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na escola – Jogada de mestre

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Jogada de mestre

Convide a turma para “brincar” com games relacionados aos conteúdos das disciplinas e ganhe pontos no rendimento dentro da sala de aula
Texto Rafael Bravo Bucco

 

ARede nº 95 – novembro/dezembro de 2013

Ligada no índice de atenção dos estudantes e antenada ao que eles andam fazendo no tempo livre, a professora orientadora de informática educacional (Poie) Gislaine Munhoz resolveu ousar. Docente da EMEF Prof. Rivadavia Marques Júnior, de São Paulo, em 2012 ela iniciou um projeto com jogos eletrônicos para despertar o interesse da turma. Passou a planejar, com os demais professores, o uso de games no laboratório de informática. Os computadores são utilizados também para criação de jogos focados nas necessidades da escola.

“Tenho um grupo com oito crianças de 12 a 14 anos que desenvolve jogos”, conta. Os jovens criam em duas frentes. Numa, produzem sob encomenda das professoras do 1º ano, que precisam de jogos educativos específicos para estimular quem está com problema de aprendizado. Os mais velhos colocam a mão na massa e os pequenos superam as dificuldades. “Os que utilizam esses games melhoram o rendimento”, diz Gislaine.

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As ferramentas para construção de jogos são os programas Scratch, Hot Potatoes, ambos gratuitos, e PowerPoint. “Eles descobriram que dava para criar jogos com este programa. Depois convertemos em Flash”, diz. O grupo fez até um site onde hospeda os conteúdos desenvolvidos. Na outra frente de ação, desenvolvem o que querem, sob supervisão de Gislaine. “Quando você trabalha com adolescente, tem de respeitar o interesse deles, para mantê-los motivados. Eles fizeram jogos simples para os mais novos, mas também jogos mais complicados para eles”, explica.

Com o propósito de beneficiar quem não pode ficar no contra-turno, mas gostaria de mais jogos em aula, Gislaine trouxe os games para a rotina do laboratório. “Eu introduzo os temas com jogos. Por exemplo, se for trabalhar com ambiente, procuro um jogo sobre o assunto”, conta.
Esse planejamento é feito com a professora da disciplina que vai usar o laboratório. Gislaine usa games com 21 turmas. Pelo empenho e uso das ferramentas de que dispõe para fazer algo novo, foi eleita um dos dez Educadores Inovadores, premiação promovida pela Microsoft.

A mestra não se incomoda quando a garotada vai além da encomenda. “Sempre faço o papel de que eu não sei, de que eles vão me ensinar. Como são oito cabecinhas pensando ao mesmo tempo, eles dão um baile”, diz ela, que também é mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Se entre os alunos do primeiro ano as notas melhoraram, entre os mais velhos o impacto foi comportamental. “Percebemos uma mudança na postura”, resume.

Porém, o projeto enfrenta dificuldades, como a baixa velocidade de conexão no laboratório. “Por isso, procuro usar ao máximo games offline”, diz Gislaine. A infraestrutura aquém das necessidades dos professores é um dos principais empecilhos para adoção maciça dos games nas escolas, como explica o professor João Mattar, coordenador do curso de pós-graduação Inovação em Tecnologias Educacionais, da Universidade Anhembi Morumbi. “O professor vai fazer o que pode em função do que dispõe. É possível usar o game até com um computador só, projetando no data show”, afirma.

Como não dá mais para ficar restrito ao laboratório, ele reforça o coro dos que ressaltam a importância da infraestrutura de qualidade: “O laboratório de informática tem de ser a própria sala de aula, e para isso, é preciso rede sem fio”. Também é preciso caprichar na capacitação. Para o professor, um dos problemas do Programa Um Computador por Aluno (ProUCA) foi a falta de cursos para preparação dos docentes. “Tem de ser uma formação contínua, não uma capacitação de alguns dias. E todos, inclusive o professor, precisam ter o dispositivo”, observa. Também é fundamental treinamento específico para uso de jogos eletrônicos em sala de aula. “Pressupõe-se que a formação tenha módulos de avaliação que ajudem o professor a entender as dificuldades do estudante”, alerta. Na classe, o docente deve estar atento e participar ativamente da jogatina. “É importante que faça intervenções, leve a turma a refletir sobre o que aconteceu no jogo”, sugere.



Na rede municipal de ensino de São Paulo, o trabalho de Gislaine está mais para exceção do que para regra. Paula Carolei, pesquisadora do grupo Comunicação e Criação em Mídias da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), atuou até 2012 como tutora em oficinas sobre o uso de games na escola. Debatia com os docentes as linguagens dos jogos e formas de aplicação. Foram 18 oficinas, com mais de 300 professores. O suficiente para traçar um perfil do mestre das EMEFs paulistanas. Foi quando apurou que 90% usam os jogos como prêmio para quem fez a lição e que nem todos olhavam o que os alunos jogavam, apenas vigiavam para evitar jogos violentos ou pornográficos. “Propusemos fazer atividades a partir do jogo, o jogo como recurso, não como estratégia didática”, explica.

Dos 320 pesquisados, 282 eram Poies. Ela também descobriu que 34% nunca trabalharam com jogos em aula. Aos que experimentavam, pediu informações sobre os hábitos dos estudantes: entre os meninos, o jogo favorito é de tiro (25%), enquanto as meninas preferem jogos de vestir personagens (20%). Apenas 1% gosta dos educativos.



Paula ressalta que o jogo tem potencial imersivo, ou seja, gera experimentação; enquanto os materiais escolares convencionais são demonstrativos: “O maior problema que vi nas oficinas é que os professores querem um jogo pronto, para que o menino jogue e aprenda. E não é isso. O papel do professor é propor uma atividade a partir daquele jogo. É como fazer uma experiência na aula de ciências. Gosto da estratégia jogar, discutir, jogar. O aluno tem de jogar e fazer uma atividade depois. E jogar de novo. Pois aí joga com outro olhar”, defende. Mas a atividade tem de sair do lugar comum também, ou corre o risco de não ser tão bem-sucedida. “39% dos professores ainda pensam em produção de texto como atividade adicional”, observa.



Na Bahia, a Secretaria de Educação também constatou dúvidas dos docentes sobre como utilizar os jogos. “Nossos professores interagem com as tecnologias, jogam no Facebook, mas não levam isso para a sala. Eles não conseguem. Têm dificuldade em pensar como possibilidade pedagógica”, conta Lynn Alves, pesquisadora e coordenadora do grupo Comunidades Virtuais, ligado à Universidade Estadual da Bahia (Uneb), que estuda os usos e efeitos dos jogos eletrônicos na educação. O jeito é incentivar a prática em treinamentos. “A gente bota pra jogar. Eles percebem, a partir da interação, como usar na aula”, explica.

O Comunidades Virtuais produz games, desenvolve e ministra cursos de capacitação dos professores dos Centros Juvenis de Ciência e Cultura de Salvador. Nas aulas, os mestres aprendem a ensinar a partir da tecnologia, mesmo sem a tecnologia estar disponível. “O que acontece é que eles ficam tão imersos no universo do jogo que não se dão conta do viés ideológico das narrativas. No GTA, por exemplo, há uma inversão de valores, o jogador é um bandido. O professor deve incentivar uma leitura crítica, fazer o estudante se dar conta de que o jogo é uma mídia e que transmite uma mensagem”, resume.

O grupo de Lynn já desenvolveu nove jogos com apoio do Finep. Todos podem ser baixados gratuitamente. Cada um tem orientações pedagógicas de uso no site. Quem quiser, pode pedir o código. Não é um software livre por usar plataformas proprietárias, como Unity ou Flash, mesmo assim, os códigos estão à disposição de qualquer educador. Em média, um jogo com fins educacionais é desenvolvido em 18 a 24 meses. “A equipe é multirreferencial, tem artista, designer, programador, sound designer, pedagogos, e o profissional do conteúdo. Se for um game de História, tem um historiador”, conta.

Considerada uma das principais pesquisadoras e conhecedora das iniciativas de uso de game em aula, Lynn ainda enxerga um grande vazio no Brasil. Segundo ela, há poucas inciativas, e no setor público, menos ainda. “Meu grupo desenvolve jogos na Bahia, há outro em Pernambuco que produz a Olimpíada de Jogos Digitais e Educação, que reúne também Rio de Janeiro e Acre. Em Osasco (SP) as escolas usam o jogo Cosmos. E tem o trabalho da Oi Futuro no projeto Nave, com os cursos de desenvolvimento de games em nível médio. Mas não há uma política que institucionalize isso. São experiências pontuais tentando difundir a cultura do game na educação”, enumera.



A organização não governamental Games For Change obteve financiamento do Finep para localizar (adaptar para o português) o jogo Conflitos Globais. O personagem é um jornalista incumbido de entrevistar os envolvidos em disputas regionais. Segundo o diretor da ONG, Gilson Schwartz, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, este ano lançam no Brasil o game Ludwig, desenvolvido por uma empresa da Áustria com patrocínio do Ministério da Cultura daquele país e da prefeitura de Viena. Na trama, o jogador se coloca no lugar de um robô alienígena que cai na Terra e precisa encontrar fontes de energia para regressar a seu planeta.

Em outras partes do mundo, ressalta Schwartz, o que se vê é o setor público incentivando a criação de jogos de qualidade para a educação. No Brasil, o setor avança timidamente: “Já se debate sobre arranjos produtivos. Entendendo que o game é uma fronteira do capitalismo, no sentido de que as interfaces digitais imersivas são dotadas de uma uma natureza lúdica que redefinem tanto a produção quanto o consumo”. Para funcionar, governos precisam se mobilizar. “Precisamos de um mecanismo de distribuição e de políticas públicas, para que o cara do rincão tenha a mesma possibilidade que quem vive na Av. Paulista”, opina.



O primeiro, e último, edital do governo federal de incentivo à produção de games com fins educacionais é de 2009. Antes, o Ministério da Cultura havia lançado o seu, em 2006. Editais, porém, são insuficientes para estimular a maturação da indústria. “Hoje se fala muito em criar arranjos locais, produtivos, apoiar não esse ou aquele projeto, mas fomentar o desenvolvimento regional. O Brasil tem um movimento importante de incubadoras e parques tecnológicos”, observa Schwartz. Recentemente foi anunciado o Fundo Procult, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que contempla a área de games. “O principal ponto ainda não abordado, porém, é o entendimento de que game é software, e deveria ser enquadrado nas políticas industriais e científicas do setor”, acredita o professor.


Games para usar

Ludo Educativo

portal.ludoeducativo.com.br 

Procurando um jogo? Encontrou um portal! Com dezenas de games para ser acessados pelo navegador de internet. Os programas estão divididos em categorias como ação, aventura, esportes, colorir. São opções para todas as idades, do nível infantil ao ensino médio.

De aluno para aluno
jogosdoriva.webnode.com 

É aqui que os alunos da professora Gislaine Munhoz publicam os jogos que produzem. São destinados às crianças do primeiro ano. Em Flash, podem ser acessados diretamente pelo navegador do PC. Alguns trabalham com raciocínio lógico, outros, com coordenação motora e conhecimentos gerais.

Mistério dos Sonhos

www.goxmile.com/misteriodossonhos#

Criado pela startup Xmile Learning. Para cada licença vendida, uma é distribuída gratuitamente. Baseado em enigmas que reforçam os conceitos aprendidos na escola. O professor pode acessar os resultados e ver os pontos fortes e fracos de cada estudante. Voltado para educação infantil e fundamental.



Agente da paz

www.peacemakergame.com

Em inglês, este jogo coloca o usuário na pele de um líder que tem a missão de chegar a um acordo de paz no Oriente Médio. Recomendado para maiores de 13 anos, permite que se jogue como presidente palestino ou israelense. Infelizmente esqueceram do Linux, pois tem versões apenas para máquinas com Windows ou Mac OS.


Variedade grande

www.escolagames.com.br

Neste portal há 61 jogos para crianças a partir dos 5 anos. Os jogos são criados com acompanhamento pedagógico. Tem game sobre tabuada, meios de transporte, pontos cardeais, entre outros. Feitos com Flash, funcionam em qualquer computador conectado à internet, não exigindo máquinas potentes.