Áurea Lopes
ARede nº67 – Março de 2011
Foi-se o tempo em que um laboratório de informática era indicador de modernidade de ensino no Brasil. Pelo menos na área urbana (a desalentadora realidade rural está fora dessa conta), o país fechou 2010 com 91,6% das escolas públicas não apenas equipadas com computadores para uso pedagógico, mas também com acesso gratuito à internet, por meio do Programa Banda Larga nas Escolas, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações.
O governo federal garante que, até o final deste ano, a conexão chega a 100% daquelas
instituições. Apesar de praticamente cumpridas as metas numéricas da banda larga nas escolas, é bom ressalvar, os problemas para navegar na web ainda são comuns no dia a dia das salas de aula. Porém, o desenvolvimento não espera e um novo avanço já vem chegando: a incorporação da mobilidade nas tecnologias educacionais.
Depois dos laboratórios – espaços de uso coletivo e boa parte do tempo fechados com cadeado – educadores e educandos recebem, agora, dispositivos portáteis, individuais, que podem levar para fora da classe, para fora da escola, e até (ou, principalmente) para casa.
A diferença entre os dois tipos de acesso aos recursos informatizados é enorme.
Especialistas da área comparam: se os computadores trouxeram uma evolução, os laptops têm potencial para provocar uma revolução na forma de ensinar e de aprender. Nesta reportagem, vamos tratar do impacto desse novo paradigma sobre o professor – que ainda é a peça-chave, onde começa e onde se sustenta qualquer processo de formação.
Diversas iniciativas de governos, em todas as instâncias – desde o programa federal Um Computador por Aluno (UCA), do Ministério da Educação, até licitações em pequenas prefeituras – estão colocando notebooks ou netbooks nas mãos dos docentes. Seja como doação, a título de bônus; como empréstimo, em regime de comodato; ou por meio de linhas de crédito para compra subsidiada. As intenções dos governantes também são diversas: há quem se preocupe, de fato, em implantar uma política pública de Educação, ou em promover a inclusão digital dos professores. Mas também há casos em que o benefício se reduz a uma estratégia para compensar baixos salários, ou exibir modernidade na administração. Independente do cenário, ou, dos bastidores, o fato é que cada vez mais os professores estão sendo obrigados ou estimulados a usar os portáteis. O que é bom. Estava na hora de se aproximarem, definitivamente, do mundo de seus alunos.
Só no ano passado, lançaram programas nesse sentido os governos do Amazonas, do Rio Grande do Norte, de Tocantins; e as prefeituras de Cubatão (SP), Itapoá (SC), João Pessoa (PB). Os pioneiros, em 2008, foram os estados de Pernambuco e Sergipe (que doaram equipamentos a professores), Rio de Janeiro (que subsidiou aquisições sem juros). Em 2009, foi a vez dos professores do Espírito Santo (doação a toda a rede estadual) e de São Paulo (aquisição subsidiada). Por enquanto, o maior mérito das iniciativas tem sido quebrar a resistência à apropriação da tecnologia. “O professor tinha medo do computador. Era importante que ele usasse para romper essa barreira. Por isso, achamos que ele deveria ter o seu próprio equipamento. Levar para casa, mexer quando e como bem entendesse”, diz Rossieli Silva, diretor de Planejamento da Secretaria de Educação do Amazonas. O programa desse estado, Professor na Era Digital, demandou investimentos da ordem de R$ 31,9 milhões. Foram comprados 22 mil notebooks, 20 mil entregues a todos os professores da rede em funções pedagógicas – os 2 mil excedentes são reservas. “Nós fornecemos um instrumento de trabalho, a propriedade é da Secretaria de Educação. Se deixar a função, o professor tem de devolver”, explica Silva, que informa que as escolas estão sendo equipadas também com lousas digitais.
O medo de mexer na máquina ainda é um grande desafio para a inclusão dos educadores. Eles sabem que, desse assunto, seus alunos entendem muito mais do que eles. Intimidados, acabam evitando utilizar os recursos. A professora Vânia Cleusa Pinto fez exatamente o contrário. Pediu ajuda à garotada de 8 e 9 anos, do 3º ano do Fundamental da escola Ayrton Senna, em Itapoá (SC): “Minha primeira impressão foi de impotência. Mas fui aprendendo aos poucos, meus alunos me ajudavam. Eles abriam o data show. Se eu perdia a régua, eles corriam para recuperar. Às vezes eu batia a mão no cursor e mudava de tela, eles é que faziam voltar…”. Em fevereiro de 2010, todos os professores efetivos da rede municipal de Itapoá ganharam seus portáteis, em regime de comodato. Foram compradas 115 máquinas, com antena interna para acessar internet sem-fio, disponível em todas as 19 unidades de ensino.
Doações e comodatos
O governo do Rio Grande do Norte entregou, em setembro de 2010, 10.200 notebooks a todos os docentes da rede estadual que estivessem dando aula. Ana Paula Oliveira, responsável pelo projeto Professor Conectado, e coordenadora de TI da Secretaria de Educação do estado, garante que haverá uma segunda etapa, com distribuição a servidores que estejam em funções de apoio pedagógico e diretores de escolas.
No Rio de Janeiro, estado que em 2008 distribuiu cerca de 50 mil notebooks em comodato, a eficácia da estratégia para inclusão digital dos docentes está comprovada, de acordo com Sérgio Mendes, subsecretário de Gestão e Infraestrutura. “No começo, eles deixavam as máquinas largadas. Hoje, temos 100% das notas lançadas eletronicamente. E, quando o professor muda de função, saindo da área pedagógica para a administrativa, por exemplo, é uma briga, ele não quer devolver o notebook”, brinca. Mendes conta que, após a primeira etapa do programa, em que foram investidos R$ 73 milhões, será aberto novo registro de preço para compra de mais 20 mil laptops – dos quais, dez mil já estão com destino definido: os professores que ainda não receberam. Os outros dez mil vão atender novas demandas surgidas este ano.
Em Tocantins, o atual governo se empenha para recuperar um atraso. Retomou um programa concebido há quatro anos, que estava emperrado por problemas jurídicos. O governo anterior adquiriu 3.200 notebooks, mas não pagou. A dívida, de aproximadamente R$ 5 milhões, foi saldada agora e os equipamentos começaram a ser entregues para professores das escolas de melhor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O secretário estadual de Educação, Danilo de Melo Souza, informa que já foram reservados no orçamento cerca de R$ 20 milhões para compra de mais 9 mil máquinas.
Ao contreario, em Pernambuco, está em compasso de espera a continuação de uma das iniciativas pioneiras. Em 2009, cada um dos 26.600 professores da rede estadual de ensino recebeu uma doação (não era necessário devolver). O professor podia escolher o equipamento, entre 32 soluções oferecidas por 20 fornecedores. De lá para cá, de acordo com João Carlos Duarte, gerente geral de TI da Secretaria de Educação do estado, foram contratados cerca de 1.500 novos professores. Esses não têm equipamento. Segundo Duarte, está sendo feito um estudo dos impactos de uma segunda etapa do programa.
Financiamento
São Paulo amplia seu programa, iniciado em 2009. Só que os professores paulistas precisam comprar os computadores. Na primeira etapa, 43.706 notebooks foram vendidos, por R$ 1.700 a serem pagos em 24 parcelas fixas, sem juros, descontadas em folha de pagamento. “O preço era pouca coisa abaixo do mercado, mas achei que era uma boa oportunidade para repor o equipamento que eu tinha antes e havia sido roubado”, conta Ana Elisa Ártico, professora do curso técnico de Enfermagem da Etec Cel. Fernando Febeliano da Costa, unidade do Centro Paula Souza em Piracicaba (SP). A educadora (ver página 16) está satisfeita com a configuração do seu laptop: “Uso um HD externo, mas não acrescentei mais nada além do que veio no original. A máquina tem até aplicativos que não uso, pois são mais para os ensinos Fundamental e Médio, eu sou de curso técnico”.
Este ano, o governo paulista abriu nova rodada de financiamento, que vai beneficiar 233 mil servidores, sendo 220 mil da Secretaria de Educação e outros 13 mil do Paula Souza (professores e funcionários). Novidade da segunda etapa é a variedade de modelos: 19 opções, de sete fornecedores (Dell, HP, Intelbras, Itautec, Lenovo, Positivo, Semp Toshiba), com três tipos de configurações (básica, intermediária e superior). Os preços vão de R$ 1.299 a R$ 2.601,50.
O modelo de linha de crédito com juros subsidiados foi adotado também pelo Rio Grande do Sul, no final do ano passado, no programa Professor Digital. Daniel Pinto, coordenador da divisão de Tecnologia da Informação da Secretaria Estadual de Educação do estado, informa que foram vendidos 150 mil notebooks, não apenas para professores da rede estadual, mas também para prefeituras e até para outros estados, como Tocantins e Amazonas. Os cinco fornecedores não poderiam oferecer produtos acima de R$ 1.690, para pagamento em 36 parcelas fixas, sem juros.