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capa – Começa por você, professora!

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Começa por você, professora!

Para prefeitos novos e veteranos interessados em melhorar a educação em suas cidades: comprar máquinas é o segundo passo para um salto de qualidade na educação. O primeiro é pensar a formação dos docentes para o uso pedagógico das máquinas.
Texto Áurea Lopes | Fotos Robson Regato

ARede nº 89 – março de 2013

CADERNOS, carteiras, lousas, bebedouros, livros, computadores… todos esses objetos fazem parte da lista de itens obrigatórios para o bom funcionamento de uma escola. E, assim como professores e estudantes precisam de energia elétrica, de água, também precisam da internet. Em tempos de informação em 140 caracteres, a moral da história é: incorporar tecnologias da informação e da comunicação (TICs) ao cotidiano educacional há muito deixou de ser luxo. Virou necessidade básica.

Algumas iniciativas governamentais têm tentado atualizar as escolas públicas para essa nova realidade. Nos últimos anos, só para falar em equipamentos, o Ministério da Educação (MEC) lançou programas de doações e subsídios, como o Um Computador por Aluno (UCA), os tablets para professores do ensino médio, entre outros. Alguns governadores e prefeitos compraram portáteis para estudantes ou abriram financiamento de noteboooks para docentes. Porém, o desafio colocado ao país é enorme. Para ter uma ideia do tamanho das carências, conte quantas vezes você viu na TV uma sala de aula onde falta cadeira, ou janela, ou giz. Ou vire até a página 22 desta revista e leia a reportagem que mostra uma escola onde o único professor, além de lecionar em classes multisseriadas, é encarregado de preparar a merenda e de fazer a limpeza do prédio.

Diante desse cenário, a construção de uma educação pública de qualidade é de responsabilidade de todas as instâncias de poder público. Ao assumir ou renovar seus compromissos, este ano, os prefeitos e secretários de Educação podem e devem dar sua contribuição ao olhar para a tecnologia como estratégia educacional. Os orçamentos municipais são apertados, os custos de TICs são altos. Isso é verdade. Mas é igualmente verdade que há diversos exemplos de boas práticas, viabilizadas por investimento prioritariamente político. Não só nas cidades “ricas”, como São Paulo, Rio de Janeiro. É possível fazer acontecer em lugares como a baiana Mata de São João, onde vivem pouco mais de 37 mil habitantes. São essas experiências bem-sucedidas que a revista ARede traz, nesta edição de março, quando as novas administrações municipais já estão em tempo de encerrar o reconhecimento de terreno e apresentar seus planos de trabalho. Das administrações “veteranas”, espera-se que já se contabilizem resultados – em todo caso, sempre é hora para começar.

A primeira informação determinante de sucesso, para o gestor público interessado em implantar um projeto consistente de tecnologia educacional é que licitar máquinas (ver página 15) não basta. “A formação dos professores é o grande gargalo”, ensina a educadora Léa Fagundes, uma das maiores especialistas do país em uso de TICs na Educação. Os professores, na grande maioria, não têm contato com tecnologias educacionais, nas graduações ou nos cursos de licenciatura. De nada adianta receberem um equipamento que não sabem usar. A professora Léa recomenda que, antes mesmo de decidir quantos e quais equipamentos adquirir, a prefeitura busque parceria com uma universidade local, pública, para desenvolver um projeto de formação dos docentes da rede. “Em muitos casos, o que acontece é que os prefeitos ficam desprotegidos, sem conhecimento suficiente e à mercê de empresas sem qualificação que oferecem tecnologia e conteúdos sem qualquer valor para a inclusão da escola na cultura digital, cujo único interesse é o lucro fácil”, alerta Léa.
capa comeca por voce professora440x05A professora estima que uma universidade privada cobre R$ 200 mil, R$ 300 mil por uma formação. As alternativas públicas, certamente, são mais acessíveis para o bolso de um pequeno município. No segundo semestre de 2012, por exemplo, começou a ser desenhado um programa no Rio Grande do Sul que poderia ser um bom modelo. Professores de várias cidades do estado foram convidados a participar da formação que seria feita pelo Instituto Federal de Educação Superior (Ifes), com bolsas patrocinadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). No entanto, o projeto foi suspenso por conta da mudança de governos locais. “Estamos aguardando a continuidade, mas agora há cidades onde mudou o prefeito, não sabemos se os professores vão ser liberados”, diz Léa.

Como começar
A história de Novo Hamburgo (RS) ilustra com exatidão a linha de pensamento da professora Léa e é referência de administração municipal que prioriza a educação. Há mais de 25 anos, o prefeito e o secretário de Educação procuraram o Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, interessados em um projeto de implantação da tecnologia nas escolas. “Foi o primeiro município a tomar essa iniciativa. Ninguém falava no país sobre isso”, lembra Léa. Os pesquisadores fizeram uma apresentação sobre o tema para 40 professores, que também puseram a mão na massa, conhecendo a Linguagem Logo, recém-desenvolvida por Seymour Papert no Massachusets Instituto of Technology (MIT). Os professores ficaram tão entusiasmados que pediram outra apresentação, para os gestores das escolas.

Dias depois, o secretário perguntou como poderia conseguir um computador. Léa recorda: “Sugerimos um livro de ouro para contribuições das empresas coureiro-calçadistas que multiplicam o capital nas indústrias e comércio locais”. Conseguiram o equipamento em uma semana e o secretário solicitou ao LEC uma formação durante as férias de verão para 15 professores da rede. É fundamental sublinhar, destaca a professora Léa, que ele selecionou representantes do ensino fundamental, do ensino médio, da gestão e da universidade local, em diferentes níveis. Uma Kombi da prefeitura transportava o grupo, uma vez por semana, para participar da formação a 40 km, em Porto Alegre. Com o tempo, a secretaria criou um laboratório de informática na própria sede. Estudantes de diferentes profissões, inicialmente atuando como monitores, foram contratados pela prefeitura como formadores.

Em 1985, foi criado o Centro de Preparação e Iniciação à Ciência da Informática (Cepic), para formação continuada não só dos docentes do município, mas das escolas estaduais das vizinhanças. Esse centro serviu de modelo para os atuais Núcleos de Tecnologia Estaduais (NTEs) e municipais (NTMs). O conjunto dos laboratórios na sede do Cepic, avalia a educadora do LEC, ajuda a introduzir o funcionamento em rede a distância por rádio-amador e depois na internet, a formação de multiplicadores em nível de pós-graduação, os novos modelos de uso dos laptops 1 para 1, as novas práticas pedagógicas e reorganizações de redes cooperativas entre comunidades. “Os resultados a curto prazo aparecem instantaneamente tanto na melhoria da aprendizagem dos alunos quanto no desenvolvimento dos educadores. Os resultados a longo prazo: a inclusão da escola na cultura digital se expressa nas contribuições do UCA, no envolvimento de universidades locais em pesquisa e desenvolvimento, na introdução de empresas e comunidades escolares e envolvimento com famílias, professores e autoridades”, diz Léa. Em 2012, alunos e professores foram ao Uruguai apresentar (até em inglês) suas produções em Squeak e Scratch em seus próprios laptops.

Em Recife, capital de Pernambuco, a formação contínua dos professores é um dos pilares do Programa Municipal de Tecnologia na Educação. Os outros dois são a formação dos estudantes e os cursos de tecnologia para a comunidade. Tudo acontece nas sete Unidades de Tecnologia, Educação e Cidadania (UTECs) fixas, implantadas pela área urbana. Nas UTECs fixas, são formados os professores multiplicadores. Esses profissionais fazem a interface com as escolas, conhecem os projetos em andamento, e levam, aos docentes das disciplinas, propostas de uso das TICs como apoio pedagógico.

O Centro de Educação Tecnológica e Cidadania, com inauguração prevista para julho, “vai ser o epicentro do uso significativo das TICs”, ressalta Gutemberg Cavalcanti, professor técnico pedagógico da Unidade de Tecnologia da Secretaria Municipal de Educação. O Centro vai abrigar cursos e oficinas como Robótica Livre, Educatrânsito, TV e rádio digital, produção audiovisual, entre outros. “Ao mesmo tempo em que os estudantes participarem de oficinas, os professores terão formação para que saibam aplicar, na volta às suas escolas, as práticas vivenciadas no Centro”, conta Cavalcanti. Há ainda 14 UTECs móveis –  escolas de informática com estações de trabalho montadas em seis ônibus – e oito módulos itinerantes – contêineres equipados com dez estações de trabalho que são “estacionados” por um período dentro de escolas. Todos esses espaço têm conexão 3G e são abertos aos alunos e à comunidade.

Um modelo similar evoluiu para uma atuação dos professores multiplicadores ainda mais nas pontas, em Juiz de Fora (MG). Depois de terminar a formação básica de 40 horas do programa Proinfo, do MEC, o município decidiu bancar a continuação das capacitações para os docentes como política pública. “Mas concluímos que a informática básica não atendia às necessidades do processo pedagógico”, conta Ana Lúcia Adriana Costa e Lopes, supervisora de Pesquisa e Linguagem na Educação da secretaria municipal de Educação. Assim, foi criado um primeiro modelo, ainda em funcionamento, pelo qual, no laboratório, fica um professor de informática incumbido de desenvolver atividades com uso de TICs para projetos das disciplinas do currículo comum. Esse professor do laboratório também pode propor e tocar projetos próprios, como o jornal dos alunos, por exemplo. Em um segundo momento, diz Ana Lúcia, achou-se que o professor de classe precisaria ter autonomia para atuar no laboratório. E assim o professor do laboratório passou a formar os demais professores que tenham interesse em atuar diretamente com as tecnologias. Entre 2011 e 2012, cerca de 200 professores das 101 escolas da rede municipal fizeram essa formação.

Na capital mineira, a formação também foi repensada, para melhorar o foco e o rendimento. Em 2007, conta Frederico Guimarães, da secretaria municipal de Educação de Belo Horizonte, as escolas da rede receberam kits de equipamentos comprados com recursos do município. A princípio utilizado pela secretaria e pelos professores, cada kit era composto de sete computadores, mais um servidor, onde rodavam o sistema operacional Linux. Inicialmente, a formação foi dada pela companhia de processamento de dados do município, a Prodabel. Tinha um caráter basicamente técnico, de treinamento. Depois de um tempo, a formação passou a ser dada nas próprias escolas. “Por vários motivcapa comeca por voce professora440x04os. Primeiro, era um problema os professores terem de se deslocar da escola, implicava custos etc. E tem a questão da ambientação também. É melhor fazer as atividades na própria escola, com a conexão local, dentro do ambiente da escola, para ver como funciona em uma situação real. Na empresa externa, muitas vezes as condições são melhores e não encontramos nenhum problema”, alerta Guimarães.

Essa formação abordava uma introdução ao sistema, fundamentos da internet e aplicações disponíveis no sistema, sempre com enfoque educacional. Com o tempo, percebeu-se que algumas pessoas já tinham conhecimentos nessas áreas e acabavam dispersas em determinados momentos. “Resolvemos dividir esse agrupamento em seus softwares específicos e, posteriormente agrupar alguns em temas como uso da internet, visão geral do sistema, aplicações de escritório, aplicações educacionais etc.”, explica o educador. Hoje, além desse kit inicial, há também laboratórios de informática. E a formação ganhou suporte do programa para educação a distância Moodle.

Em Fortaleza, no Ceará, a formação está a cargo do Centro de Referência do Professor (CRP), que atua junto ao Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE), onde os professores da rede aprendem a usar as TICs na Educação. O Centro oferece cursos em temas como blogs, webcast, redes sociais, atividades no software livre Tux Paint. E tem até capacitação para instalação e configuração de Linux. “Para assumir a função de professor de laboratório, é preciso passar por no mínimo 80 horas de cursos dessa grade”, afirma Liduina Vidal de Almeida, professora do Laboratório de Informática Educativa da EMEI São Raimundo. Os professores dispõem também da formação Mídias em Educação, pela Universidade Federal do Ceará/MEC. E a prefeitura, por meio de parceria com a Pontifícia Universidade Católica (PUC), banca cursos de pós-graduação para os professores.

Há dois anos, o Centro oferece uma formação onde são integradas as ferramentas digitais para criação de “redes de aprendência” – há um fórum abrigado pelo Portal do Professor. A educadora Selma Bessa, do CRP, explica que redes de aprendências são métodos pedagógicos que usam as redes sociais para interação, colaboração, ensino e aprendizagem. Professor da rede, Thiago Roque fala, em seu blog, do potencial transformador dessas redes: “Os conteúdos vistos em sala de aula poderão ultrapassar esses limites da escola, além de possibilitar uma melhor interatividade entre os conteúdos e o aprendizado dos alunos”. Roque explica que seu blog “é uma Rede de Aprendência, e aqui vamos desenvolver diversas atividades pedagógicas no decorrer de todo o ano letivo, e também vamos deixar nossos alunos atualizados com todo tipo de informação relevante aos nossos alunos, em especial, os do 3º ano do ensino médio, estes que estão a um passo da universidade, e nós educadores queremos fazer parte de mais essa conquista de nossos alunos”.

Visão sobre o valor da formação dos professores não falta ao secretário de Educação da capital paulista, César Callegari, que ocupou o cargo de secretário de Educação Básica no MEC. Talvez por isso uma de suas primeiras ações, na atual administração, foi executar o compromisso de campanha do prefeito eleito: implantar em São Paulo 31 polos da Universidade Aberta do Brasil. Os cursos, que serão oferecidos nos CEUs e em salas nas sub prefeituras, inicialmente estarão voltados fortemente para a qualificação dos professores da rede de ensino municipal (ver página 44). Em São Paulo, os alunos do ensino fundamental e do médio têm, uma vez por semana, uma aula de 45 minutos de informática, no horário regular. São acompanhados, no laboratório, por um educador com especialização em tecnologia, que é chamado de Professor Orientador de Informática Educativa (Poie). Para entender o ganho pedagógico que representa ter, no laboratório, um professor comprometido com a estratégia global de educação, basta conhecer o trabalho da EMEF Florestan Fernandes, no Jardim Guanabara, periferia da zona sul paulistana.

Maria Helena Beserra Moreira dava aulas no fundamental I. Em 2007, fez uma formação na diretoria regional de ensino, um estágio em uma escola onde havia um Poie e assumiu o laboratório da Florestan. A jornada e o salário não mudaram. Mas o trabalho ganhou outras cores. Ela continua participando, junto com todo o corpo docente, das reuniões de planejamento. É nesses encontros que troca ideias e dá sua contribuição, do ponto de vista da tecnologia, para os projetos das disciplinas que têm atividades no laboratório de informática. Mas o laboratório adquiriu vida própria, depois que começou, na escola, um projeto de educomunicação. “Nosso foco é o protagonismo juvenil”, diz o diretor Marivaldo dos Santos. Com o apoio da professora Maria Helena, no contraturno das aulas, muitos estudantes participam de atividades extras como a produção do jornal Florestan, do blog, de vídeos sobre temas da comunidade, tudo devidamente divulgado pelas redes sociais. Criaram uma agência de notícias e a rádio Florestan, que transmite a programação nos intervalos da manhã, com música e reportagens sobre tudo o que acontece escola. “O trabalho na rádio enriqueceu minha capacidade de comunicação, ampliou o meu vocabulário, além de melhorar a articulação com as palavras, a entonação, e as minhas produções de texto. O bacana é que tudo isso tem me ajudado nas outras disciplinas”, declarou Érika Alvão, de 14 anos, aluna do 8º ano, em uma reportagem sobre a escola na revista Presença Pedagógica.

Experiências como a da EMEF Florestan mostram que há uma profunda diferença entre duas políticas educacionais que hoje se confundem, seja por falta de conhecimento, seja por interesses econômicos: uma é investir dinheiro público para “equipar” uma escola ou um professor ou um estudante com recursos tecnológicos; outra, bem diferente, é investir em “melhorar a educação por meio do uso das tecnologias”. A formação dos professores, sem dúvida, representa a chave que vira de uma para a outra. 

Leia, na próxima edição, a continuação desta reportagem, com um panorama sobre os parques tecnológicos das redes municipais de ensino.