas, a operadora optou por fazer diferente: desenvolver um projeto com ampla participação da sociedade. Para isso, contratou o consultor Augusto de Franco, criador da Escola-de-Redes e especialista em redes sociais, que reuniu no Conselho Consultivo da Rede Vivo Educação profissionais de renome nas áreas de rede social e de educação, além de empresários e representantes do governo.
Em pouco tempo, a Rede Vivo Educação já tinha 300 pessoas conectadas a seu site na plataforma gratuita Ning – que oferece recursos de interatividade como fóruns, blogs, compartilhamento de vídeos e fotos. Foram estes 300 membros iniciais que decidiram online o formato e o conteúdo do seminário “Sociedade em rede e educação”, que reuniu em março, no Teatro Vivo, em São Paulo, 200 participantes presenciais e mais 600 conectados por meio de ferramentas como Twitter, Qik e SMS gratuito para clientes Vivo.
Em outubro de 2009, o site já recebera 26.115 visitas e registrava 1.621 integrantes diretos, devendo chegar a 2.000 deles até dezembro. Os integrantes diretos, porém, são apenas parte do universo de pessoas atingidas pela projeto. “Há também um público indireto, as pessoas beneficiadas por projetos que saem da Rede para ganhar vida nas comunidades, por iniciativas aprimoradas, adaptadas ou reinventadas, graças ao conhecimento gerado em rede”, explica Luis Fernando Guggenberger, responsável pela Rede Vivo Educação. O mote do projeto, exibido no site e em e-mails, é o chamado resumo da ópera: “Nós acreditamos que, na sociedade em rede, o indivíduo vive melhor e pode mais”.
Entre os 12 grupos de trabalho online inicialmente criados (hoje já são 19), está o de Arranjos Educativos Locais (AELs, uma apropriação da idéia dos APLs ou Arranjos Produtivos Locais), inspirado em experiências como a da Escola da Ponte, instituição portuguesa de ensino público que rompeu com a estrutura da grade curricular por divisão em séries. Nessa escola, fundada pelo educador português José Pacheco, o aluno decide sobre o seu objeto de estudo e o professor exerce a função de mediador no processo educativo.
“Aprendentes”
Da mesma forma, um AEL, nas palavras do próprio Augusto de Franco, em seu artigo sobre o tema, é constituído por um grupo de pessoas que se conectam em rede, em uma localidade, para aprender juntas. Esta localidade, diz ele, deve ser entendida como sócio-territorialidade: pessoas conectadas com uma certa configuração – ou arranjadas de determinada maneira – criando um ambiente capaz de favorecer o processo educativo. “Os AELs estão baseados na idéia de que, para aprender, uma pessoa deve buscar com autonomia o que lhe interessa da sua própria maneira (tornando-se um buscador) e aprender a compartilhar o que buscou com outras pessoas, gerando conhecimento a partir dessa interação (tornando-se um polinizador)”, escreveu Franco, que ajudou a Federação das Indústrias do Paraná (FIEP) a formar um AEL no bairro de Campo Largo, em Curitiba.
Como todo participante de um AEL é um Agente Comunitário de Educação (ACE), o grupo não tem alunos nem professores – tem “aprendentes”, no neologismo de Franco. O programa de aprendizagem envolve leituras prévias individuais, conversas sobre essas leituras com base em roteiro-questionário provocativo e interação presencial na Oficina de Capacitação de ACE. Até o final do ano, a Vivo lançará sua primeira experiência em crowdsourcing, modelo que utiliza conhecimentos coletivos e voluntários espalhados pela internet para criar conteúdos ou desenvolver tecnologias. O foco é a criação de aplicativos de aprendizagem. O Prêmio ARede 2009 é “o reconhecimento de uma nova forma de atuar no setor”, comemora Guggenberger. A professora Eloísa que o diga.