O que rola nas telas

A interatividade ganha fôlego com a TV digital. 
E já tem muita coisa boa sendo preparada.


ARede nº 77 janeiro de 2012 Se já podemos ver a novela em um aparelho digital, se temos tecnologia livre para desenvolver aplicativos interativos, se temos talento criativo de sobra e se já realizamos experiências de interatividade bem sucedidas, tanto em ambientes acadêmicos quanto no setor privado, por que ainda não existe qualquer iniciativa – pública ou comercial – de programação interativa na TV brasileira? O que é preciso para podermos nos beneficiar de serviços de educação, saúde, urbanismo e opções culturais diversificadas, sem sair da sala da nossa casa?

O problema, na opinião de um dos maiores estudiosos do assunto no Brasil, Guido Lemos, da Universidade Federal da Paraíba, é a base de recepção. Apesar de já existirem mais de cem modelos de televisores com o Ginga embarcado, foram vendidos apenas 3 milhões com interatividade. “É pouco. Precisamos gerar a demanda. Se apenas um radiodifusor colocar as aplicações para rodar, as pessoas vão ver o que é isso, quais os ganhos, vão aprender a usar as ferramentas. Aí os que não têm aparelho digital também vão querer e assim a coisa vai crescer. Temos de aproveitar para disseminar a interatividade nos próximos eventos esportivos, quando haverá uma grande movimentação de troca de aparelhos de TV”, avalia o professor, que integrou a equipe desenvolvedora do Ginga.

Na prática, o que vem acontecendo é um jogo de empurra. Como o consumidor não demanda, os fabricantes de aparelhos desprezam a interatividade. Como não há aparelhos interativos no mercado, os radiodifusores não se interessam em buscar conteúdos digitais. Os produtores desses conteúdos, sem mercado, não se animam a aprimorar a produção e vencer os desafios tecnológicos ainda necessários para gerar produtos comerciais.

Agora, parece que esse impasse está com os dias contados. Depois de se mostrar omisso em relação ao fomento do Ginga, o governo decidiu obrigar os fabricantes a embarcar o middleware 
nos televisores fabricados no Brasil. Só assim eles vão receber o certificado do Processo Produtivo Básico (PPB) realizado no país e que abre a porta para os incentivos fiscais.

Essa obrigatoriedade é saudada por Lemos, que também chama atenção para a força de órgãos e empresas públicas, que têm grande poder de compra e podem estimular as demandas. “Por exemplo, uma pessoa que está doente fica muito tempo diante da TV. Essa pessoa vai ter interesse em receber conteúdos interativos ligados a serviços de saúde ou mais opções de entretenimento”, exemplifica. Aí, diz ele, entra a TV pública, que exerce um papel estratégico como principal canal para esse tipo de transmissão – em especial, para garantir lugar para os pequenos produtores.

Alerta de monopólio
Todo cuidado é pouco para evitar um monopólio, neste início de processo, quando ainda não há dispositivos legais de proteção ao conteúdo nacional independente na TV digital, embora seu espaço já esteja garantido na TV paga. Já há preocupação, por parte de muitos analistas, pois no momento só há uma empresa – e estrangeira – fazendo com sucesso a implementação do Ginga. “Se eclodir uma guerra santa, com grandes indústrias dominando a tecnologia enquanto a grande maioria dos pequenos produtores e desenvolvedores locais, de onde emerge a cultura nacional, não consegue canais para mostrar sua produção, ficará tudo na mesma. Perderemos uma grande chance de avançar em direção a uma transformação real”, alerta Luiz Fernando Soares, da PUC-RJ.

Uma luz no fim do túnel desponta, na Paraíba. A empresa MOPA, que desenvolveu outro mid-
dleware com o Ginga, concluiu a implantação comercial do produto com um grande fornecedor de televisores, que deve lançar os produtos no mercado em fevereiro. “A gente prefere não ter Ginga do que ter Ginga com monopólio”, diz Guido Lemos.

Quem já começou
Empresas públicas como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal (CEF), e a emissora pública de TV, a Empresa Brasil de Comunicação, já fizeram ou estão fazendo testes com aplicativos interativos, com base no middleware Ginga. Uma experiência de sucesso foi a premiada TV Digital Social, criada pela Dataprev. A plataforma de serviços da previdência permite localizar agências por meio do CEP e receber informações de consultas via SMS. “A solução rodou perfeitamente em várias interfaces distintas. O próximo passo é a comercialização”, conta Érico Ferreira, gerente da Unidade de Desenvolvimento de Software Livre. Ele informa que a ideia é capacitar telecentristas para desenvolver conteúdos para a plataforma.

A HxD começou desenvolvendo aplicativos em cima do Ginga. Foi responsável pela primeira mídia comercial com interatividade, feita para a CEF, em 2007. No ano passado, entre outras parcerias, criou um aplicativo para telejornal, a TV Integração, que vai entrar no ar este ano, na emissora afiliada da Globo em Minas Gerais. Também desenvolveu, para a TV Bandeirantes, um aplicativo que complementa as informações dos telejornais. “Atualmente ampliamos nosso escopo e trabalhamos com qualquer plataforma que permite uso de software”, conta Salustiano Fagundes, um dos donos da HxD. Para o amadurecimento do setor, como uma atividade econômica representativa, ele aponta três gargalos: falta produção de conteúdo, não há um modelo de negócios para as empresas privadas, e não há articulação dos órgãos de governo para implantar as medidas necessárias.

Outro setor que tem muito a ganhar é o mercado de games. O presidente da Associação Brasileira de Games (Abragames), Fred Vasconcelos, informa que é a terceira maior indústria do mundo, abaixo apenas das indústrias bélica e automobilística. Porém, lembra que o setor é formado por empresas pequenas, altamente vulneráveis – apenas 10% têm faturamento acima de R$ 2 milhões. Daí a necessidade de se definir políticas democráticas, focadas em arranjos produtivos locais (APLs).

Como exemplo da contribuição dos APLs para as economias regionais, Vasconcelos cita a empresa Jynx, da qual é sócio, que surgiu dentro do projeto de economia criativa Porto Digital, em Pernambuco. A Jynx já gerou as empresas Meantime, de mobilidade, e Manifesto, de jogos casuais. O grupo produz jogos educacionais para a Secretaria de Educação de Pernambuco, em uma estratégia de diminuir a evasão escolar e melhorar os índices de desempenho dos alunos da rede. Vale lembrar ainda que o Produto Interno Bruto de Pernambuco em Tecnologia da Informação aumentou, nos últimos dez anos, de 0,03% para 3,7%, em grande parte devido às pequenas e médias empresas. (A.L.)

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