
A responsabilidade social das empresas no mundo digital
Protagonista de iniciativas que valorizam o uso das tecnologias em favor da criança e do adolescente, Sérgio Mindlin acredita que a empresa privada tem liberdade para experimentar e oferecer soluções que podem ser multiplicadas em escala Patrícia Cornils
ARede nº75, novembro de 2011 – Como se estrutura o investimento social de uma empresa? Como a responsabilidade social está ligada à gestão dos negócios? Qual o papel das empresas na constituição de uma sociedade justa, desenvolvida, sustentável? Sérgio Mindlin passou os últimos doze anos – tanto como voluntário em fundações empresariais quanto como executivo remunerado – formulando perguntas como essas e buscando suas respostas. Ele é um dos protagonistas do movimento de responsabilidade social empresarial no Brasil. Em 1990, ano da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), participou da criação da Fundação Abrinq, formada por um grupo de empresas para mobilizar a sociedade em questões relacionadas aos direitos da infância e da adolescência.
Como diretor-presidente da Fundação Telefônica, de 1999 a junho de 2011, fez a fusão da inclusão social com a inclusão digital: criou o portal Pró-Menino, para dar apoio a organizações que lidam com a garantia desses direitos, por meio da disseminação da informação; e implantou no país o programa EducaRede, que fomenta o uso das novas tecnologias na educação.
A Fundação começou a operar no Brasil em março de 1999, um ano depois de ter sido criada no país de origem do Grupo Telefónica, a Espanha. Havia um objetivo preciso: gerenciar o investimento social da Telefônica no país. Por sua experiência como executivo e pela participação em organizações como o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), a Abrinq e o Instituto Ethos, Mindlin foi convidado para a presidência da fundação. “Depois de 22 anos em empresas e sete de trabalho voluntário em fundações, comecei a ser remunerado para trabalhar com responsabilidade social”, conta Mindlin.
Nessa época, a Fundação Telefônica já havia superado o patamar de doação de recursos – filantropia empresarial – e planejava usar as competências da Telefônica em seu negócio – a comunicação – para contribuir com o desenvolvimento social. Formado o conselho da fundação, decidiu-se, por influência de Mindlin, que o foco seria o público infanto-juvenil. “A ideia fazia sentido, para uma empresa que chegou no Brasil e recebeu muitas críticas, como rescaldo dos debates em torno da privatização. Uma maneira boa de mostrar que tinha vindo para realizar um investimento de longo prazo era contribuir para apoiar as crianças, o futuro do país”, recorda ele.
Logo de cara, a fundação procurou criar ideia de que o uso de tecnologias da informação e comunicação poderia fomentar e apoiar redes de atuação em defesa das crianças e adolescentes. “A aposta era de que, com o uso da tecnologia, organizações governamentais e não governamentais poderiam somar competências”, explica Mindlin. O portal Pró-Menino é focado na oferta de informação e possibilidade de interação entre organizações. Além disso, a fundação apoiou iniciativas para criar redes locais nas cidades. Mindlin esclarece: “Uma rede de organizações não é apenas uma rede tecnológica. Não basta haver um meio de comunicação, é preciso trabalho conjunto, diagnósticos e planejamento integrado, ao mesmo tempo em que se desenvolve a atuação em rede”.
Tanto no Pró-Menino, quanto no projeto EducaRede, a Fundação tratou de estimular o uso das plataformas de comunicação. No Pró-Menino, foi criado o concurso Causos do Eca, que premia histórias verídicas de como o ECA ajudou a transformar a vida de meninos e meninas, documentando aplicações práticas dos preceitos do estatuto. Passou de uma centena de histórias inscritas, no primeiro ano, para cerca de mil, no ano passado. É um exemplo de como o uso da tecnologia viabiliza e dá visibilidade a uma ação social. Todas as histórias são enviadas por e-mail ou postadas no portal Pró-Menino. Essa facilidade torna a participação mais ampla.
O EducaRede é um projeto da Fundação Telefônica para contribuir para a melhoria da educação pública por meio da internet. No Brasil, promoveu, entre outras ações, o projeto Minha Terra, no qual a comunidade escolar produz e troca conhecimentos sobre sua cidade e protagoniza melhorias nesse espaço. A partir dessa ação, Mindlin avalia o potencial da tecnologia.
Investimento consistente
Ao longo dos anos, a Telefônica manteve o investimento na fundação, mesmo quando houve retração de investimentos em seu negócio. Com isso, a Fundação Telefônica é reconhecida como uma organização que cuida do tema dos direitos das crianças e adolescentes. No Brasil, o papel de Mindlin foi assegurar qualidade e universalidade na atuação. Assim, não há exclusividade para clientes da Telefônica no uso das plataformas do EducaRede e do Pró-Menino. “Não há propaganda de produtos, nem usamos as ferramentas como canal de vendas. O acesso é livre e gratuito para quem desejar”, observa o gestor.
Outra medida importante foi garantir a consistência do investimento social. “Ainda há confusão entre filantropia, a doação pura e simples, e o investimento social, que é a aplicação de recursos para promover ação social. E que precisa ter estruturação, objetivos claros, sistemas de monitoramento e avaliação”, explica.
Para Mindlin, o investimento social privado não pode ter como objetivo resolver questões sociais: “A universalização de direitos é uma responsabilidade governamental. Mas podemos explorar alternativas, trazer novas soluções, fazer experiências, errar. A empresa privada tem a liberdade de experimentar e oferecer soluções que podem ser multiplicadas em escala”. Isso é relevante porque algumas empresas, principalmente as grandes, têm como primeira iniciativa “acabar com o analfabetismo, resolver o problema do trabalho infantil”. Mindlin alerta: “Podemos contribuir, mas não podemos resolver. Investimento social tem que ter começo, meio, fim – tem que ter um caminho de saída”.
Filho do bibliófilo José Mindlin, criador da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, um dos maiores acervos privados de livros do Brasil, doado para a Biblioteca Brasiliana, da Universidade de São Paulo, Sérgio Mindlin cresceu em uma família que colocou a cultura entre seus principais valores. Em função disso, estudou muito. Mas, na Fundação Telefônica, continuou a aprender: “Para mim, foi um período de realização e de aprendizado. De como mobilizar as pessoas, negociar com diferentes setores da empresa. Agora, posso usar essa experiência para ajudar outras organizações”, avalia.
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