Tela em quadrinhos
A internet abre espaço para artistas divulgarem seus trabalhos e estimula novos autores
Patrícia Benvenuti
ARede nº 87 – dezembro de 2012
TALENTOS na produção de Histórias em Quadrinhos (HQ) não faltam ao Brasil. Desde os primeiros cartuns e charges publicados em jornais nos anos 1830, a diversidade de traços, estilos e temas se multiplica a cada dia. O que não cresceu na mesma proporção foi o espaço para que esses artistas divulgassem seus trabalhos. Ainda bem que existe a internet! Esse é o canal que diversos quadrinistas estão utilizando para apresentar e divulgar suas obras, trocar impressões com o público, abrir caminho para publicações impressas.
Foi o que fez o carioca Carlos Ruas. Apaixonado por desenho desde a infância, em 2003 ele decidiu se tornar um profissional da HQ. Começou pelo método até então tradicional: colocou alguns quadrinhos embaixo do braço e foi bater na porta de jornais em busca de oportunidade. Depois de várias negativas, não se deu por vencido: resolveu postar as imagens na internet. Criou o blog Um Sábado Qualquer, onde aborda, com humor, questões religiosas. A ideia deu certo e estourou: em dois meses, chegou à marca de dois mil acessos diários. “A internet salva a nossa vida”, brinca Ruas. “Qualquer leigo pode fazer um blog e divulgar seu trabalho para o mundo”, completa o artista, que exibe hoje uma contabilidade de 40 mil acessos por dia.
Pela abrangência, a web passou a atrair também artistas que estavam no mundo do papel. O publicitário Fábio Coala tinha apenas 15 anos, em 1993, quando fez suas primeiras tirinhas para um jornal do litoral sul paulista. Em 2008, parou de colaborar com o veículo impresso, mas não queria deixar de desenhar e, muito menos, de publicar. A solução foi, também, a rede. Rápida aceitação dos internautas e vários elogios incentivaram o artista a seguir no meio virtual. “É mais rápida e ampla a divulgação do trabalho, além da interação com o público”, diz ele.
A possibilidade de alcance é o que mais anima Ricardo Tokumoto, o Ryot, outro quadrinista conquistado pela internet. Depois de publicar suas tirinhas em um fanzine durante um ano, em 2008 ele passou a colocá-las em seu blog pessoal, que na época só tinha textos. Com o tempo, foi obtendo fãs e reconhecimento. Seu blog tem hoje cerca de 3 mil acessos diários. Para Tokumoto, a web cumpre hoje um papel que já foi dos fanzines, o de contribuir para a divulgação de novos artistas. “Mas com uma imensa vantagem: seu alcance fica ilimitado”, pontua.
A ferramenta digital não só facilita, mas estimula. O jornalista Andrício de Souza nunca havia pensado em ser quadrinista. Até que um dia, em 2010, teve uma ideia para uma tirinha e resolveu publicar na internet. Depois, fez a segunda, a terceira… E não parou mais. “Hoje tenho mais de 215 [tiras], é uma coisa que eu gosto muito de fazer”, conta. Desde então, sua rotina é sempre a mesma: faz os desenhos no papel, digitaliza, corrigindo eventuais distorções na imagem, e publica em seu blog, que recebe 300 visitas diárias. “Não é exagero falar que meu trabalho como cartunista não existiria se não fosse a internet”, garante Souza.
Ferramentas
Gratuitos e de fácil manuseio, os blogs são os canais mais utilizados para reunir os conteúdos. A divulgação fica por conta principalmente de redes sociais. Além dos trabalhos dos próprios artistas, existem páginas que agregam obras de diferentes autores. Um espaço famoso é o Depósito de Tirinhas, no Facebook, com 824 mil seguidores.
E, se a criatividade é vital para originar as histórias, também garante a sustentabilidade dos blogs. Carlos Ruas, por exemplo, comercializa produtos criados a partir de suas personagens, como ursos de pelúcia e agendas. Além disso, tem anúncios e o patrocínio de um portal. “Se você gosta de fazer [os quadrinhos] e for uma coisa bacana, o dinheiro acaba sendo consequência. E se não der dinheiro, pelo menos é um hobby”, destaca ele, que lembra da importância da atualização diária para manter os leitores.
A maior parte dos quadrinistas da internet, porém, ainda não consegue viver exclusivamente da atividade. O desafio não é diferente de outras áreas, onde os trabalhos vêm sendo oferecidos sem custo para o público. Mas os artistas são otimistas e acreditam que, no futuro, surgirão formas de financiamento. Para Fábio Coala, ainda há muitos públicos para se conquistar e o mercado de quadrinhos online tem tudo para crescer. “A grande maioria que curte quadrinhos não procura na internet, nem sabe que existe coisa muito boa e gratuita. As novas gerações devem mudar um pouco isso”, prevê.
Acervo
Não são só os quadrinhos mais recentes que estão na web. Graças ao empenho de fãs e colecionadores, é possível encontrar diversos blogs com coleções antigas de gibis. Como o Quadrinhos Antigos, que recebe 2 mil visitas diárias. Seu criador, que prefere manter o anonimato, começou a digitalizar sua coleção de HQs antigas em 2009, para preservá-la dos desgastes do tempo. A partir daí, teve a ideia do blog. Aos poucos, a proposta cativou colaboradores, que passaram a enviar suas revistas antigas para serem compartilhadas.
“Esse trabalho feito pelos fãs é importantíssimo porque muitas editoras não mantinham em arquivo as cópias das edições lançadas, incluindo também as editoras que já desapareceram”, explica ele, que ressalta não postar quadrinhos publicados recentemente ou em circulação. Atualmente, o blog reúne cerca de 800 arquivos digitalizados e exibe raridades, como os primeiros números do Pato Donald e do Zé Carioca, impressos na década de 1950.
Para quem se aventura no inglês, há opções de acervos digitais estrangeiros na internet, como o Digital Comic Museum, que hospeda quadrinhos que caíram em domínio público nos Estados Unidos, Canadá e Austrália. Ou ainda o site da editora Marvel, que oferece gratuitamente 268 títulos online.
www.andriciodesouza.com
www.umsabadoqualquer.com
www.mentirinhas.com.br
www.facebook.com/depositodetirinhas
http://digitalcomicmuseum.com
http://marvel.com/digital_comics/list?isFree=1
http://ryotiras.com