Mario Teza*, especial para ARede
02/09/2013 – O esquema de monitoramento da Agencia de Segurança Nacional dos EUA (NSA) com o Programa de Vigilancia PRISM (1) agita a opinião pública mundial. Destaca-se o tamanho da máquina de espionagem dos Estados Unidos, a colaboraçao, forçada ou consentida, das grandes empresas de tecnologia e, por último, o debate ético sobre as ações dos ciberativistas que vazaram as denuncias.
Começar pelo principio ou a “internet como ela é”
A espionagem eletrônica massiva é possivel por questões estruturais da internet. O diretor do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), Demi Getschko, um dos pais da internet no Brasil, lança uma luz sobre isso:
“E isso sempre foi assim – tanto na telefonia quanto na internet – você é obrigado a passar por pontos de concentração, o que é tecnicamente razoável. Não faz sentido ter um cabo submarino direto, daqui até Nova Guiné, por exemplo. Você vai passar por algum lugar de concentração – possivelmente Washington, Miami ou Europa para então pegar outro cabo e assim por diante. A estrutura de telecomunicações, da telefonia, sempre teve pontos de concentração. E nesses pontos, o tráfego passa por atacado. Se esses pontos forem submetidos à uma análise, as informações que passam por lá são “bisbilhotáveis”. Portanto, não existe uma deficiência técnica que gere monitoramento – se houver uma deficiência, é uma deficiência ética ou política de quem faz o monitoramento.”
Internet “Comercial”: Um mercado trilhonário em expansão
Segundo a Information Technology and Innovation Foundation (ITIF), a internet comercial mundial lucrou 1,5 trilhões de dólares em 2010. A publicidade online foi crucial para esse resultado. (3)
Observando os dados de 2012, percebe-se que: “O gasto com publicidade online no planeta deve superar o montante investido em jornais já no próximo ano (US$ 101,5 bilhões vs US$ 93,2 bilhões), segundo uma estimativa divulgada pela ZenithOptimedia, em dezembro de 2012. A previsão também sugere que, até o ano de 2015, o total investido em propaganda na internet deve ultrapassar os jornais e revistas somados (US$ 132,4 bilhões contra US$ 131,7 bilhões), ficando atrás somente da TV (40%).” (4)
Quando você deixa de ser o cliente para ser “o produto”
Segundo Daniel Castro, do ITIF, a publicidade online cresce quando fornece anúncios mais relevantes, tanto para os consumidores que recebem mais utilidade desses anúncios como para anunciantes que estão dispostos a pagar mais para chegar ao seu público-alvo. Anúncios direcionados com base em informações sobre o usuário, tais como histórico de navegação ou outros dados.(3)
Informações gerais sobre a pessoa, como sua idade, sexo e localização vale entre US$ 0,0005 por pessoa, ou US$ 0,50 por lote de mil pessoas.(5) Uma pessoa que está comprando um carro, um produto financeiro ou está de férias, vale um pouco mais, algo como US$ 0,0021 dólares por pessoa, ou U$ 2,11 por lotes de mil pessoas. Sabendo que uma mulher está esperando um bebê e está em seu segundo trimestre de gravidez, por exemplo, o preço por essa informaçao passa para US$ 0,11 ou US$ 2,60 por lotes de mil grávidas. Os formadores de opinião na rede têm um valor diferente segundo o artigo do Financial Times, valem mais de US$ 3 por pessoa. (6)
O Google é bem conhecido, ao relacionar as buscas com alguma intenção de compra por parte do internauta. Daí a publicidade direcionada à pergunta feita. Observemos agora o Facebook: “Dados levantados pela empresa de inteligência em redes sociais Syncapse, entretanto, apontaram uma média para o valor de cada “Curtir” no Facebook: US$ 174,17 (mais ou menos R$ 350).
Para chegar a esse valor, mais de 2 mil usuários da rede, todos assinantes de páginas de empresas, foram avaliados (em comparação com consumidores não fãs) sob alguns fatores: investimento financeiro em produtos, lealdade, propensão em recomendar, afinidade com as marcas e custo relativo em mídia tradicional. O que se descobriu, e se reflete no valor apontado, foi que pessoas que curtem a página de uma empresa tendem a gastar mais em produtos no período de um ano (43% mais dinheiro), a estar mais satisfeitas (18% mais clientes satisfeitos) e a continuar usando o produto (11% mais consumidores fiéis). E é isso o mais importante.” (7) O jornal Finacial Times criou uma ferramenta para calcular o valor das informaçoes pessoais: http://www.ft.com/cms/s/2/927ca86e-d29b-11e2-88ed-00144feab7de.html#axzz2W6ziE25g
Na realidade, as pessoas passaram a ser o grande “produto” a ser disputado. Os grandes provedores e sites de redes sociais as vendem a preço de ouro para um mercado ávido em identificar novos consumidores.
Eleições Democráticas ou como usar você contra você mesmo
Revoltas, rebeliôes, golpes em todos os continentes. Em que pese tantos movimentos, o modelo da democracia baseada em eleições parlamentares é apregoada como a melhor forma de dirimirmos as controvérsias socias, políticas e econômicas. Os partidos e candidatos têm aproveitado esse oceano de informções disponibilizada pelas pessoas, além da compra de cadastros privados. Na última eleição americana, a combinação do marketing político eleitoral com a coleta e uso dos dados dos eleitores foi elevada a potência máxima. Uma empresa norte-americana que há 30 anos especializou-se nesse “mercado” informa:
“Aristotle busca os dados nas compras com cartão de crédito, registros públicos, registros de cartões de desconto de supermercado, assinaturas de revistas, sites de mídia social, a lista é longa. Os dados considerados relevantes muitas vezes são surpreendentes: Não é apenas sobre se um determinado eleitor foi identificado com um determinado partido ou indicou que questões particulares importam para ele.” (9)
Os dois grandes partidos americanos utilizaram a montanha de informações dos eleitores para escolher a dedo o tipo de comunicação. Obama agiu assim:
“Imagine uma mãe de duas crianças que vive em uma cidadezinha no estado de Ohio, no centro-oeste dos Estados Unidos. Ela votou na última eleição, cadastrou-se e navegou algumas vezes no site de Obama (menos do que na disputa de 2008), mas nunca doou. Seus filhos estudam em escola pública. Ela costuma tuitar sobre o meio ambiente e ainda mantém uma página no Facebook sobre comida orgânica. Tudo isso fica registrado no banco de dados da equipe de Obama. “A campanha envia para ela e-mails de Michelle Obama sobre as políticas ambientais planejadas pelo presidente e sobre educação pública”, afirma o consultor Andrew Rasiej.” (10)
Neste tipo de campanha, o candidato já não diz o que pensa, ele diz o que voce quer ouvir. Depois, na gestão, é outro assunto.
Manipulação massiva da realidade econômica mundial
Fechando o círculo, chegamos, de novo, no PRISM e Edward Snowden. Pedro Rezende, professor da UNB tem um enfoque interessante sobre isso. Questionado por Tadeu Breda do Portal de Notícias Rede Brasil Atual (11), sobre as revelações de Eddward Snowden, ele esclarece:
“Em entrevista ao portal RT (12) o analista financeiro Max Keiser, experiente inovador em táticas especulativas para pregões eletrônicos, aponta para o cenário dessas revelações como ele o vê: a companhia onde Snowden trabalhava, Booz Allen, junto com algumas outras parceiras são mentoras da manipulação que ocorre em importantes mercados globais de juro e de câmbio, como o LIBOR e o FOREX, e essa manipulação é o combustível que mantém o “império militar” funcionando, supondo eu que Keiser se refere aí à OTAN.
A economia dos EUA por si só não consegue mais manter suas ambições militares, e para isso essas ambições precisam manipular mercados. O tipo de inteligência que Snowden pode mostrar como se agrega, é fundamental para essas manipulações. Elas podem instrumentar a Booz Allen e suas parceiras a canalizar bilhões de dólares para irrigar campanhas militares norte-americanas. Então, essa fúria contra Snowden na verdade seria por causa de dinheiro, e não de segurança. Keiser prossegue nos lembrando que a Casa Branca é refém de Wall Street, dos fundos hedge, de banqueiros corruptos e também da Booz Allen, e que as empresas parceiras no PRISM tem incentivos financeiros para participar desse programa, além dos possíveis pedágios para acesso a dados pessoais dos seus clientes.”(11)
Conclusão
Se a internet é, por sua natureza, rastreável, sua vida online poderá ser um livro aberto a ser comercializado. Por outro lado, é possível viver fora da rede? Essa resposta pode ser minimizada por bilhões de pessoas que vivem excluída delas, mas, em pouco tempo pode mudar, em termos, pelo menos de acesso. Espionagem existe desde que o ser humano organizou um clã há milhares de anos. Não será agora que mudará, mas será admissível que a profecia de George Orwell no livro 1984(13) será o único futuro previsivel? Não haverá espaço para a privacidade cidadã? Ações isoladas de pessoas como Edward Snowden, Julian Assange, Aaron Swartz ou Bradley Manning estarão fadadas ao fracasso, isolamento e punição? Quanto vale a privacidade de cada um? Esses são temas para um próximo artigo.
*Mario Teza, é Assessor da Presidencia do SERPRO. Ativista da Comunidade Software Livre, foi fundador do FISL, diretor da Campus Party no Brasil e fundador do NIC.br, braço operacional do CGIBr.
Notas
(1) http://pt.wikipedia.org/wiki/PRISM_%28programa_de_vigil%C3%A2ncia%29
(2) Vale a pena a leitura na integra da entrevista ao Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da Faculdade de Direito da USP (http://ndisusp.wordpress.com/author/ndisusp/
(5) Câmbio do dia 28 de agosto de 2013: http://economia.uol.com.br/financas-pessoais/calculadoras/
(6)http://www.ft.com/intl/cms/s/0/3cb056c6-d343-11e2-b3ff-00144feab7de.html#axzz2d63AMltO
(7) http://www.magicwebdesign.com.br/blog/quanto-vale-like-facebook/
(10) http://info.abril.com.br/noticias/ti/big-data-ajudou-obama-a-ganhar-eleicoes-15012013-25.shl
(11) http://www.cic.unb.br/~rezende/trabs/entrevistaRBA.html
(12) http://rt.com/op-edge/keiser-international-confidence-crumbling-snowden-182
(13) https://pt.wikipedia.org/wiki/1984_(livro)