Conexão Social

O povo quer saber

órgãos públicos devem divulgar informações. Mas a sociedade 
precisa pressionar por uma cultura de transparência. Patrícia Cornils

ARede nº76 dezembro de 2011 – Todos os órgãos públicos do Brasil serão obrigados a divulgar, proativamente, informações de interesse da sociedade e a responder os pedidos de informação que foram feitos pelos cidadãos. Sancionada pela presidente Dilma Roussef, dia 18 de novembro, a Lei de Acesso às Informações Públicas, que estabelece essa regulamentação, é mais do que uma medida de caráter legal. É uma garantia do direito, previsto na Constituição Federal, de qualquer brasileiro se informar sobre assuntos que lhe dizem respeito diretamente, como educação, saúde, transporte, orçamentos, projetos de lei, ações e programas de governo, debate e execução de políticas públicas. Os órgãos terão até maio de 2012 para se adaptar às novas regras.
No mesmo dia, foi sancionada outra lei, a que cria a Comissão da Verdade, para investigar, no período máximo de dois anos, as violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. De acordo com a presidente Dilma, essas leis “consolidam a democracia e tornam o Estado brasileiro mais transparente, garantindo o acesso à informação, o direito à memória e à verdade, e o pleno exercício da cidadania. Colocam o Brasil em um patamar de subordinação do Estado aos direitos humanos. O cidadão ganha mais poder de controle e fiscalização”.

Porém, uma assinatura presidencial não basta para tornar o país transparente. Tanto o cumprimento da lei quanto os benefícios decorrentes do acesso às informações públicas vão depender de fatores complementares. O primeiro é a pressão da sociedade, que precisará estar vigilante e cobrar seu direito. Hoje, muitas pessoas ainda não  têm a consciência de que as informações públicas pertencem ao povo e o governo é um administrador dessas informações. “Precisamos nos apropriar das informações”, escreveu o jornalista Fabiano Angélico em seu blog, Notas Soltas, no dia da sanção das duas leis (ver página 30). “Chegar às informações é um grande passo. Mas precisamos remixar, cruzar, juntar. Enfim, dar sentido às informações. Para produzir conhecimentos que possam garantir um debate político mais rico e um Estado mais eficaz. Para garantir um Estado que promova os Direitos Humanos e que seja livre de corrupção. [Isso] é trabalho para uma geração.”

Também da parte do governo serão necessárias iniciativas administrativas concretas, que ajudem a máquina pública a incorporar a cultura de registro, organização e divulgação de dados. Além disso, a própria lei já vem com limitações. De acordo com a organização não-governamental (ONG) Artigo 19, a mais grave é que não foi previsto um órgão independente responsável por avaliar e encaminhar os recursos em casos obstruções ao acesso à informação.

Em vários países, organizações da sociedade civil criaram, na internet, plataformas para facilitar os pedidos e também para que as informações fornecidas pelos órgãos públicos sejam publicadas e fiquem à disposição de todos. É o caso do Acceso Inteligente (www.accesointeligente.org), no Chile. A lei chilena se chama Lei de Acceso a la Información e foi promulgada em 2008. O Acceso Inteligente foi criado em março de 2011, pela Fundação Cidadão Inteligente, para facilitar os pedidos de acesso, que eram feitos, até então, a cada órgão de governo, separadamente.

Antes de lançar a plataforma, a fundação solicitou ao governo federal chileno uma API com os contatos dos responsáveis pelo acesso à informação em cada órgão. O pedido foi negado. “Fizemos mesmo assim e lançamos o portal”, explica Juan José Soto, da Fundação Cidadão Inteligente. No primeiro dia, foram registrados mais de mil pedidos de acesso à informação. Até outubro, foram cerca de cinco mil, principalmente pedidos de certidões, papéis, informações sobre serviços de governo. “As organizações da sociedade civil têm grande responsabilidade no desenvolvimento de ferramentas e de aplicativos relacionados ao acesso à informação pública. Para fazer os cidadãos perceberem a utilidade dos dados de governo e, por sua vez, pressionarem pela publicação desses dados”, diz Soto.

No Brasil, ativistas da Comunidade Transparência Hacker e da Open Knowledge Foundation lançaram, dia 21 de novembro, o portal Queremos saber (www.queremossaber.org.br) para receber, encaminhar, acompanhar e publicar as respostas aos pedidos de cidadãos aos órgãos públicos. O Queremos Saber é baseado em uma iniciativa similar do Reino Unido, chamada What do they know? (O que eles sabem? – www.whatdotheyknow.com), desenvolvida pela ONG britânica MySociety. A plataforma faz exatamente isso: organiza e coloca à disposição, em seu banco de dados na internet, as informações dos órgãos do governo que devem ser públicas e sistematizadas. Assim como o What do they know, o Queremos saber é baseado em um software livre chamado Alaveteli, desenvolvido pela MySociety. Esse programa pode ser facilmente traduzido para qualquer língua e adaptado para funcionar de acordo com a lei de acesso à informação de cada país.

Por que lançar um portal antes mesmo de a Lei de Acesso à Informação entrar em vigor? Porque a lei só regulamenta um direito constitucional, explica Pedro Markun, integrante da comunidade Transparência Hacker. “Então não precisamos da lei em vigor pra lançar o site. É meio absurdo imaginar o poder público se negando a dar informação sob alegação de que a lei ainda não está valendo”, acredita ele. E acrescenta mais um motivo: “Essa lei vai trazer um desafio enorme para a cultura tanto do funcionalismo público e do poder público quanto para a forma pela qual o cidadão precisa passar a entender o que é informação pública e para que serve ou pode servir”.

Com isso, Markun quer dizer que o Queremos saber contribui para construir essa cultura de uma maneira, em si mesma transparente, e aberta. É mantido por uma comunidade, publica todos os pedidos de informação, os processos que originam e as próprias informações que resultam disso. Um exemplo: dia 11 de novembro, Everton Zanella Alvarenga pediu à ouvidoria da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo o número médio de atendimentos por mês na Unidade Básica de Saúde Nossa Senhora do Brasil, em São Paulo, quantos profissionais (especificando a área) estão disponíveis para o atendimento e quanto tempo estão disponíveis, cada um, por mês. A Secretaria de Saúde respondeu, pelo site, que para encaminhar a solicitação necessitaria do nome, endereço completo (rua, número, CEP, bairro) ou telefone para contato.

Pela lei de acesso brasileira, o requerente precisa se identificar, mas não fornecer todos os seus dados. Na Inglaterra, onde a lei pede um endereço, considera-se que um e-mail já é válido. Nos EUA, ao receber como resposta a um pedido de informação a exigência de identificação, um cidadão simplesmente disse: “vocês já sabem suficiente sobre mim para me mandar os dados” e conseguiu a resposta que havia pedido. Esse debate, realizado em conjunto pelos países que usam o Alaveteli, permite a troca de experiências e o exercício de estabelecer limites, de impedir que os órgãos públicos usem subterfúgios para adiar as respostas ou não fornecer informação. Isso será feito, a partir de agora, a cada pedido. E pode ser feito colaborativamente.

Para a lei se tornar realidade
No blog Notas Soltas, o jornalista Fabiano Angélico avalia os esforços necessários:

Tarefas da administração pública
Montar um sistema de acesso a informações, com especificações sobre quem deve receber o pedido de informação e quem deve decidir se a informação será entregue.
Melhorar o gerenciamento de informações. É preciso registrar as informações e organizá-las. Para que saibamos quem detém as informações. Enorme desafio, principalmente para estados e municípios.
Eliminar a cultura do segredo. A melhor forma de fazer isso é aplicar a lei, com as sanções devidas aos servidores públicos que se negarem a entregar informações solicitadas.

Tarefas da sociedade civil
Monitorar o cumprimento da lei, realizando estudos e pesquisas para medir a quantidade de respostas a pedidos de informação,
Conscientizar a respeito da lei e de sua importância. Fazer campanhas, contar histórias de sucesso.
Ajudar os governos a montar os melhores sistemas de acesso, tanto no que diz respeito à transparência passiva (sistemas para receber solicitações) como à transparência ativa (publicação de dados e informações).