Áurea Lopes
02/07/2013 – “Você está navegando em um blog desenvolvido por pessoas com deficiência. Isto é inclusão digital!”. Com essa acurada percepção do que deve ser uma sociedade inclusiva, o carioca Marco Antonio Queiroz, o MAQ, apresentou, em 2009, o blog Bengala Legal, originado do site de mesmo nome – que ele criou em 2.000, quando a palavra acessibilidade ainda não estava na moda.
Esse foi o terceiro site em português desenvolvido por uma pessoa cega, e o segundo do gênero no Brasil. Nascido em 1956, MAQ perdeu a visão aos 21 anos, por causa de uma doença chamada Retinopatia Diabética. Estudante de História, que não concluiu, fez também um curso de Processamento de Dados no Instituto Benjamim Constant (para cegos) e foi contratado como programador no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), onde atuou por 23 anos. Ao sair, começou a se dedicar à acessibilidade digital.
Em 2008, MAQ lançou o site Acessibilidade Legal. Passou a dar cursos de HTML para cegos. Foi cofundador do grupo de estudos e pesquisa Acesso Digital, em 2005, iniciando uma intensa atividade de militância, consultoria e prestação de serviços na área, incluindo a realização do projeto de acessibilidade do site da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, lançado em 2011. Em 2012, ficou em primeiro lugar na primeira edição do Prêmio Nacional de Acessibilidade na Web – Todos@web.
Autor de Sopro no corpo: vive-se de sonhos (1986), já na segunda edição, foi uma das primeiras pessoas com deficiência a escrever um livro. “Conta a história de como me reabilitei depois que fiquei cego, como fui trabalhar, como aprendi a usar a bengala para ter minha independência, minha emancipação para eu ir e voltar sozinho do trabalho, das reuniões que ia com meus colegas etc. Agora, nessa nova versão, além de tudo isso narro meus dois transplantes, o de rim e o de pâncreas, o nascimento do meu filho Tadzo e a grande descoberta que foi a internet para mim e todos os cegos”, explicou, em entrevista ao site Planeta Educação.
Envolvido com a audiodescrição desde 2007, começou como jurado do Assim Vivemos, festival internacional de filmes sobre deficiências. MAQ contou, em entrevista ao site Outros Olhares, em março deste ano: “Foi interlocutor de um chat para discussões sobre o festival, que aconteciam logo após a exibição de um dos filmes na TV Brasil, uma vez por semana. Também já fiz revisão de filmes e de descrições de imagens estáticas em livros. A audiodescrição é o recurso mais necessário e mais completo que existe para a pessoa com deficiência visual porque dá olho ao cego”.
O cego, disse, é um inculto visual. E explica: “A cultura do cego é a falta de cultura. Não tem repertório cultural de teatro, cinema ou televisão, tem apenas o do rádio e está acostumado a isso. Outro dia, eu estava assistindo sozinho a um filme na TV de madrugada e fiquei sem saber o final, não entendi nada. O pior é que também não sei qual o título porque não é falado, só aparece escrito na tela. É frustrante mesmo, o cego se decepciona pela não compreensão, perde o interesse e simplesmente desiste, não luta pelo direito de acesso a produtos audiovisuais. Mudar isso, implementar e ampliar o visual na vida do cego encontra até resistência. Ele procura saber apenas o mínimo necessário para exercer suas atividades cotidianas. Se vai à farmácia, por exemplo, só sabe entrar e ir até o balcão, não dá importância ao que há em volta”.
Os problemas de saúde, no entanto, há algum tempo vinham restringindo suas atividades. Ele revelou a Outros Olhares: “Fiquei doido para participar do Segundo Encontro Nacional de Audiodescrição, no final do ano passado em Juiz de Fora, Minas Gerais. Estava tudo certo para ir, tinha acompanhante e tudo, mas passei mal e fiquei inseguro de viajar. Isso é o que me “torra” de verdade, as limitações impostas pela minha saúde. A cegueira para mim não é nada, são cócegas no pé”.
Desenvolveu um jeito especial de encarar a vida: “Se não amasse tanto a vida, já não estaria vivo. Sou um cara apaixonado, é a paixão que me move, não consigo evitar e é somente com paixão que eu posso vive”.
A revista ARede presta sua homenagem a esse militante que se tornou um dos principais especialistas e ativistas da acessibilidade digital no país. Entrevistado para diversas reportagens, sempre nos atendeu prontamente e nos recebeu com carinho em sua casa. Enriqueceu, com seu conhecimento e experiência, nossas matérias sobre o tema da acessibilidade.
A equipe da revista ARede dedica a MAQ, como ele costumava dizer, um “abraço inclusivo e fácil de usar”!
http://www.arede.inf.br/edicao-n-87-dezembro-2012/5184-capa-acessibilidade-em-marcha-lenta
http://www.arede.inf.br/edicao-n-90-abril-2013/5520-capa-caia-na-rede-sem-cair-na-rede
http://www.arede.inf.br/edicao-n-12-marco-2006/3029-capa-um-desenho-universal-para-a-rede
http://www.arede.inf.br/noticias/489-vencedores-do-todosweb-recebem-premio-amanha