O acesso residencial em comunidades de baixa renda é limitado e caminha a passos lentos
Lia Ribeiro Dias*
ARede nº61, agosto 2010 – “No começo, a internet era boa”, lembra Edson Pinheiro Santos, o Edinho, que ficou famoso em 1999 ao lançar o Faverock, movimento musical das favelas de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Hoje, aos 32 anos, ele estuda Comunicação Social Integrada na Pontifícia Universidade Católica de Minas e já não é mais o guitarrista da banda Pelos de Cachorros. A qualidade inicial da conexão que ele usa, na Vila Cafezal, uma das oito favelas do Aglomerado da Serra, na capital mineira, também já não é a mesma. “Agora cai muito e fica lenta. De um tempo para cá, não consigo nem achar o sinal”, lamenta.
Em outra cidade, em outro estado, Leandro Andrighetti Soares enfrenta o mesmo problema. “Desde a semana passada, a internet está fora do ar. Ligo todos os dias para reclamar e ainda não vieram consertar”, queixa-se. Morador da Cidade Tiradentes, na periferia da capital paulista, ele acumula frustrações com o acesso de banda larga que paga.
Edson e Leandro – assim como os habitantes do Morro Santa Marta ou da Rocinha, no Rio (ver página 16), que parecem satisfeitos com sua conexão – moram em áreas periféricas de grandes metrópoles brasileiras. Essas regiões têm, em comum, a dificuldade no acesso a um bom serviço de banda larga que caiba nos orçamentos de baixa renda. Embora o problema seja igual, as conexões de que falam Edson e Leandro são distintas. Edson usa o sinal público e gratuito do BH Digital, rede implantada pela prefeitura. Leandro é um dos clientes do Banda Larga Popular da Telefônica, serviço-piloto prestado com isenção de ICMS, dada pelo governo do estado de São Paulo, para operadoras que oferecerem banda larga – a velocidade mínima é de 200 kbps, por no máximo R$ 29,80 mensais, para atender as classes D e E.
São essas experiências, vividas por Leandro e Edson, que mostram que a oferta de banda larga popular para residências, seja pela iniciativa privada com apoio de políticas públicas, seja pelo próprio poder público, continua sendo uma promessa. Ainda é mais limitada no caso das operadoras privadas, pois embora três estados e o Distrito Federal tenham assinado convênio com o Confaz (conselho dos secretários estaduais de Fazenda) para isentar de ICMS os programas de banda larga popular, só São Paulo implementou o programa. Em 2009, o estado publicou um decreto que define o que é banda larga popular e isenta o serviço de ICMS. Naquele ano, assinou convênio com a Net Serviços e, em 2010, com a Telefônica.
Alcance pequeno
O alcance do banda larga popular de São Paulo é muito pequeno porque se baseia em redes de baixa capilaridade. A rede da tevê a cabo da Net Serviços está em 48 cidades paulistas, mas foi implantada em bairros mais ricos, onde vivem pessoas das classes A e B e, em menor quantidade, da classe C. Portanto, as 100 mil conexões já comercializadas pela Net Serviços dentro do banda larga popular atendem a classe C. Mas, normalmente, esses clientes pagam um pouco mais do que os R$ 29,80, para ter também acesso a outros serviços, como voz e vídeo (TV por assinatura). A maioria dos novos assinantes da Net, segundo o presidente da empresa, José Antonio Félix, são assinantes de pacotes. E, desde junho de 2010, a Net lançou uma proposta agressiva para interessados na banda larga popular. No lugar de R$ 29,80 mensais, o assinante paga R$ 39,90 e tem direto a 1 Mbps, mais vídeo e telefonia fixa.
A Telefônica está impedida, pelo Procon de São Paulo, de oferecer o Banda Larga Popular apenas para seus assinantes de telefone fixo. Por isso, decidiu não oferecer este serviço em sua rede de telefonia – que cobre todo o estado e tem 11,26 milhões de assinantes e mais de 3 milhões de usuários do Speedy, seu serviço comum de banda larga. A razão, segundo a operadora, é que os R$ 29,80 da assinatura do Banda Larga Popular não cobrem os custos de estender a rede de cabos de cobre até a casa do assinante. No entanto, por trás desse argumento, existe outro, também de ordem econômica. A empresa, assim como a operadora Oi, também uma concessionária de telefonia local, teme ofertar a banda larga popular para quem não é assinante de telefone e, assim, provocar uma instabilidade em seu próprio mercado. Receia que os atuais assinantes de telefonia sigam os passos dos assinantes só de banda larga, devolvendo a linha telefônica fixa – que custa, por mês, perto de
R$ 40,00, com impostos.
A opção da Telefônica foi montar uma rede nova sem-fio para atender bairros periféricos das grandes cidades paulistas. O serviço, lançado em fevereiro deste ano, cobre condomínios da Cidade Tiradentes, bairro populoso da Zona Leste da capital, e da cidade de Santo André. O número de assinantes, em junho, era de apenas 500. De acordo com Fábio Bruggioni, diretor do Segmento de Clientes Residenciais da empresa, uma recente pesquisa mostrou que 80% dos usuários estavam satisfeitos com o serviço. Não é o que mostra a experiência de Leandro Soares, relatada no início desta reportagem.
O atendimento da Telefônica com sua rede Mesh começou por grandes conjuntos habitacionais populares. Os modems são instalados dentro dos edifícios. A meta, para o final do ano, é conquistar 40 mil assinantes, a grande maioria da classe D. Ou seja, mais de um ano após lançar o programa Banda Larga Popular, o estado de São Paulo terá, quando muito, 250 mil conexões comercializadas a R$ 29,80.
Um número pequeno demais frente aos 1,752 milhão de paulistas que, de acordo com dados da Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD – IBGE), usavam o acesso discado à internet em 2008. Menor ainda se compararmos com a expectativa do governo do estado de São Paulo, ao aceitar a isenção de ICMS, de que o serviço atenderia a 2,5 milhões de pessoas. Ainda de acordo com os últimos dados da PNAD-IBGE 2008, 690 mil domicílios paulistas tinham computador, mas sem internet.
Os cidadãos que têm condição econômica preferem não esperar pela oferta popular, que não chega. Segundo a Telefônica, dos 363 mil usuários que aderiram ao serviço Speedy no primeiro semestre de 2010, 86% são das classes C e D. Por 1 Mbps, a Telefônica cobra, em todo o estado, R$ 54,90, preço quase 55% superior ao do Banda Larga Popular.
Sem oferta comercial, seja por falta de cobertura, seja porque o preço é caro, o atendimento às famílias pobres das zonas periféricas das cidades médias e grandes está sendo feito, onde existem, por programas mantidos pelo poder público. O BH Digital, da prefeitura de Belo Horizonte, cobre três vilas com rede sem-fio. A proposta é ampliar para nove. O cidadão precisa se cadastrar no serviço e tem direito a duas horas de navegação gratuita por dia. O Rio Digital, coordenado pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do estado do Rio de Janeiro, atende a cinco comunidades na cidade do Rio de Janeiro e a algumas cidades da Baixada Fluminense, também com rede sem-fio, e oferece acesso sem restrições de tempo.
O Navegapará, que tem como gestora a Companhia de Processamento de Dados do Pará (Prodepa), já iluminou 33 cidades, onde o sinal não chega às casas mas é aberto em praças e outros pontos públicos. O programa Cinturão Digital, do governo do Ceará vai cobrir 58 cidades com mais de 50 mil habitantes – mas também não vai atender diretamente aos domicílios de baixa renda. O sinal será aberto e gratuito em praças e pontos de concentração, além de telecentros e bibliotecas.
Essas experiências são recentes. Nenhuma tem mais de dois anos. Portanto, ainda é cedo para uma avaliação. Mas a queda na qualidade do sinal sentida por Edinho, da vila Cafezal, na periferia de Belo Horizonte, é um dos problemas das redes públicas sem-fio. À medida em que aumenta o acesso, as redes têm de ser expandidas. Silvana Veloso, diretora de inclusão digital da Prodabel, a companhia de processamento de dados de Belo Horizonte, relata que na ampliação do BH Digital para mais seis vilas será reforçado o sinal nas vilas já atendidas, com instalação de novas estações radiobase. Mesmo com limitações, a iniciativa é saudada por Artur Marçal de Souza, da On Line Lan House, morador do morro do Papagaio, na capital mineira. “A internet na comunidade é importante porque desmistifica a ideia de internet ser feita para rico”, pondera, lembrando que o ponto fixo do BH Digital instalado no morro do Papagaio oferece boa conexão, que permite acessar sites como o Youtube.
Nas comunidades do Rio de Janeiro, a população está bastante satisfeita com a chegada da internet. Há pontos sem sinal, a velocidade é limitada para os que querem subir vídeos, mas o programa é visto como uma grande conquista. Quem mora onde não tem sinal e tem telefone fixo continua usando a internet discada.
Essas experiências mostram que os programas públicos de acesso são importantes, mas pontuais. Não têm por objetivo a oferta massiva. O foco está principalmente na oferta de conexão a órgãos públicos e às redes públicas de escolas, unidades de saúde e telecentros. Aí, conseguem cumprir seus objetivos, mesmo que telecentros e escolas reivindiquem maior velocidade (ver página 12), em função dos conteúdos multimídia e da comunicação interativa. Aliás, a demanda por maior banda é um processo contínuo – além do crescimento natural do número de conectados, os conteúdos são cada vez mais multimídia e as aplicações, mais interativas.
Mesmo nas pequenas cidades iluminadas – na zona central e mesmo bairro rurais –, a cobertura gratuita dos domicílios com conexão à internet não é regra. Sud Menucci, no estado de São Paulo, oferece internet gratuita a todas as casas e já cobre comunidades da zona rural. Piraí, no estado do Rio de Janeiro, só dá internet de graça em praças e pontos públicos. A conexão doméstica, oferecida por provedor comercial, é cobrada.
Os desafios para o PNBL
Tanto a experiência pública na oferta de conexão à internet a populações de baixa renda, como o Programa de Banda Larga Popular desenhado pelo governo do estado de São Paulo, são laboratórios a serem avaliados pelo Plano Nacional de Banda Larga, cujas metas e ações estão sendo detalhadas pelo governo federal. O objetivo do PNBL é agregar mais 28 milhões de domicílios à rede de banda larga, com conexões que custem, no máximo, R$ 35,00 mensais, de forma a atender as classes D e E. De acordo com dados do Panorama das Telecomunicações no Brasil – Séries Temporais, da Telebrasil, existiam no país, ao final do primeiro trimestre de 2010, 11,8 milhões de acessos em banda larga, além de 3,5 milhões de modems de acesso à banda larga móvel.
O atendimento direto da população de baixa renda para banda larga se dá, prioritariamente, por meio de pontos públicos de acesso. A cobertura dos domicílios é limitada, pelo menos nas periferias das grandes e médias cidades, a programas localizados em um conjunto de vilas e favelas. Para quem não tinha nenhuma forma de acesso, os programas literalmente “iluminam” os caminhos.
De outro lado, a oferta comercial de banda larga popular, a preço que pelo menos a classe D possa pagar, ainda depende da solução de vários fatores. A pioneira – e única, por enquanto – experiência paulista ainda não levou a banda larga popular às populações de baixa renda porque o serviço não é ofertado na rede mais capilarizada do país, que é a de telefonia fixa. Assim, não basta reduzir impostos – o ICMS é o imposto que mais pesa no serviço de telecomunicações, taxado em 43% em média. É preciso que o Estado brasileiro encontre caminhos para permitir a prestação do serviço de banda larga a preço popular na rede da telefonia fixa. Como o Estado vai negociar essa obrigação, é um desafio que está colocado pelo PNBL.
* Colaboraram Cristiano Pereira da Silva, do portal Viva Favela, e Patrícia Cornils, da revista ARede.
Cobertura avança nos pontos públicos coletivos
Se estão muito longe de atender a demanda por conexões individuais das pessoas com baixo poder aquisitivo, programas públicos de infraestrutura são os grandes responsáveis por conectar os pontos de acessos coletivos, como os de telecentros, dos pontos de cultura e de escolas.
O Gesac, do Ministério das Comunicações (Minicom), é, em número de conexões, o maior desses programas, com 12 mil acessos contratados. Lançado no final do governo Fernando Henrique Cardoso, atendia 500 telecentros em 2003. Hoje, há mais de dez mil conexões em operação e 28 convênios e parcerias com programas de inclusão digital, 13 ministérios, dois governos de estado, duas universidades federais, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifets, antigos Cefets), Emater e Correios. O Gesac participa da articulação de políticas públicas nesse segmento e tem a complicadíssima tarefa de atender a imensa demanda e gerenciar sua rede. A gestão é centralizada no Minicom. O orçamento anual do programa Gesac é da ordem de R$ 40 milhões.
Apesar desse investimento milionário, as conexões contratadas hoje são de 512 kbps, com garantia de banda de 6,7% se a conexão for via satélite e de 10% se a conexão for terrestre (apenas 650 do total de 12 mil contratadas). Isso gera reclamações na ponta. No site do Gesac, há uma ferramenta que permite visualizar o tráfego de cada cidade onde as antenas estão instaladas. Os moradores podem verificar onde ficam as antenas de sua cidade e se estão ociosas. Hoje, há cerca de mil antenas aguardando mudança, pelos mais variados motivos. Uma das razões recorrentes é a desativação de telecentros mantidos por municípios, depois da mudança de prefeitos, em 2009.
No Pará, o Navegapará cobria, em julho, 33 cidades digitais e tinha 108 infocentros em funcionamento e 42 pontos de acesso livre (praças e pontos turísticos, como orla e mirante, onde são instaladas antenas para acesso sem-fio e gratuito). A meta, até dezembro, é instalar mais 250 unidades, entre infocentros do NavegaPará e Telecentros.BR, atingindo um total de 62 cidades (ver página 30).
Um exemplo do bom serviço prestado pelo Navegapará é a cidade de Santarém, onde a única alternativa de conexão, até dois anos atrás, era via satélite. “Com a chegada do Navegapará, a qualidade da banda disponível deu um salto. São dezenas de órgãos públicos, onze Infocentros em áreas importantes da cidade e várias organizações da sociedade civil beneficiadas com o acesso à internet”, explica Paulo Lima, coordenador, em Santarém, do Projeto Saúde e Alegria – que, por sua vez, coordena, junto com o Projeto Puraqué, o Pontão de Cultura Digital do Tapajós. “É uma conexão de alta disponibilidade”, comemora Darla Braga, monitora de um infocentro em Marabá.
Em Belo Horizonte, o BH Digital cobre 315 pontos públicos, como escolas e centros de inclusão digital. Com R$ 8,5 milhões em recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), a infraestrutura será ampliada e vai aumentar o número de pontos atendidos. Serão 440 pontos, entre escolas e telecentros, 50 dos quais localizados fora da capital mineira Também vai aumentar a capacidade de armazenamento e processamento do datacenter da Prodabel, empresa de informática do município, que vai passar a prover serviços para as cidades do entorno da capital – que constituem, junto com BH, a chamada Rede 10. Entre os serviços previstos está a formação, via EAD, da equipe técnica que vai atender os telecentros da Rede 10 inscritos e selecionados no programa Telecentros.BR. (Patricia Cornils)