Licença para sair da sala
Laptops chegam às escolas públicas para dar liberdade ao processo de ensino e tornar as aulas mais atrativas Áurea Lopes

ARede nº58 maio/2010 – Começam a ser entregues nas escolas públicas os laptops do programa Um Computador por Aluno (UCA), do Ministério da Educação (MEC), que tem como meta colocar um computador portátil educacional na mão de cada estudante das redes de ensino municipais e estaduais de todo o país. Esta é a primeira fase do programa, em que o governo federal comprou 150 mil equipamentos, para 300 escolas – um investimento de R$ 82 milhões, com custo de R$ 550 por máquina. Na segunda fase, os laptops serão adquiridos pelos estados e pelas prefeituras, com apoio de uma linha de crédito de R$ 650 milhões, já aprovada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). De acordo com Carlos Eduardo Bielschowsky, secretário de Educação a Distância do governo federal, órgão responsável pelo programa, o edital de registro de preços para a segunda fase do UCA deverá ser lançado até o final de maio.

Junto com os primeiros equipamentos, chegam às salas de aula muito entusiasmo, medos e dúvidas. Como vamos usar os equipamentos? Meus alunos vão saber mais do que eu? A conexão à internet vai aguentar? Os questionamentos são bastante naturais. Porque, na maioria dessas instituições de ensino, os portáteis educacionais vão provocar uma histórica mudança de paradigmas. E não apenas nas tendências pedagógicas. Também vai aumentar a integração entre famílias e escolas, fator que já mostrou, em diversas pesquisas, ter forte impacto na qualidade da aprendizagem.

Da escola para a casa ou em trabalhos fora da sala de aula, a mobilidade será a ênfase do UCA, informa Roseli de Deus Lopes, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), e integrante do grupo de apoio ao Ministério da Educação (MEC) no projeto UCA. A grande expectativa, explica a professora, “é de que os laptops sejam usados de modo que os alunos possam fazer pesquisas de campo e, ao levar os equipamentos para casa, como se espera, promovam a inclusão digital de suas famílias, muitas das quais vão receber em casa um equipamento que nunca viram”. Esse programa veio “colocar o aluno em outra posição, torná-lo autor do próprio conhecimento”, acrescenta o secretário Bielschowsky.

Mas todas essas novidades, de acordo com o planejamento de implantação do UCA, não vão acontecer via pacotes pré-formatados, com cronogramas pré-deteminados. Ao contrário. Serão construídas caso a caso, segundo as realidades de cada escola, e em conjunto, com a participação de gestores e professores, de alunos e pais. Todas as atividades serão acompanhadas de perto por uma equipe exclusivamente dedicada à avaliação, que vai acompanhar toda a trajetória e todas as vertentes do projeto, desde o primeiro dia.

O programa começa, portanto, com consistência pedagógica e apoiado por políticas públicas para universalização do acesso à internet – como o programa Banda Larga nas Escolas e o Plano Nacional de Banda Larga –, depois de um calvário de pregões e contendas entre concorrentes para o fornecimento dos equipamentos. Lançado em 2007, com um projeto-piloto em cinco escolas, o UCA começa agora a mandar os primeiros laptops para nove estados, mais o Distrito Federal – Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande so Sul, Sergipe, São Paulo e Tocantins. O fabricante é a empresa CCE/Digibrás, vencedora da licitação. A licitação já foi feita e a compra está concluída, independente de qualquer mudança no cenário político nacional, garante o secretário Bielschowsky. As escolas contempladas foram escolhidas pelas secretarias estaduais de Educação e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). A seleção deu prioridade a escolas pequenas, de até 500 alunos, para que todos recebessem máquinas e ainda houvesse uma sobra de 5% de reposição.

Um grupo de dez especialistas em tecnologias educacionais dá apoio ao MEC na implantação do programa, trabalhando em sintonia com o grupo de avaliação e o grupo de formação. Esses consultores são de universidades públicas das regiões que vão ser atendidas e trabalham divididos em núcleos regionais. Muitos participaram do piloto em 2007. O principal desafio dessas equipes é fazer a integração entre as instâncias de governo e as frentes do programa nas pontas. “Uma coisa muito boa que já estamos vendo é que todos estão colaborando, secretarias de diversos partidos políticos, todos trabalhando juntos, nesse primeiro momento, que é de reforçar o diálogo dentro das escolas”, relata Roseli.

O grupo de Formação, que vai preparar os educadores e produzir material de apoio a aula, já começou enfrentando problemas: a entrega dos primeiros 3 mil laptos, destinados à formação dos professores, atrasou. Houve reuniões regionais com as secretarias estaduais e municipais, com a Undime, e em alguns lugares, até nas escolas. Mas a formação, na prática, ainda não decolou. A formação será feita em cascata. Uma equipe ligada às universidades vai capacitar educadores das secretarias de Educação e dos Núcleos de Tecnologia estaduais e municipais. Esses educadores é que vão trabalhar na linha de frente com diretores e professores das escolas. “Mais do que um programa, estamos promovendo a criação de uma política pública, que requer uma forte articulação com as secretarias de Educação”, diz Maria Helena Horta Caltiero, integrante do grupo que esteve à frente da implantação do piloto do UCA em Piraí (RJ).

Maria Helena conta que a formação vai explorar temas como planejamento estratégico e gestão do programa na escola; apropriação, pelos professores, dos princípios do projeto; capacitação específica em novas tecnologias, como web 2.0, vídeo digital, entre outros. “Os professores não precisam se preocupar porque vão receber, sim, orientações. Teóricas e práticas. Mas queremos que eles também se movimentem, que façam uma releitura do currículo. A ideia é refletir: o que pode ser diferente, na minha aula, no momento em que existe mobilidade no acesso à internet?”, adianta Maria Helena.

Preparação do ambiente
Para dar apoio às práticas pedagógicas, as universidades vão produzir e adaptar materiais já existentes de modo que possam ser usados de acordo com as propostas do UCA. Além disso, o programa vai utilizar o Portal do Professor, já disponível, e o Portal do Aluno, que o MEC promete lançar em breve. Maria Helena informa que o Portal do Aluno já está desenvolvido e passa por um período de testes em duas escolas de Piraí, cidade digital onde todas as escolas municipais têm portáteis educacionais. Roseli, da USP, ressalta que a formação não deverá ser uma transferência de instrumentos pedagógicos, mas terá um caráter inovador: “Acredito em um aprendizado simultâneo, das escolas e das universidades envolvidas na formação”.
Uma das primeiras cidades a receber as máquinas – ainda nas caixas, aguardando a montagem, que será feita pela empresa fabricante –, Tiradentes (MG) prepara as sete escolas (seis municipais e uma estadual), que vão receber 1.172 laptops, no total. As estruturas físicas estão sendo reformadas. As escolas estão adaptando o sistema elétrico para que os computadores possam ser carregados enquanto não estiverem em uso, e adequando os pontos de acesso para atender todos os alunos, além de providenciar os armários para guardar os laptops. Jeanderson Fernando Marostegan, coordenador do Núcleo de Tecnologia Educacional do município, garante que os docentes estão entusiasmados. “Já fizemos reuniões com gestores públicos e professores. Agora, cada escola vai organizar um evento para apresentar o programa aos pais e à comunidade”.

Em Tiradentes, a proposta educacional do UCA vai ser viabilizada plenamente. Isso porque a cidade inteira é coberta por uma rede sem-fio pública, que permite que os laptops sejam utilizados nas casas dos alunos, gratuitamente. Mas a questão de levar os laptops para casa não é fechada. Cabe a cada escola decidir se e quando os alunos podem levar as máquinas – embora a recomendação do programa seja de estender o benefício às famílias, como forma de ampliar a inclusão digital entre a população brasileira. “O ideal é que os laptops sejam usados em casa, mas não podemos exigir isso porque em muitos lugar há a questão da segurança”, alerta Maria Helena. “A gente sabe que é um computador bem simples, até porque é para a criança usar. Mas se um ladrão vê uma criança com uma coisa dessas, não vai saber se tem muito valor ou pouco. A gente precisa ter cuidado”, diz a mãe de um aluno de uma escola paulista integrante do programa.

Software livre
Outro aspecto do UCA que requer um trabalho com alunos e professores diz respeito aos programas educacionais instalados nos laptops. Embora converse com produtos proprietários, a máquina vem com softwares livres e nem todas as escolas estão familizarizadas com plataformas abertas. Muitas prefeituras têm projetos terceirizados de empresas privadas, que operam com softwares proprietários. “Mas o principal é que a concepção de ensino muda com o software livre, que funciona dentro do princípio de construção do saber. E é esse o objetivo do UCA. Não é simplesmente colcoar equipamentos nas mãos das crianças. Por isso, é importante fazer a preparação dos professores para o software livre, que traz um ganho pedagógico ao projeto”, relata Roseli.

Essa é uma das preocupações na EMEF André Franco Montoro, em Campo Limpo Paulista, onde funciona o projeto E-Tech, implantado por iniciativa da prefeitura, em 2008, em todas as escolas da rede municipal. Todos os alunos da rede têm um laptop educacional, com sistema operacional Windows e pacote Office. Os equipamentos são usados apenas dentro da sala de aula, onde há uma lousa digital e um projetor. O conteúdo pedagógico é do projeto Florescer, desenvolvido em conjunto por educadores da secretaria de Educação, professores e coordenadores pedagógicos da COC Sistemas de Ensino, empresa responsável pelo portal Florescer. “Os laptops não saem da sala por dois motivos: um é que não daria para usar a lousa digital; outro, é que não temos conexão para uso em uma pesquisa de campo, por exemplo”, explica a secretária municipal de Educação, Renata Patelli.

Com a chegada do UCA, adianta a secretária, a EMEF André Franco Montoro vai ceder os laptops do E-Tech para outra escola. Mas as lousas digitais deverão permanecer. Ela informa que o fabricante da já se comprometeu a fazer adaptações que permitam a compatibilidade das lousas com os equipamentos do UCA. “Só vamos perder a funcionalidade de gestão de sala de aula porque o UCA não prevê gestão das máquinas dos alunos”, lamenta Renata.

Para usar sem medo
Os laptops deste primeiro lote do Programa Um Computador por Aluno estão sendo fabricados pela empresa CCE/Digibrás, vencedora da licitação pública do Ministério da Educação (MEC) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação (FNDE). Preparados para se conectar a redes sem-fio, os portáteis têm capacidade de armazenamento de 4 Gb, 512 Mb de memória, processador Intel Atom, câmera para vídeo e foto (resolução de 640×480), tela de cristal líquido de sete polegadas, saída de áudio e mouse touch pad. A bateria tem autonomia mínima de três horas. A máquina pesa 1,5 kg e tem capa em plástico resistente, capaz de suportar uma queda da altura de uma carteira escolar, por exemplo. O fabricante dá garantia de um ano.
Os programas instalados são em tecnologia livre, mas a interface é compatível com produtos proprietários, como Windows. O pacote inclui os principais aplicativos utilizados na escola, como editor de texto, planilha eletrônica, visualizador de imagem, além de áudio e vídeo.
O laptop do UCA foi feito para ser levado para a casa do aluno. Por isso, por questão de segurança, um sistema automático desativa o hardware, caso o equipamento fique fora da escola por um tempo acima da expectativa de uso nas moradias. Para religar, é preciso levar o equipamento de volta para a escola.

Avaliação desde o marco zero
Desde o primeiro momento, o UCA incluiu entre as principais preocupações a realização de uma avaliação sistemática. Não só dos resultados, mas de todo o processo. Uma das pernas do tripé de sustentação do programa – ao lado do grupo de apoio do Ministério da Educação (MEC) e do grupo de formação dos professores –, o grupo de avaliação acompanha o programa desde o marco zero. “Essa é uma estratégia pioneira, inovadora do ponto de vista de políticas públicas. Pela primeira vez, a avaliação foi planejada junto com a formação dos professores, com a implementação das ações. Vamos ter oportunidade de fazer uma avaliação diagnóstica”, diz a professora Isabel Franchi Cappelletti, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, integrante do grupo de avaliação do UCA.
Para isso, foi formada uma rede de 30 pessoas, que já realizou o primeiro encontro, em março, no estado de Aracaju. Em cada um dos dez estados que participam desta etapa do UCA há uma célula composta por um professor das universidades contratadas e dois assistentes, que são alunos da pós-graduação ou de programas de iniciação científica. Essas equipes vão trabalhar as avaliações junto aos educadores das secretarias municipais e estaduais. Serão aplicados questionários em três níveis. No microuniverso, que é a sala de aula. No mezzouniverso, a escola. E no macrouniverso, que é a comunidade, nos casos onde apenas uma escola está no programa, ou todo o município, quando todas as escolas participam do UCA.
De acordo com Isabel, serão objetos de avaliação a formação dos professores, a atuação dos gestores, as práticas pedagógicas e as expectativas dos pais, para aferir o impacto do programa na comunidade. “Os alunos serão avaliados também, mas não diretamente pela equipe do UCA. E sim por meio dos sistemas oficiais, como Saeb, Prova Brasil, entre outros”, diz a educadora.
Uma das ideias é que os laptops tenham monitoramento remoto. As máquinas seriam conectadas a um servidor central no MEC, que emitiria relatórios. “Assim saberíamos quanto tempo e onde estariam sendo utilizadas. Seria uma forma de avaliar o aproveitamento nas casas dos alunos”, conta Roseli Lopes, integrante do grupo de apoio ao MEC.

Lições da experiência
As vivências do projeto-piloto do UCA, realizado no ano de 2007 em cinco escolas – Brasília (DF), São Paulo (SP, Palmas (TO), Porto Alegre (RS), Piraí (RJ) –, vão ajudar o Ministério da Educação (MEC) a corrigir rumos e ajustar procedimentos para a nova fase do programa. Um estudo completo da implantação do programa nessas escolas está sendo elaborado por uma equipe de educadores, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
A equipe, que acompanhou os processos nas cinco escolas, vai avaliar os aspectos pedagógicos e operacionais. Três primeiros relatórios já foram entregues ao governo, contendo informações sobre os impactos nas escolas, a questão de infraestrutura e a questão da gestão do programa nas escolas. Dentro de um mês, será entregue o relatório sobre o aproveitamento pedagógico. Diversos cases de sucesso nas aplicações do UCA nessas escolas foram registrados. E todos serão postados no site do MEC, com material em texto e vídeo.
Uma das principais conclusões resultantes dessa análise foi a importância das sistemáticas de gestão do programa, em todos os níveis, em um esforço integrado – das instâncias governamentais ao dia-a-dia na sala de aula. “Essa primeira experiência deixa claro que é importante fazer um planejamento participativo, sem atropelar os professores, construindo o processo dentro da escola”, relata a educadora Marta Voelker, da organização Pensamento Digital, integrante da equipe de avaliação do piloto do UCA.
Ela conta que as escolas que trabalharam isoladas tiveram resultados menos satisfatórios. E recomenda: “É preciso reservar pelo menos 20% do tempo para o planejamento interno das atividades”. Outro indicador de boa prática que apareceu na avaliação foi uma sugestão bastante simples, que fez muita diferença: “Uma das escolas experimentou colocar tomadas nos próprios armários onde os equipamentos eram guardados e foi uma solução que deu certo”, conta Marta.
Um dos problemas detectados no piloto foi a dificuldade de manutenção e suporte às máquinas. As escolas eram atendidas por grupos de apoio, mas esses grupos não tinham peças de reposição, o que fazia com que as máquinas com problemas fossem tiradas de uso. “Para a próxima etapa, parece que essa questão da assistência técnica está melhor resolvida”, diz Marta.