ARede nº67 – Março de 2011
Nas suas intersecções (ou na sua intrínseca relação) com a política, a mesma internet que permite viralizar informações sigilosas de estado, articular protestos e revoluções guarda também uma oportunidade para os governos. Permite que a atividade da política se aproxime de um dos pilares da democracia – a publicidade dos atos de governo. A comunicação em espaços virtuais não tem limite de quantidade de informação nem de participantes, de forma que as construções simbólicas da política governamental – dados, relatórios, documentos, resoluções – passam a ser altamente impactadas pelas possibilidades do digital: ganha força o potencial de realizar tarefas governamentais em um espaço aberto à visualização e participação das pessoas.
Governos abertos são aqueles que, conceitualmente, reconhecem que em regimes democráticos o poder emana das pessoas e, portanto, pode e deve ser exercido por elas. Esses governos compreendem que, além da representação, o mundo contemporâneo traz novas possibilidades de ação coletiva, das quais os governos abertos devem se portar como entusiastas. Muitas vezes, esse entendimento se manifesta em políticas de abertura de dados e informações públicas, não apenas para visualização, mas para reutilização, cruzamento e manipulação por parte da sociedade.
Tornar-se um governo aberto é decisão política. O escopo técnico das implementações necessárias para abrir processos políticos ao escrutínio e à participação pública pode ser resolvido com boa dose de experimentalismo, contanto que haja vontade e ação política nessa direção. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama determinou, no seu primeiro memorando, que transparência, participação e colaboração seriam valores centrais do seu governo. O memorando se transformou em diretiva executiva com prazos e ações concretas em prol da abertura consolidadas no portal Data.Gov.
O governo do estado de São Paulo lançou o Governo Aberto SP, catálogo de dados públicos ainda em fase inicial. O portal foi criado em 2009 e regulamentado em março de 2010. Por causa da temperatura política do ano passado, não chegou a ser lançado, e apenas agora, no início do governo Geraldo Alckmin, foi resgatado como projeto da nova administração.
Do processo de conversa com a sociedade, anterior à assinatura do decreto, perderam-se sugestões feitas por desenvolvedores e ativistas – os mais interessados em usar dados do Governo Aberto SP. Ficou o trabalho extensivo de ativistas de dentro do governo, que brigam para ampliar a relevância dessa política; além de um importante canal de diálogo com a sociedade, a quem cabe demandar mais expressividade do projeto.
Dessas experiências, percebe-se que, apesar de sinalizarem abertura à sociedade, projetos de catálogos de dados não são suficientes para construir governos abertos. É necessário que exista vontade e ação política genuína em torno da ideia. E entender que, além dos dados, é preciso abrir processos políticos, estender os códigos de funcionamento do governo para o entendimento da sociedade, correspondendo a uma vocação verdadeira para a inovação na política. É essencial que exista mobilização e atenção da sociedade para trazer relevância e expressividade aos governos abertos – combinando convite para a participação com colaboração e ação social efetiva.
Daniela B. Silva
é diretora da Esfera – Dados Abertos e Hacks Políticos e participante da comunidade Transparência Hacker