Meio quilo por habitante

É quanto o Brasil gera, todos os anos, contando apenas os computadores pessoais descartados.

É quanto o Brasil gera, todos os anos, contando apenas os computadores pessoais jogados fora.     
Patrícia Cornils

ARede nº56.março de 2010 – O Brasil é campeão na geração de lixo eletrônico a partir de computadores, de acordo com estudo realizado, em onze países emergentes, pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (Unep) e pela organização não-governamental Solving the E-Waste Problem (StEP). Divulgado em fevereiro, o levantamento mostra que os computadores que vão para o lixo todos os anos, no Brasil, somam mais de 0,5 quilo de resíduos por habitante. Poderiam ser recondicionados e continuar em uso. Ou ser reciclados, para que os componentes voltassem à cadeia de produção. Mas são descartados, e, pior, sem nenhum cuidado para impedir que os itens tóxicos contaminem o ambiente. Depois do Brasil, no estudo, estão África do Sul, México e Marrocos, que geram entre 0,4 e 0,5 quilo por habitante/ano de lixo; Peru e China, com 0,2 quilo/habitante/ano; e Senegal, Kenya, Uganda, Colômbia e Índia (0,15 por habitante/ano). Se forem considerados, além de computadores, outros equipamentos eletrônicos, a quantidade de lixo eletrônico gerada pelos brasileiros chega a 1,9 quilo por habitante por ano.

Além de ocupar o primeiro lugar em descarte irresponsável de computadores, o país – o que tem menos dados e estudos oficiais ou centralizados sobre o tema, entre os participantes da pesquisa – também é o mais carente de marcos regulatórios para definir as responsabilidades dos consumidores, fabricantes e do poder público na gestão desses resíduos e na maneira de descartá-los. “O estudo equivale a uma senhora bronca no governo brasileiro e nas associações de classe do setor eletroeletrônico”, observa Felipe Andueza, analista ambiental e participante do Coletivo Lixo Eletrônico. Parece que o lixo eletrônico não é muita prioridade para a associação que representa, a nível federal, a maioria das empresas de fabricação ou montagem, escreveram os autores do estudo da Unep. “A ausência de uma lei geral de gerenciamento de resíduos é o principal obstáculo para que se regulamente o que fazer com o lixo eletrônico”, completam.

Um grupo de trabalho criado na Câmara dos Deputados para debater o Plano Nacional de Resíduos Sólidos apresentou seu relatório final, em outubro, mas o texto não foi ainda aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Casa. Não se sabe quando a proposta, que desde 1991 teve variadas versões no Congresso, vai a plenário. Enquanto isso, aumenta a quantidade de lixo eletrônico gerada no Brasil. O estudo da Unep considerou, a partir de dados sobre a base instalada, que o Brasil gerou, em 2005, 368,3 mil toneladas de resíduos eletroeletrônicos (computadores, impressoras, celulares, televisores e refrigeradores), dos quais 96,8 mil seriam computadores.

Avalanche de lixo
No estudo, o ciclo de vida de um computador foi definido em cinco anos. Comparando-se os PCs vendidos no país em 2000 (2,9 milhões de desktops) e os vendidos em 2009 (12 milhões de desktops e notebooks), pode-se imaginar como o problema aumentou. “O descarte de equipamentos, no Brasil, não tem relação proporcional com o aumento do consumo porque os eletrônicos raramente são jogados fora quando quebram ou são substituídos por outro mais novo. Em geral, são estocados ou reutilizados antes de ser descartados, ao se tornarem realmente obsoletos”, explica Andueza. Além disso, a maior parte das pesquisas não leva em conta os equipamentos comprados no mercado informal. Não há dados confiáveis sobre o descarte enquanto não houver modelo de responsabilidade definido e sistema de coleta implementado, lamenta ele.

De qualquer maneira, pode-se supor que os números são gigantes. Em 2008, a comissão de sustentabilidade do Centro de Computação Eletrônica da Universidade de São Paulo (CCE/USP) recolheu, no Dia do Meio Ambiente, seus equipamentos fora de uso. Também pediu aos 200 funcionários para levarem as máquinas obsoletas que tivessem em casa. Em um só dia, foram reunidas cinco toneladas de equipamentos. A USP tem mais de 15 mil funcionários e mais de 8 mil professores, compara a professora Tereza Cristina M. B. Carvalho, diretora do CCE. “Quanto não se deve gerar de lixo eletrônico, somente nos campi da universidade?”, questiona ela. De posse das cinco toneladas de lixo eletrônico, o CCE começou a procurar empresas de reciclagem. Só uma aceitou o lixo, pelo qual pagaria R$ 1,2 mil, se a instituição concordasse em transportar o material até o local de reciclagem. Em São Paulo, há cerca de 450 empresas de reciclagem, calcula a professora: “Estranhamos o fato de que não se interessaram pelos descartes e submetemos ao Massachussets Institute of Technology (MIT) um projeto para pesquisar por quê isso acontecia”.

A pesquisa constatou que essas empresas são muito especializadas: uma recicla apenas plásticos, outra, metais ferrosos, outra, metais não-ferrosos, outra, vidros. Por isso, o lixo só interessa depois de separado. O CCE fez, então, um convênio com a Itautec, que tem um centro de logística reversa, para adquirir tecnologia de separar os equipamentos. O CCE investiu R$ 630 mil na implantação do Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática (Cedir), cuja finalidade é receber, separar e encaminhar a empresas de reciclagem as máquinas descartadas pela USP. O Cedir tem como meta processar até 500 computadores por mês (cada um pesa dez quilos, em média) mas dispõe de capacidade para chegar a mil. O foco era receber os descartes da USP, mas a notícia da inauguração, em dezembro, gerou uma demanda enorme por parte de pessoas que querem dar um fim ambientalmente seguro a seus equipamentos. Diariamente, chegam de 20 a 40 e-mails de pessoas querendo doar máquinas. Portanto, a partir de abril, o centro vai receber doações do público.

A premissa básica do Cedir é garantir um fim sustentável para o lixo eletrônico, fazendo-o voltar à cadeia produtiva por meio da reciclagem dos componentes reaproveitáveis, ou os entregando a empresas que realizem um descarte final ambientalmente correto. O centro pretende recuperar o investimento inicial e se tornar economicamente sustentável em três anos. No momento, se dedica a rever seus processos de separação de resíduos, para entregá-los de maneira atraente às recicladoras com as quais pretende fazer parceria. O Cedir também estuda formas de trabalhar em conjunto com comunidades ou associações de catadores, com o propósito de agregar uma dimensão social ao projeto.