Áurea Lopes
01/04/2014 – Quando chegaram para fazer o curso de Introdução à Informática, hoje, às 14h, os 16 idosos que frequentam o telecentro que fica no Centro de Referência da Cidadania do Idoso (CRCI), no Vale do Anhangabaú, deram com a cara na porta. E não gostaram: “Que triste! Estamos surpresas, não sabemos o que fazer! Isso é um desrespeito com os idosos. Se nos foi dada a oportunidade de fazer esse curso, não poderia ter sido interrompido dessa maneira. No mínimo, tinham de ter comunicado um dia antes. A gente veio de condução, é um sacrifício… chega aqui e encontra a porta fechada sem explicação”. Essas foram algumas das expressões de indignação dos usuários com a forma pela qual a prefeitura de São Paulo encaminhou um problema que se arrasta, desde o ano passado, em relação ao programa de telecentros paulistano – pioneiro no país, referência em qualidade para a inclusão digital na gestão da prefeita Marta Suplicy.
A rede de telecentros, que chegou a ter 500 unidades e atingir cerca de 2 milhões de usuários, agora tem 258 – 126 mantidos diretamente pela administração municipal e 132 em convênio com organizações da sociedade. A partir de hoje, foram suspensas as atividades nas unidades, que operavam com monitores capacitados e pagos pelo Instituto de Organização Racional do Trabalho (Idort). De acordo com comunicado da Secretaria de Serviços do município, a prestação de serviços foi interrompida porque o Idort não apresentou a documentação necessária para a prorrogação do contrato.
A professora do telecentro do CRCI foi informada de que não poderia dar aulas no dia seguinte às 22h da noite anterior, quando recebeu uma ligação telefônica de seu supervisor. Os usuários não tiveram a mesma sorte. João Aparecido Souza, pintor de automóveis desempregado que está morando na rua, rodou pela cidade em busca de um computador para acessar seus e-mails. “Já fui no telecentro da Galeria do Rock, estava fechado, não tinha ninguém nem para dar informação de quando vai abrir. Agora, aqui, a mesma coisa… “, diz ele, que se comunica com os amigos e faz contatos para conseguir trabalho pelo Facebook. Informado pela reportagem de que muitas unidades estão fechadas, ele se preocupa: “E agora, o que é que eu faço?”
Aconselhado pelo coordenador do Centro a aguardar para ver o que vai acontecer com o telecentro, o grupo de idosos combinou de voltar ao telecentro na próxima sexta, para uma reunião em que vão decidir o que fazer. Uma das alunas mais indignadas, Iracema de Oliveira Guerra diz que o curso era muito bom: “O objetivo é dar apoio às pessoas, abrir a mente, nos dar oportunidades no mercado de trabalho e de ter uma atividade social. Não podem nos tirar isso assim, sem mais nem menos”.
Um telefonema na noite de ontem. Assim também Paulo Henrique de Lima ficou sabendo que não deveria ir trabalhar no dia seguinte. Supervisor do telecentro que funciona junto à Associação Comunitária Conjunto Garagem Força e Raça, no bairro de São Miguel, ele relata que os problemas com o Idort não são recentes: “Já houve vários atrasos nos pagamentos de salários e de tíquetes refeição. Em novembro do ano passado, diminuíram os horários de atendimento e fecharam os telecentros no domingo. Com isso, 140 funcionários foram demitidos e a empresa pagou apenas 50% das rescisões”. O telecentro da Força e Raça, que funciona com 20 máquinas, tem quatro horários de cursos e já chegou a atender 2.600 pessoas por mês.
O secretário municipal de Serviços, Simão Pedro, garante que Iracema e todos os usuários dos telecentros paulistanos podem ficar tranquilos que as unidades vão reabrir, e com melhor qualidade. “Muitas ocorrências acabaram levando a esse desfecho, que não era o que desejávamos. Tentamos fazer um edital, fomos questionados pelo Tribunal de Contas, refizemos o edital, sofremos auditoria, corte de orçamento, lançamos um novo edital e tentamos uma contratação de emergência que não foi aceita… tudo para impedir que o serviço fosse descontinuado. Mas não foi possível. Também fomos surpreendidos, na sexta-feira passada, pela ausência dos documentos para uma renovação de contrato que vencia dia 31. No dia 1º, hoje, não poderíamos permitir que pessoas trabalhassem sem amparo legal. Por isso tivemos de suspender as atividades temporariamente”, explica o responsável pela pasta que detém a gestão do programa. Os detalhes do processo estão descritos na Nota de Esclarecimento emitida pela Secretaria de Serviços, abaixo.
Desde o início da gestão Fernando Haddad, o programa de telecentros passa por revisões. Em janeiro de 2013, foram fechados 31 telecentros por irregularidades na prestação de contas e na documentação. “Existe uma legislação dentro do município que diz quais são os documentos necessários para o telecentro funcionar, e que tem que ter prestação de contas mensal. Se deixar de apresentar um documento, então mandamos para a assessoria jurídica, que faz uma análise. Quando julgam por bem, concedem 30 dias de prazo para regularização. Os telecentros, não conseguindo atender as exigências, são desligados”, disse Elaine Cristina de Souza Rocha, da Coordenadoria de Inclusão Digital (CID), ao portal ARede, dia 20 de maio de 2013.
De acordo com o secretário de Serviços, um diagnóstico do programa identificou uma queda na frequência de público – o que foi atribuído, em grande parte, ao modelo dos telecentros: “Havia problemas de estrutura e também temos de considerar as mudanças nas formas de cesso à internet por dispositivos móveis. Mas também os cursos dos telecentros estavam defasados, os conteúdos não foram renovados”.
A ideia, a partir de agora, é propor um novo modelo de convênio, que está sendo finalizado, segundo Simão Pedro. “Vamos chamar as conveniadas e propor que façam as contratações diretamente dos monitores. A secretaria faz o repasse dos recursos, mas eles podem contratar pessoal local, das comunidades. Os telecentros diretos que não estão dentro de CEUs e de bibliotecas também terão gestão compartilhada com as secretarias de Educação e Cultura, para reforçar os conteúdos, criar salas digitais, para acesso por tablets, por exemplo”, diz o secretário.
As organizações sociais lamentam a paralisação dos telecentros e se mobilizam para não deixar o programa morrer. O Coletivo Digital se reuniu esta tarde para deliberar sobre um pedido de audiência com o prefeito Haddad. “É lamentável assistir o desmantelamento de políticas públicas que tanto lutamos para implantar!”, diz o post na página da organização no Facebook. Em sua página, o vereador José Police Neto (PSD-SP) escreveu: “Prefeitura e instituição gestora do Sistema de Telecentros não conseguiram estabelecer uma transitoriedade para um novo modelo ainda em estudos pela atual gestão. São Paulo mais distante da cidade educadora, moderna e justa que sonhamos”.
Os monitores, articulados pelas redes sociais, programam para amanhã, dia 2, uma manifestação em frente à porta do Idort.
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NOTA DE ESCLARECIMENTO DA SECRETARIA DE SERVIÇOS
A Secretaria Municipal de Serviços informa a suspensão temporária das atividades dos Telecentros por 15 dias, enquanto toma as providências para restabelecer o pleno funcionamento dos mesmos.
Tal medida se deve a alguns fatos:
1) Em dezembro de 2013, com a previsão do término das Contratações vinculadas aos Telecentros, SES publicou pregão eletrônico para licitar serviços de operação e manutenção dos Telecentros;
2) Em razão de representações apresentadas perante o E. Tribunal de Contas do Município, a licitação foi suspensa por determinação dessa Corte em 23/01/14;
SES manifestou-se imediatamente sobre as representações, contudo, a Licitação permaneceu suspensa;
3) Neste interim houve auditoria dos Órgãos Técnicos do TCM que apontaram inconsistências no processo licitatório;
4) Diante dos referidos apontamentos, a SES decidiu revogar a Licitação e alterar substancialmente o Termo de Referência que delineia todo o escopo da futura contratação;
5) Para não haver solução de continuidade, SES decidiu prorrogar temporariamente os contratos com a empresa Zênega e o Instituto Idort, responsáveis pela manutenção técnica, logística, operação e conteúdo dos Telecentros. A prorrogação com a Zênega se deu em 21/03/2014, por um período de 3 meses (entre 21/03 a 20/6);
6) A prorrogação com o Idort seria autorizada em 31/03/2014, com validade a partir de 01/04/2014. Entretanto, a documentação apresentada pela Entidade estava com a validade vencida, devendo a então contratada apresentar documentação válida e hábil a demonstrar as condições jurídicas para tanto. Ocorre que a Entidade não apresentou documentação que comprovasse a regularidade fiscal Municipal, documento este imprescindível, sem o qual ela não pode contratar com o Poder Público em qualquer das esferas. Assim, a Administração ficou impedida de efetuar a prorrogação. Sem esta formalidade as atividades decorrentes do contrato devem ser encerradas.
Esclarecemos ainda que a Secretaria de Serviços foi surpreendida com a não apresentação da documentação necessária por parte do Idort. Não restando outra alternativa senão a suspensão das atividades dos Telecentros, pois a Entidade era contratualmente responsável pelos profissionais que diariamente mantinham os Telecentros em funcionamento, sejam estes conveniados ou diretos.
Contamos com a compreensão de todos e enfatizamos que faremos todos os esforços para normalizar a situação com a maior brevidade possível.
SECRETARIA MUNICIPAL DE SERVIÇOS