08/02/2010 — Dalton Martins trabalha no Laboratório de Inclusão Digital e Educação Comunitária. O Lidec, por sua vez, presta serviços para o Acessa SP, programa de inclusão digital do governo do Estado. O texto abaixo é a reprodução de uma conversa por meio de um programna de mensagens instantâneas, em dezembro de 2009. Esta entrevista foi parte do processo de apuração da “Monitor, Agente da Cidadania”, sobre formação, publicada na edição número 54 da revista ARede.
ARede — Ainda não consegui explicar claramente a diferença do foco nas redes e do foco no conteúdo, porque a capacitação para ativar redes também tem conteúdo.
Dalton — A diferença é que uma capacitação é voltada para passar um conteúdo específico e a outra forma é voltada para facilitar a emergência do conteúdo no encontro.
ARede — E como se transforma a capacitação em um encontro?
Dalton — Invertendo a lógica de passar conteúdo, para a lógica de ativar conversas. Pode ser só com monitores, só com usuários, todo mundo junto. Isso varia muito. O importante é quebrar a idéia de capacitação formato plenária, em que alguém fala e os outros ouvem. Quebrar a idéia do broadcast de capacitação, mudar para algo mais p2p. Claro que se pode lançar temas de início para ativar conversas. Mas a forma de convite é outra. A forma de adesão é outra. Tem muita coisa dentro disso que é interessante questionar e avaliar, porque capacitação não tem relação só com conteúdo, mas com como as pessoas que atuam no projeto se relacionam, como entendem a ação que desenvolvem e como se apropriam dela.
ARede — Por que os projetos, em geral, não tratam essas questões em seus programas de capacitação?
Dalton — Porque o foco ainda é mais em transmitir conteúdo geral ou técnico. Oficina de tal coisa, oficina de tal assunto. Claro que isso é ótimo e dá um megaresultado. Mas as conversas, muitas delas, com grande potencial para ativar vários processos, rolam nos corredores, nos cafés… Poderíamos abrir espaços de escuta, que se desdobram em planejamentos coletivos, em metas de grupos, em maior conhecimentos dos trabalhos de quem tá junto fazendo projeto. Estimular a circulação de idéias e documentar isso, para que a experiência contribua para alinhar a gestão do programa.
ARede — A ideia de ensinar o “básico” está nas formações e na meta de vários programas, para possibilitar “o mínimo de uso” das tecnologias da informação.
Dalton — Mas é aí que tá o problema. Aprender a usar computador pode ser como aprender a escrever numa coisa mais freiriana, do Paulo Freire. No caso dele, aprender a ler não é o foco, é um meio para outras coisas. Para fazer o que? Para chegar onde? Para construir que comunidade? Que sociedade? Essas questões a inclusão digital se furta demais de debater.
ARede — É a ideia de que as pessoas podem se apropriar da tecnologia para mudar algo?
Dalton — Acho que essa reflexão de apropriação é uma pré-condição importante. Vale trabalhar isso, porque isso cria campo para o resto.
ARede — Mas qual é a diferença entre o uso da tecnologia e sua apropriação?
Dalton — Em tese, não tem diferença, pelo menos em termos de número de acessos não tem. A diferença existe na forma sutil como as pessoas fazem isso. Se percebem que aquela ferramenta, aquela conexão podem abrir portas que antes não viam. Que podem fazer conexões com gente que pense coisas como eu e que tá afim de fazer coisas como eu, seja lá o que for. Isso é uma ocupação do espaço dos telecentros mais crítica do que meros acessos e indicadores de acessos.