A inclusão que vem do espaço
acabar com o déficit de internet rápida no país.
Igor Ojeda
ARede nº 79 – abril de 2012 Se não dá por terra, melhor ir pelo ar. Quer dizer, pelo espaço. O Brasil se prepara para lançar, em 2014, um satélite geoestacionário de comunicação capaz de, segundo o governo federal, cobrir o déficit do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) – que encontra dificuldades para chegar às regiões mais remotas. Além de uma esperada alternativa para atender projetos de inclusão digital em todo o território nacional, o satélite também vai ser usado em programas do Ministério da Defesa e das Forças Armadas brasileiras, pois vai centralizar informações consideradas estratégicas. A disputa promete.
O Satélite Geoestacionário Brasileiro (SGB) – é chamado assim porque se move na mesma velocidade da rotação da Terra, dando a impressão de que fica parado em relação a um ponto fixo de nosso planeta –, na verdade, são dois, previstos para serem colocados em órbita em 2014 e 2019. “Foi uma decisão de governo, uma decisão do Ministério das Comunicações e do Ministério da Defesa de dotar o país de um satélite para comunicações de governo e de defesa. Então incumbiu-se a única empresa brasileira estatal de telecomunicações de tocar o projeto”, conta Paulo Kapp, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa estatal de telecomunicações.
“Na parte civil, vai ser operado pela Telebras em banda Ka, enquanto a Defesa o operará em banda X.” A banda Ka é a parte do espectro eletromagnético compreendida entre as frequências de 27GHz e 40GHz. A banda X, por sua vez, utiliza o espaço entre as frequências 8GHz e 12 GHz e é exclusiva para o uso militar.
Banda para quem?
Esperado com grande expectativa por integrantes de programas como o Telecentros.BR, a maior iniciativa do governo federal para inclusão digital, o satélite tem um importante papel a cumprir no PNBL. A proposta do plano é de uma cobertura prioritariamente com fibra óptica. Aproximadamente 4,2 mil municípios seriam atendidos por meio de cabos. Os demais 1,3 mil municípios – onde habitam 24,4 milhões de pessoas – não poderão ter banda larga em curto prazo por via terrestre.
Além do mais, a expansão dessa rede física vem sendo muito mais lenta do que o necessário. Para muitas áreas, sobretudo na região Norte, a previsão é de que o serviço de banda larga demore alguns anos a chegar. O satélite supriria essa demanda. “Queremos levar banda larga por satélite aos lugares que não podem ser atendidos com os cabos de fibras ópticas em curto prazo. Assim esses municípios passam a dispor do serviço até chegar a rede da Telebras”, explica Kapp.
No dia 23 de março, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou o Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil 2011-2012. O estudo aponta o sistema de comunicação via satélite como uma boa maneira de se ampliar o alcance da banda larga. De fato, recursos para a construção do equipamento foram incluídos no Plano Plurianual (PPA), para o período de 2012 a 2015. O atual PPA, que estabelece medidas, gastos e objetivos a serem seguidos pelos governos federal, estaduais ou municipais, ao longo de um período de quatro anos, foi aprovado pelo Congresso em dezembro e prevê R$ 13,8 bilhões para o PNBL, R$ 2,1 bilhões a mais do que o proposto pelo Executivo. Para o SGB, estão previstos R$ 776 milhões.
A meta proposta pelo PPA 2012-2015 é de que até 2015 a banda larga – por terra ou por ar – chegue a 42 milhões de casas. O Plano Plurianual prevê ainda todas as escolas rurais tenham acesso à rede e estejam disponíveis conexões em 3G em pelo menos 75% dos municípios brasileiros. Mas, muitas vezes, as boas intenções esbarram na realidade. Na edição de março da revista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a instituição critica duramente o PNBL e o Termo de Compromisso assinado com as operadoras, que, alerta, “já nasceram tortos”. De acordo com o texto, a internet de banda larga no Brasil é lenta, cara e para poucos. Para o instituto, a velocidade oferecida, 1 Mbps, é baixa, a franquia (300 MB mensais) é insuficiente, e, de acordo com o contrato entre governo e empresas, a universalização do serviço não é prioridade, pois as companhias de telecomunicações são obrigadas a atender apenas as “localidades sede” dos municípios – ou seja, bairros e povoados distantes ficam excluídos.
A preocupação, portanto, é que a oferta de banda larga possibilitada pelo SGB encontre os mesmos problemas. As empresas de telecomunicação já alertaram a Telebras, argumentando que o valor de R$ 35 por uma conexão de 1 Mbps é inviável, especialmente pelo fato de que o satélite será operado como backhaul, ou seja, apenas fará a ligação entre os núcleos da rede e as sub-redes.
Tecnologia em casa
Absorção técnica por empresas brasileiras não está garantida.
O projeto do satélite geoestacionário de comunicação, cuja construção está prevista para durar dois anos, é acompanhado por três ministérios: o das Comunicações e o da Defesa, interessados diretamente em suas funções de atender ao PNBL e às Forças Armadas; e o de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que busca aproveitar a oportunidade para desenvolver a tecnologia aeroespacial brasileira, com a absorção da tecnologia necessária por parte de empresas nacionais.
O primeiro passo nesse sentido já foi dado. Em novembro do ano passado, a Telebras e a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) assinaram um memorando de entendimento para criar uma empresa conjunta responsável por gerenciar o processo de construção do satélite. A Embraer terá participação de 51% nessa joint venture, enquanto a Telebras ficará com 49%. “Esse acordo é apenas para a construção. A operação do satélite será da Telebras e do Ministério da Defesa”, explica Paulo Kapp, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa estatal de telecomunicações.
Segundo ele, a ideia é que essa empresa conjunta sirva justamente para possibilitar a absorção de tecnologia pensada pelo MCTI, por meio de convênios técnicos com outros países. “A empresa conjunta vai dizer: ‘isso aqui tem no Brasil, isso temos condições de fazer no Brasil’. Se eu tenho como desenvolver isso aqui, não preciso comprar fora, por mais barato que seja”, explica Kapp.
No entanto, ha temores de que as coisas não aconteçam exatamente desse jeito, por causa do cronograma apertado de lançamento do primeiro satélite. Em 2014. vence o prazo para que o país ocupe a reserva feita para duas posições orbitais a que tem direito para utilização no setor de defesa, de acordo com a determinação da União Internacional das Telecomunicações (UIT).
“A forma planejada para a execução do satélite coloca a Embraer como integradora de sistemas. A sociedade brasileira não sabe, mas nós sabemos que a Embraer será apenas entregadora de partes prontas que aportarão ao projeto. Dizem que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) será o depositário das tecnologias transferidas, mas todos sabemos que não haverá transferência nenhuma, nem neste primeiro a ser lançado em 2014 nem no outro, de 2019”, opina Ivanil Elisiário Barbosa, presidente do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindCT).
De acordo com o sindicalista, o país não tem outra saída no momento a não ser comprar um “satélite de prateleira”. Isto é, um equipamento pronto, importado. “A engenharia do setor está sucateada e perde continuamente servidores que acumularam larga experiência na atividade espacial, sem chances de reposição que permita a continuidade dos trabalhos”, resume Barbosa. (I.O.)