entrevista pedro abramovai 139 440

entrevista – Faz diferença cobrar, faz diferença protestar!

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Faz diferença cobrar, faz diferença protestar!

Organização internacional que mobiliza pessoas pela internet chega a 20 milhões de membros, dos quais 3,5 milhões são brasileiros.
texto Áurea Lopes | Fotos Robson Regato

 

ARede nº 90 – abril de 2013

AVAAZ SIGNIFICA “voz” em várias línguas europeias, do Oriente Médio e asiáticas. Por isso, a organização Avaaz se empenha, desde 2007, quando foi criada, nos Estados Unidos, em colocar “o mundo em ação”. O movimento, que se tornou global, já atingiu mais de 20 milhões de membros, opera em 15 idiomas diferentes, em todos os países. O Brasil, que soma 3,5 milhões de integrantes, tem a maior participação entre as nações, respondendo por 30% das campanhas lançadas. O advogado e ativista Pedro Abramovay, que integra a equipe da organização no Brasil, conta como as mobilizações acontecem, quais os resultados e avalia a força das tecnologias no processo democrático: “A internet dá a possibilidade de ter o povo participando diretamente, sem tirar a legitimidade do Congresso, mas melhorando e aumentando essa legitimidade, que não é uma legitimidade de dar um cheque em branco. É uma legitimidade com a cobrança, com o diálogo. Isso é a verdadeira democracia”.

Como é a organização da Avaaz?
Pedro Abramovay – Não existe uma estrutura formal. Temos uma equipe que atua no mundo inteiro. Não tem essa restrição de brasileiros trabalhando só para o Brasil. É claro que se houver uma campanha no Brasil eu vou ser envolvido, mas eu também participo de campanhas de outros países. Recentemente fui ao Equador em uma campanha para evitar exploração de petróleo na Amazônia. Não há uma divisão geográfica. É uma equipe muito experiente, de gente que já trabalhou em governos, em grandes organizações da sociedade civil, universidades, e que está hoje dedicada à transformação. Tem país que não tem equipe, e o tamanho da equipe pode variar em cada país. Eu poderia ficar onde quisesse… estou no Rio de Janeiro porque moro no Rio. Não temos sede física. Trabalhamos por internet, videoconferência. A gente se comunica o tempo inteiro, a rede é muito ativa. O que mais nos separa é o fuso horário.

Essa equipe é remunerada ou voluntária?
Abramovay – Há uma equipe remunerada, profissional, da qual eu faço parte. É um grupo relativamente pequeno, não chega a cem pessoas. Mas também colaboram muitos voluntários.

O que é ser um membro da comunidade da Avaaz? A pessoa que assinou uma petição já se torna um membro?
Abramovay – Sim, quem assinou uma vez já é membro, mas se ficar um tempo sem participar, ou se pedir para sair, a pessoa deixa de ser membro. Nós estamos sempre atualizando o cadastro, atentos às pessoas que realmente participam. Essa lista de 20 milhões são as pessoas ou que acabaram de assinar ou que têm assinado com alguma frequência.

Como é definida a pauta das ações? Quem decide qual campanha será lançada?
Abramovay – Não só as campanhas, mas o rumo da Avaaz é definido pelos membros. As campanhas são determinadas de várias maneiras. Primeiro, pode ser  alguém da equipe que tem uma ideia. A gente está o tempo todo antenada, acompanhando os fatos, o noticiário. Aí alguém sugere fazer tal campanha. Então a gente manda inicialmente para uma amostragem de dez mil pessoas, escolhidas aleatoriamente, e avalia a reação, se as pessoas assinam ou não assinam. A gente só dispara para toda a rede as campanhas que foram testadas e tiveram um nível alto de assinaturas. Isso significa que o tema tem legitimidade. Se o retorno for pequeno, ou as pessoas não querem essa campanha, ou a gente não fez o melhor texto possível. Então a gente vai reescrever e testar de novo. As campanhas podem ser globais ou locais. Por exemplo, a campanha Fora Renan, era só do Brasil. Mas a campanha do Código Florestal, apesar ter base no Brasil, era do mundo inteiro, porque o tema do ambiente afeta o planeta.
 
A sociedade também propõe?
Abramovay – Claro. Existe uma ferramenta que chama petições da comunidade. Qualquer pessoa pode entrar no site e criar sua petição. As petições às vezes têm interesse local: a pessoa quer reformar a praça, quer um posto de saúde. Este ano mesmo houve um caso super comovente, no interior do Ceará, onde morreu uma criança por falta de UTI. A UTI estava construí-
da e não era inaugurada. Aí foi lançada uma campanha e a UTI foi inaugurada. Outras vezes a campanha é começada por um cidadão e interessa ao Brasil inteiro. A campanha dos Guarani Kaiowá, o Fora Feliciano… foram campanhas lançadas por cidadãos que a Avaaz apoia e trabalha para amplificar.

Há quanto tempo a Avaaz atua no Brasil?
Abramovay – A primeira campanha grande aqui foi a da Ficha Limpa, em 2010. A lei já estava no Congresso e a ideia era para pressionar pela votação. Reunimos umas 400 mil assinaturas, o que foi muito significativo pois a Avaaz não era conhecida no país. E funcionou. O próprio movimento Ficha Limpa reconhece a força da Avaaz nessa fase final.

O que acontece após angariadas as assinaturas?
Abramovay – O nosso trabalho não se resume a fazer uma petição online. A gente vai além. No caso do Ceará, ajudamos a dar visibilidade, colocar o caso na imprensa. Ou seja, o trabalho é amplificar vozes que antes não tinham como ser ouvidas. Na campanha do Fora Feliciano, a gente foi entregar o abaixo-assinado para os parlamentares. Porque não é só isso, protestar e falar para os aliados. Eu fui lá em Brasília, me reunir com o PSC, com o presidente do partido, para expor as razões, dizendo olha, a gente não tem nada contra o PSC, contra os evangélicos… mas essa pessoa tem atributos que são absolutamente incompatíveis com esse cargo. E vocês têm a opção de botar uma força para tirá-lo agora ou de ficar marcados por ser contra toda a sociedade brasileira. A tradição cristã, evangélica, não tem nenhuma relação com o que ele está fazendo. Essa defesa corporativa que alguns querem fazer não tem isso… ele está fazendo mal para os evangélicos. Então, a gente não se considera de forma nenhuma uma organização online. Talvez a gente faça mais trabalhos offline do que online. A internet é o grande instrumento que a gente tem para juntar as vozes, juntar pessoas que nunca se juntariam, que moram em lugares diferentes e estão unidas a partir de uma vontade de mudar o mundo para melhor. Mas isso só não basta.

O Brasil é o maior país em membros, 3,5 milhões. E responde por 30% das campanhas. A que você atribui essa representatividade?
Abramovay – A várias coisas. Primeiro, ao perfil do brasileiro de adesão à internet, às redes sociais. Depois, tem uma questão de democracia. De alguma maneira, a participação do Estado, nos últimos anos, transformou a sociedade para melhor. Ao mesmo tempo em que você tem uma desilusão com a política, claro, como tem em qualquer lugar, você tem uma percepção de que a democracia pode fazer diferença. As pessoas estão percebendo isso… que faz diferença cobrar, que faz diferença protestar… É muito diferente da Europa, onde há uma desilusão com a democracia, com as instituições, com a política em geral. Dos países em desenvolvimento, por exemplo, vamos pegar os Brics, o Brasil, é de longe, o mais democrático. Existe uma especificidade do Brasil, que está se transformando, se tornando mais democrático, diminuindo as desigualdades, o que vai empoderando as pessoas. Aqui é um laboratório interessantíssimo para a mudança democrática.

Há interlocução com outras organizações similares, como o Greenpeace, a Human Rights Watch?
Abramovay – A gente faz muita coisa junto com diversas organizações. Além dessas, com a WWF, com centrais sindicais e outras ONGs aqui no Brasil. A gente tem algumas características diferentes. Primeiro, nosso foco é a mobilização para a transformação. No Greenpeace, por exemplo, o foco é o ambiente. A gente tem as ferramentas para gerar a mobilização, o jeito de usar a internet para isso, o jeito de pensar campanhas. A internet é usada como uma ferramenta. A equipe profissionalizada pensa em como fazer uma campanha se tornar realidade. E temos também uma agilidade incrível, de uma organização desse tamanho. Tem uma coisa de dizer essa semana o problema central é esse. Em dois dias a gente pensa a campanha, prepara as estratégias, faz os textos, organiza um ato na Europa, um ato na América Latina, ter uma audiência com o primeiro ministro de tal país… ao mesmo tempo, com poder de interferência muito forte, em altos níveis de governos de diversos países. Isso é muito forte. A gente fez uma campanha agora sobre a Palestina que foi muito forte. O objetivo era que a Palestina fosse reconhecida como Estado pela ONU. A Europa estava muito dividida. O Brasil já tinha reconhecido. Então a gente pensou em campanhas nos países, na Espanha, na França etc. E aquilo virou o voto daqueles países e  foi fundamental para desencadear uma mudança de votos e no final os próprios diplomatas palestinos fizeram declarações públicas agradecendo o papel da Avaaz, pela campanha, mas também por fazer reuniões políticas em Nova York, atos dentro da ONU.

A equipe tem capacidade de articular, de selecionar quadros com representatividade nos locais.
Abramovay – E capacidade de pensar estratégias que funcionem. Nunca sozinhos. Não tem nenhuma vitória da Avaaz que tenha sido só da Avaaz. Sempre atuamos em parceria, potencializando. O caso do trabalho escravo aqui no Brasil é um exemplo. Vários movimentos estavam nessa frente, há muito tempo juntando assinaturas, fazendo mobilização, e nunca tinham conseguido um número expressivo de adesões. Aí a Avaaz entra, em parceria com eles, a partir deles, e em uma semana somam 70 mil assinaturas. Junto com os movimentos, com as centrais sindicais, com artistas, a gente entrega para o presidente da Câmara dos Deputados o abaixo-assinado. Na semana seguinte foi votada e aprovada a PEC contra o trabalho escravo. Agora precisa ir para o Senado.

Como a atuação da Avaaz muda a percepção do conceito de democracia?
Abramovay – Cada vez que as pessoas veem o resultado, as reações, elas se animam a se integrar. E vai se criando uma nova cultura democrática. O cara fala: eu participei dessa campanha, funcionou… mas e aquela outra questão, que está na Comissão tal? Quer dizer, aumenta a politização das pessoas. Em especial no caso do Brasil, as pessoas de fora olham para nós e acham incrível o que está acontecendo do ponto de vista democrático. Acho importante a gente perceber isso. Claro que temos muitos problemas, desafios gigantescos para resolver. Mas aqui a esperança da população de resolver esses problemas é maior do que em qualquer lugar do mundo hoje. E isso anima a pensar nos caminhos novos. A Constituição brasileira de 1988 trouxe uma novidade que as pessoas percebem pouco. As Constituições anteriores diziam que “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”. Parece uma fórmula bonita, mas tem uma armadilha: diz que as pessoas exercem o poder “em nome do povo”. Não é o povo que exerce o poder. O Carta de 1988 pela primeira vez fala que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes e diretamente”. Democracia não é só eleger, não é só o voto, não é só a cada quatro anos. Democracia acontece todo dia.  A gente tinha muita dificuldade de fazer isso acontecer.

De que forma as novas tecnologias facilitam a mudança no exercício democrático?
Abramovay – A gente tem experiências legais de participação popular, conferências, orçamento participativo, mas com muitos limites. A internet dá a possibilidade de ter o povo participando diretamente, sem tirar a legitimidade do Congresso, mas melhorando e aumentando essa legitimidade, que não é uma legitimidade de dar um cheque em branco. É uma legitimidade com a cobrança, com o diálogo, o Congresso tendo que responder. Isso é a verdadeira democracia. Essa é uma mudança sem volta. E a gente ainda não tem como medir as consequências dessa nova dinâmica. Chico Buarque fez uma música, olhando para as greves do ABC, na década de 1980, que diz “eu não sei bem o que seja, mas sei que seja o que será, o que será que se veja, vai passar por lá”. Foi, no mínimo, profético… e eu acho que é um pouco isso em relação às mobilizações em rede. A transformação democrática que a gente está vendo, não dá para adivinhar no que vai dar. O que dá para ter certeza é de que “o que será que se veja vai passar por lá”.

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Quais são os desafios dessa forma de atuação?
Abramovay – Nós não temos dados oficiais sobre os nossos membros, mas pelos comentários e pela participação, vemos que o público é muito variado. Pode ser uma senhora, um jovem, alguém que está acessando o site de uma lan house… enfim, todo tipo de gente. Por isso, há uma barreira importante, que é a inclusão digital. Esse é um grande desafio. Porque a gente está falando de um modelo de democracia. Se o modelo de democracia antigo tem muitas barreiras – econômica, social – esse tem a barreira do acesso à tecnologia. Essa é uma bandeira importante.

As campanhas permitem traçar um mapa das grandes questões mundiais. Quais são as principais preocupações da humanidade? E do Brasil?
Abramovay – No começo deste ano, nós fizemos um debate global, online, para saber em que temas a Avaaz devia atuar. Todos os membros foram convidados a participar, tinha tradução simultânea, você escrevia numa língua e já aparecia na outra, tinha comentários, debates, e espaço para votação. Em termos globais, o tema mais quente é a chamada “guerra contra as mulheres”, o tráfego de pessoas e outras formas de violência. Depois, vem corrupção, ambiente. No Brasil, a corrupção é um tema forte, assim como as campanhas do Renan [Calheiros], do [Marco] Feliciano… algumas campanhas com temas sobre democracia têm tido um bom apelo, como o voto aberto. E também os temas do ambiente – teve o Veta Dilma, a questão das terras indígenas, com o problema dos Guarani Kaiowá. A campanha do Feliciano eu acho particularmente interessante. O tema dos direitos humanos não é fácil. Me impressionou a força de uma campanha em um tema tão difícil.

De onde vêm os recursos para bancar o Avaaz?
Abramovay – A grande crítica que eu faço hoje ao sistema político do Brasil é o sistema de financiamento. Como a gente pode ter uma política minimamente independente se 99% dos nossos políticos são eleitos com dinheiro de empresas? O que define a eleição no Brasil é dinheiro de empresas. Não tem como não haver uma lealdade a essas empresas maior do que aos eleitores. Isso distorce os valores democráticos. Por isso a Avaaz não aceita dinheiro de empresas, nem de governos. Aceita só de indivíduos e pequenas doações. Existe um limite de doação máxima de 5 mil dólares.
O objetivo é que ninguém tenha o poder de dizer: “Se vocês fizerem tal coisa, vou deixar de dar dinheiro para vocês”. Nosso poder financeiro é pulverizado pelas pessoas que voluntariamente querem doar porque acreditam naquilo. Em geral, são doações pequenas, 5 dólares, 10 dólares. Mas vêm do mundo todo. O que permite que a organização contrate essa equipe experiente, profissional, sem a qual as coisas não aconteceriam, além de produzir materiais, cartazes, colocar o debate na mídia.

Como a organização se especializou em lobby?
Abramovay – A sede jurídica da Avaaz fica nos Estados Unidos, onde foi fundada. Eles regulamentaram o lobby e são rigorosos sobre o tipo de instituição que pode ou não fazer lobby. Lá, uma organização sem fins lucrativos pode escolher: pagar menos imposto e ter um pouco menos de transparência, e não fazer lobby; ou pagar o imposto integral e fazer lobby, mas obedecendo a fortes regras de transparência. A Avaaz escolheu essa opção: atuar, botar a voz das pessoas para se contrapor aos outros lobbies. Para poder bancar o que tiver de ser bancado. Porque a gente atua em países com situação democrática muito difícil. Por exemplo, na Síria, várias vezes sofremos constrangimentos muito fortes. A gente teve um papel importante na Primavera Árabe, de dar equipamentos para jornalistas, quando teve o apagão da internet, para que pudessem continuar a mandar notícias para o mundo. Em algumas situações é tenso. A gente enfrenta interesses poderosos, mas faz justamente pelo fato de não ter rabo preso com nenhum financiador, estamos confortáveis. Uma das principais características da Avaaz é essa possibilidade de ter coragem.