conexão social

Agora, nós somos vistos!

Com a inauguração da Praça do Conhecimento, ao lado do cinema, a comunidade carioca de Nova Brasília recupera a autoestima.
Lia Ribeiro Dias

ARede nº 78 – março de 2012

Até novembro de 2010, a pracinha na entrada de Nova Brasília, uma das treze favelas que integram o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, era ponto de concentração do tráfico e depósito de lixo, com uma enorme vala por onde corria esgoto a céu aberto. De praça mesmo, só um sugestivo nome: Praça do Terço.

Hoje, são seis mil metros quadrados de espaço urbanizado, onde crianças e adolescentes se encontram para brincar, conversar, namorar, ir ao cinema, praticar esportes, assistir a shows,
acessar a internet, participar de oficinas de cultura digital e, a partir de março, fazer cursos profissionalizantes na área da Tecnologia da Informação. Os canteiros estão sendo formados e o espaço, com muito cimento, começa a ganhar algum verde. Agora, só falta construir a creche, na área hoje ocupada por um estacionamento.

Para os 35 mil moradores de Nova Brasília, o cenário de violência e abandono pelo poder público começou a mudar em 2010, ano que registrou dois marcos importantes: em novembro,
militares do Exército e policiais militares e civis ocuparam esta e outras comunidades do Alemão, expulsando o tráfico. Em dezembro, foi inaugurado o cinema, com uma programação semelhante à das boas salas da Zona Sul do Rio de Janeiro e projeção em 3D. A diferença: o preço subsidiado do ingresso, de R$ 4.

Exatamente um ano depois, às vésperas do Natal de 2011, foi aberta ao público a Praça do Conhecimento. Dentro do edifício de dois pavimentos, uma área com computadores para acesso livre à internet, auditório e salas para oficinas e aulas. Do lado de fora, um palco para shows. No reveillon, quatro mil pessoas se reuniram para festejar a passagem do ano, com direito a queima de fogos de 16 minutos, conta, orgulhoso, Alcides de Almeida, o Cidinho, presidente da Associação de Moradores de Nova Brasília.

“Agora, somos percebidos”, comenta Arlene Brito Martins, 28 anos, estudante de Administração e chefe da área administrativa da Praça do Conhecimento, referindo-se aos recentes investimentos públicos na comunidade. Nascida e criada no Alemão, moradora de Nova Brasília, Arlene diz que a urbanização melhorou a qualidade de vida, criou um espaço de convivência que a favela não tinha, especialmente para o encontro dos jovens, e elevou a autoestima.

Urbanização das favelas
A Praça do Conhecimento não é um projeto isolado. Foi concebida pela equipe da Secretaria da Habitação do município do Rio de Janeiro como parte do processo de intervenção urbana nas favelas inseridas no Plano Municipal de Integração de Assentamentos Precários e Informais – Morar Carioca. Pelo levantamento realizado pelo Instituto Pereira Passos, o Rio tem 481 favelas isoladas e 144 complexos, um total de 625 unidades, das quais, no início de 2010, 54 estavam urbanizadas. A meta do Morar Carioca é atuar nos 571 assentamentos restantes (vários já foram urbanizados), beneficiando cerca de 240 mil domicílios até 2020, com um investimento estimado em R$ 8 bilhões.

De acordo com o secretário da Habitação, Jorge Bittar, na primeira fase do Morar Carioca (2010-2012) serão gastos R$ 2,1 bilhões (R$ 700 milhões do governo federal dentro do PAC, R$ 500 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento, e o restante, da prefeitura), para urbanizar 72.512 domicílios, em 54 comunidades, além da construção de 37 mil unidades habitacionais do programa federal Minha Casa, Minha Vida, entre outros equipamentos urbanos como creches, postos de saúde e, agora, as Praças do Conhecimento.

A Nova Brasília é uma das unidades urbanizadas. Todos os 5.817 domicílios foram conectados à rede de esgoto, foi feita a captação da água pluvial, foram abertas algumas ruas para permitir a coleta do lixo e está sendo realizada a contenção em áreas de risco.
“Uma das questões mais delicadas da intervenção urbana é quando há necessidade de deslocar pessoas que vivem em áreas de risco ou em locais que precisam de espaço livre para circulação de pessoas e de serviços urbanos”, conta Bittar que, em Nova Brasília, foi obrigado a remover 220 famílias que viviam ao lado da Praça do Terço, na área em que foram construídos o cinema e a Praça do Conhecimento. Um pouco antes de se chegar à entrada de Nova Brasília, outras casas tiveram de ser removidas pois ocuparam uma rua. São três os caminhos para realocar essas famílias: unidades dos programas habitacionais populares, compra pela prefeitura de uma casa escolhida pela família desalojada de valor equivalente ao imóvel desapropriado ou o aluguel social, até encontrar uma solução definitiva.

Na urbanização de Nova Brasília serão gastos R$ 46 milhões, incluindo toda a infraestrutura urbana (água, esgoto, iluminação e coleta de lixo) e a construção do cinema, da quadra de esportes, da Praça do Conhecimento e da creche (ainda não iniciada). A pedido dos moradores, a Secretaria da Habitação construiu, em um terreno no canto da praça, um depósito murado para as famílias depositarem o lixo. “Agora, todo mundo cuida”, informa Cidinho, chamando atenção para a limpeza da área da praça, que todas as tardes é invadida por bandos de adolescentes e crianças.

Bittar lembra que não basta urbanizar as comunidades instaladas de forma precária. “É preciso ampliar o diálogo com os habitantes, instalar equipamentos sociais e estabelecer a presença do poder público por meio de serviços regulares, como a coleta de lixo”, comenta. Por isso, o Morar Carioca inclui três subprogramas. Um é de legislação urbanística, com a definição de regras mínimas, com a participação dos moradores, para melhorar a forma de ocupação das áreas faveladas. Para fiscalizar o cumprimento dessas normas, foram criados postos de orientação urbanística e social, ligados à Secretaria do Urbanismo. O segundo subprograma envolve o sistema de monitoramento e controle dessas comunidades, com a delimitação das áreas dos assentamentos, dos limites de cada comunidade e vigilância permanente. As secretarias envolvidas são as de Habitação, Urbanismo e Ordem Pública. “Todas essas ações precisam ser pactuadas com a comunidade, por meio de suas associações e representantes”, esclarece Bittar. O terceiro programa é o de conservação e limpeza pública.

estímulo ao protagonismo
Os equipamentos sociais para a prática de esporte e para atividades de cultura e lazer são obrigatórios em projetos de urbanização e requalificação da qualidade de vida das comunidades. Mas, por que não aliar a essas atividades às envolvidas com a cultura digital, que é a cultura que transita nas redes, que estimula o protagonismo e o compartilhamento de informações e criações? Foi essa a pergunta que o secretário Jorge Bittar, engenheiro eletrônico e político sempre envolvido com as questões relacionadas às comunicações, colocou para a sua equipe durante o desenvolvimento do projeto de Nova Brasília. Desse desafio, surgiu a Praça do Conhecimento.

As atividades regulares estavam programadas para começar no início deste mês, mas durante janeiro e fevereiro a Praça esteve aberta para oficinas de férias e navegação na internet. No início de fevereiro, já eram 600 os inscritos para as oficinas de fotografia, web design, vídeo, computação gráfica, design gráfico e áudio para mídia digital, com aulas duas vezes por semana ao longo de quatro meses e meio. Dos inscritos, 150 escolheram os cursos de Tecnologia da Informação, voltados para jovens acima dos 14 anos, com aulas diárias e certificação. A duração depende do tipo do curso e a grade engloba desde montagem de microcomputador até gestão de rede de computadores. Parceira no projeto, a Cisco fornece a metodologia.

A Secretaria de Habitação, que como o próprio nome diz é uma secretaria encarregada de tocar obras e não de gerir equipamentos sociais, firmou um convênio com a Secretaria da Cultura para administrar os equipamentos culturais da Praça do Conhecimento. O cinema está vinculado à Rio Filmes, que fez uma licitação para sua administração, vencida pela Cinemagic. Uma segunda licitação, para promover atividades de cultura digital, escolheu a organização social Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip), com experiência nas áreas de educação, arte e tecnologia. O contrato firmado com a Cecip, iniciado em janeiro, terá duração de dois anos.

Equipada com 16 estações fixas de computação e 30 computadores móveis, sala de edição de vídeo e áudio, videoteca e audiobooks, a Praça do Conhecimento exibe infraestrutura tecnológica de primeira linha. “Nosso objetivo aqui é integrar aprendizagem com cultura, arte e inclusão”, assegura Dinah Protasio Frontté, diretora administrativo-financeira da Cecip. Para montar a equipe da Praça do Conhecimento, que terá 50 integrantes, entre monitores, professores e pessoal de apoio, Dinah diz que foi dada prioridade aos moradores de Nova Brasília e comunidades próximas, com inscrições abertas na internet.

Arlene, a gerente administrativa, foi selecionada dessa maneira. Ana Maria também passou pela seleção e agora integra o time de monitores, na área de design gráfico, com salário de R$ 1.405. Aos 22 anos, ela cursa o primeiro semestre de Comunicação Visual no Senai. Mas foi aluna do projeto Oi Kabum, também gerido pelo Cecip, onde aprendeu design gráfico. “Agora mudei de papel. Minha missão aqui é ensinar, passar a minha experiência para eles”, comenta.

As atividades da Praça do Conhecimento estão garantidas por recursos orçamentários de R$ 8 milhões para dois anos, sendo R$ 4 milhões ao ano. Bittar não vê risco de descontinuidade, em uma eventual mudança de comando na prefeitura nas próximas eleições municipais: “Quando a comunidade se apropria dos bens sociais, é muito difícil o administrador desmontar o projeto”.

Se depender do trabalho e da combatividade de Cidinho, o presidente da associação de moradores, Nova Brasília vai preparar seus jovens para o futuro e fazer jus ao seu nome. No início da ocupação, a favela se chamava Buraco do Sapo. Com a inauguração da capital federal, foi rebatizada em homenagem a Brasília. Cidinho, técnico em manutenção da Cedae, a companhia estadual de água e esgoto, tem certeza de que a Praça do Conhecimento vai ser um marco para a comunidade, da mesma forma que o cinema: “Temos a maior média de ocupação de sala de cinema do país, de 52%, e vem gente de bairros vizinhos para assistir filmes aqui. Outro dia, chegaram três peruas, gente da Tijuca, do Meyer, de D. Castilho”.

De acordo com Bittar e com a equipe do Cecip, a Praça do Conhecimento de Nova Brasília, em termos pedagógicos, vai funcionar como laboratório para a definição das oficinas, cursos e atividades de mobilização da comunidade das demais unidades a serem construídas. Já começaram as obras da Praça do Conhecimento da comunidade de Costa Barros; as unidades da Colônia Juliano Moreira, do complexo do Turano, no Rio Comprido, e da Mangueira estão em fase de licitação. E a da Rocinha, ainda em projeto.

A logomarca da Praça do Conhecimento foi desenhada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, a pedido de Bittar. O projeto da unidade de Nova Brasília é da equipe da Secretaria da Habitação, mas a que vai ser construída na Colônia Juliano Moreira terá projeto do escritório de Niemeyer. “Não terá o mesmo desenho arquitetônico. Tudo depende do local e terreno. Mas o projeto pedagógico-criativo será o mesmo”, explica Bittar.

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