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Internet sob ataque durante eleições na Malásia

03/05 - Às vésperas de uma eleição que tem chances de por fim a um regime de partido único que vigora desde a independência do país, blogs e sites de oposição sofrem interferências.

Áurea Lopes

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03/05/2013 – As eleições gerais na Malásia, no próximo domingo, têm chance de pôr fim a 56 anos de um regime de partido único, que vigora desde a independência do país do Reino Unido, em 1957. Na oposiçao à aliança governista está um coalizão formada por três partidos e liderada pelo ex-vice-primeiro-ministro Anwar Ibrahim.

Assim que o pleito foi anunciado, em abril, começaram ataques à internet local: sites da oposição e meios de comunicação independentes sofreram interferências significativas em suas redes e, com a proximidade da eleição, a pressão está se intensificando.

Curiosamente, a Malásia é um dos poucos países no mundo que tem uma legislação que defende a internet livre e aberta, supervisionada pela Comissão de Comunicação e Multimídia da Malásia (CCMM), órgão regulador independente, encarregado da fiscalização de operadoras de celular e internet. O tem investido fortemente em promover o acesso à internet e a disseminação da comunicação móvel. A internet tem mais de 60%​​ de presença, o celular atinge 124% e o país exibe um dos mais altos índices de participação em mídia social no mundo.

Nos últimos cinco anos, porém, os sites simpatizantes dos partidos da oposição têm sido alvo de ataques e os operadores e funcionários de sites de notícias independentes denunciam perseguições pela polícia. Blogueiros, fotógrafos e jornalistas foram presos e detidos, às vezes sob a Lei de Segurança Interna do país (ISA), que permite a detenção sem julgamento. Como a mídia tradicional do país continua a ser controlada pelo Estado, a internet é uma ferramenta fundamental para a dissidência política e a liberdade de expressão.

Sites políticos e conteúdo inacessível

Na última semana de abril, usuários de alguns provedores descobriram que não podiam acessar determinados sites críticos ao governo. Esses provedores incluem (mas não apenas) Unifi, TM, Celcom, Digi, e Maxis. Serviços oferecidos pela Time e YTL não pareceram ter sido afetados. Na época, um dos sites de notícias independentes mais populares do país, o Malaysiakini, queixou-se ao órgão regulador e as interferências cessaram. Dias depois, os usuários estavam enfrentando dificuldades para acessar conteúdos, novamente com os mesmos cinco ISPs: Unifi, TM, Celcom, Digi, e Maxis.

Na segunda vez, a filtragem era muito mais específica. Inicialmente, domínios inteiros (e, portanto, sites inteiros) foram bloqueados. A filtragem parecia focar conteúdos específicos, como vídeos do YouTube com conteúdo político que poderia ser considerado nocivo ao governo.

Em vez de bloquear conteúdos abertamente, o bloqueio foi implementado no fluxo de tráfego de retorno de um provedor de conteúdo, como o YouTube. Os usuários conseguiram abrir uma conexão com o YouTube, mas não estavam recebendo os dados de volta — de forma que dava a impressão de o problema ser causado no envio do servidor (YouTube), ao invés de ser um bloqueio.

Evidência de interferência na rede

Trabalhando com parceiros locais, a organização social Access conseguiu detectar que comunicações não criptografadas de conteúdo político naqueles cinco provedores, sejam diretamente com o YouTube, ou via proxies para o YouTube, apresentaram falha no fluxo de dados de retorno. Inclusive quando um proxy foi configurado para usar portas de transmissão não padrão, indicando que a interferência estava sendo acionada quer por inspeção profunda de pacotes (DPI), quer no HTTP na requisição ao servidor, ao invés de endereços IP standard e bloqueios da porta.

Quando os parceiros da Access tentaram usar um túnel criptografado fora da Malásia, o YouTube retornou dados por downstream, indicando ainda a utilização de DPI ou HTTP na base da interferência, uma vez que nem o HTTP, nem o conteúdo dos pacotes está disponível para o ISP quando os usuários transmitem pedidos por um canal criptografado SSH.

Testes de captura de pacotes demonstraram que os pedidos utilizando proxies sempre descartaram pacotes entre o servidor proxy e o usuário final, o que mostra que a interferência estava acontecendo na rede “próxima”, ou seja, o ISP local, ao invés de na rede ‘longe’, perto do servidor YouTube.

Essa não foi a única forma de “interferência” que ocorreu na Malásia, no período que antecede as eleições deste fim de semana. Há evidências de interferência de emissoras de rádio críticas ao governo, bem como ataques distribuídos de negação de serviço (DDoS) e tentativas de invasão contra a imprensa independente, blogs e sites de partidos da oposição.

O mais popular site independente de notícias online, MalaysiaKini, tem sido um alvo constante, nas últimas semanas. O CEO e co-fundador Pramesh Chandran apresentou ao MCMC um pedido para que seja garantido o acesso à internet ininterrupto, no dia da votação e enfatizou a comunicação livre e sem restrições como uma necessidade fundamental à prática democrática: “Nosso maior medo é que o acesso à MalaysiaKini seja bloqueado na noite de domingo. As autoridades precisam entender que a situação pode se tornar insustentável. Com relatórios atualizados dos meios de comunicação online, bem como da mídia tradicional, os eleitores estarão mais propensos a manter a calma e não acreditar em boatos provocativos”.

Leia mais: www.malaysiakini.com, www.accessnow.org