Acessibilidade em marcha lenta
Principal programa federal completa um ano sem ações efetivas de inclusão digital de pessoas com deficiências e demais iniciativas avançam muito pouco
Rafael Bravo Bucco
ARede nº 87 – dezembro de 2012
O PLANO Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver Sem Limite acaba de fazer aniversário. Lançado pela presidente Dilma Rousseff em 17 de novembro de 2011, prevê recursos de R$ 7,6 bilhões para iniciativas que beneficiem as pessoas com deficiências de todo tipo – física, visual, auditiva, intelectual e múltipla. Ficou a cargo da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD) mobilizar 15 ministérios e diversos outros órgãos do governo para atingir os objetivos divididos em quatro eixos: acesso a educação, inclusão social, acessibilidade, atenção à saúde. Em um ano, a SNPD orgulha-se ter conseguido preencher 20 mil vagas do ensino técnico (Pronatec) reservadas a pessoas com deficiência. Também distribuiu 678 ônibus escolares acessíveis a escolas de todo o país. E enviou recursos a 55 das 59 universidades federais para financiar obras de adaptação, entre outras ações.
No Plano não há, no entanto, menção a iniciativas de inclusão digital das pessoas com deficiência, embora dois eixos se aproximem disso – o de educação e o de acessibilidade. No caso do primeiro, o Ministério da Educação (MEC) recebeu a missão de distribuir kits para as Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs), ambientes escolares equipados para atender alunos de educação especial dos ensinos básico e superior. Até o final de 2012, promete o ministério, serão distribuídos kits a 13,5 mil salas, e os equipamentos de 15 mil serão atualizados. Até 2014, mais 4 mil serão adquiridos e outras 15 mil salas, atualizadas. As SRMs têm dois computadores, mouse com entrada para acionador de pressão, acionador de pressão, teclado colmeia, lupa eletrônica e notebook, scanner com voz, mouse estático de esfera, impressora Braille, calculadora sonora, além de mobiliário adaptado e recursos analógicos.
Nos computadores, além do sistema operacional Windows, rodam os programas DosVox, para pessoas com deficiência visual; o Dspeech, conversor de textos em arquivos de som; Eugênio, preditor de palavras; Falador, leitor de textos digitais; HeadMouse, simulador de mouse por controle de cabeça; Jaws, leitor de telas, em versão de demonstração; Magic, ampliador de telas; MicroFenix e Plaphoons, para comunicação alternativa; Rata Plaphoons, simulador de mouse; e Teclat, simulador de teclado.
Para Marco Antonio Queiroz, o MAQ, criador do site Bengala Legal, não há grande vantagem em dispor de tantos recursos, se ficam em locais apartados das salas de aula comuns, reforçando a segregação dos alunos com deficiência dos demais. “O ideal seria que as pessoas comuns escolhessem uma disciplina para aprender, como Braille, Libras, alguma coisa para entrar em contato com as pessoas com deficiência. Iria quebrar muitos preconceitos e incentivar a inclusão das pessoas com deficiência”, defende.
No eixo acessibilidade, o Viver Sem Limite prevê a criação de linhas de crédito e subvenção, que devem totalizar R$ 150 milhões até 2014, para financiamento de pesquisa e produção de tecnologias assistivas. Serão R$ 90 milhões em crédito e R$ 60 milhões em subvenção. Não existe cota de limitação para desenvolvimentos baseados em tecnologias da comunicação e da informação (como criação de softwares e dispositivos telefônicos ou de informática). Quem cuida da distribuição dos recursos é o Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Este ano, foram subvencionados oito projetos (três usam TICs), os quais receberam, em conjunto, cerca de R$ 13 milhões. Em 2013, a previsão é de que serão R$ 25 milhões em subvenção. Além disso, para incentivar e orientar pesquisas na área, uma lei criou o Centro Nacional de Referência em Tecnologia Assistiva (CNRTA), que vem sendo implantado desde março em Campinas, interior de São Paulo, e deve funcionar como nó principal em uma rede nacional de pesquisa.
Telecentros
O Viver Sem Limite também não contempla políticas de incentivos à adaptação de telecentros. O pouco que existe vem de iniciativas isoladas, como a do Instituto Efort, na cidade de São Paulo, conveniado à Secretaria Municipal de Participação e Parcerias. Ali, quem tem alguma deficiência pode usar computadores com os softwares Virtual Vision, NVDA e Jaws, Dicionário Digital em Libras, telefone adaptado, teclado Intellikeys (para pessoas com deficiência motora).
“Atendemos São Paulo e as cidades em volta. São 13 computadores, usados nas aulas dos cursos que ministramos. Duas máquinas podem ser usadas a qualquer momento, mesmo durante os cursos, por pessoas com deficiência, para navegar pela internet”, explica a pedagoga Angelina Evangelista, diretora de inclusão social e educação do Efort.
O Acessa SP, programa de telecentros do Estado de São Paulo, também não tem uma política de acessibilidade. Mas está desenvolvendo uma nova distribuição do sistema operacional que equipa os computadores das cerca de 680 unidades, que terá recursos para pessoas com deficiência visual. O Acessa Livre 4.0 é baseado no Ubuntu 10.04, criado em cima do Linux. Virá com leitor de telas Orca e script para ampliação de caracteres.
“Este mês vamos soltar um beta, que será testado até o meio de janeiro. Na segunda quinzena do mês iniciaremos correções, detectadas durante os testes, e vamos então fazer um cronograma de atualização dos postos”, diz
Edmarques Dias, analista de sistemas da equipe da Prodesp, companhia de processamento do estado, que desenvolve o sistema.
A acessibilidade de sites é outro problema crônico que se arrasta há anos. Faltam políticas que incentivem a criação de sites 100% acessíveis. O decreto-lei 5296/04 determinou que todos os sites de órgãos públicos fossem construídos dentro de padrões internacionais de acessibilidade até 2006. Seis anos depois da data limite, apenas 5% das quase 6 milhões de páginas governamentais das três esferas são acessíveis – segundo o W3C, instituição internacional definidora dos padrões web.
Hudson Augusto, integrante da rede Metareciclagem e do coletivo Transparência Hacker, resolveu pesquisar o tamanho da inacessibilidade dos sites de órgãos públicos. Focou nos portais das onze cidades digitais definidas pelo governo federal. Analisou as páginas usando os critérios de acessibilidade e-Mag, definidos pelo governo, e WCAG 2.0, do W3C. Todas tinham algum erro que comprometiam a navegação acessível. Na análise dos sites dos governos estaduais, obteve o mesmo resultado. “Poderiam fazer coisas simples, que já melhorava. Por exemplo, dar opção de contraste, colocar funções de tecla de atalho, elaborar mapa do website. Assim, fica mais fácil de o cego entender a navegação. Outra coisa, a maior parte dos sites tem formulários e usa imagens sem conteúdo alternativo descritivo. Também hospeda documentos em PDF, que não é um formato acessível pelo leitor de tela”, conclui.