Sociedade civil volta-se para veto do artigo 15 do Marco Civil

23/04 - A prática, de acordo com dezessete signatárias da carta à presidente Dilma, viola os princípios constitucionais de presunção de inocência e proporcionalidade.

Marina Pita,
do Tele.Síntese

23/04/2014 – Com a aprovação unânime do Marco Civil da Internet nesta terça-feira (22), a sociedade civil tenta agora um último ajuste no texto. Explicitado nesta noite pelos participantes da abertura oficial do Arena NETMundial – evento que acontece em São Paulo e foi organizado pela Secretaria Especial da Presidência da República -, o descontentamento é com o artigo 15, que obriga a guarda de registros de aplicação de todas as empresas que atuem na internet.

A prática, de acordo com as dezessete signatárias da carta à presidenta Dilma Rousseff, viola os princípios constitucionais de Presunção de Inocência e Proporcionalidade e afeta a privacidade dos cidadãos, na contramão do propósito original do Marco Civil.

O artigo 15 do Marco Civil brasileiro também iria na contramão da resolução sobre privacidade da Organização das Nações Unidas. “Edward Snowden, por exemplo, instou as empresas de Internet a criptografarem suas comunicações, para que os dados de seus clientes não sejam interceptados por serviços de inteligência agindo de forma abusiva. Com a redação aprovada na Câmara e que se mantém até o momento no Senado, o uso de criptografia se tornaria inócuo”, escreveram as entidades.

O texto aprovado no Senado também aniquila, na avaliação da sociedade civil, empreendimentos e modelos de negócios que tenham o respeito à privacidade como parte estruturante de sua dinâmica. Além disso, os custos gerados para se armazenar e manter os dados em sigilo devem estimular um movimento defensivo das empresas, que precisam pagar a conta, estimulando assim o crescimento do mercado de venda de metadados.

A carta à presidente Dilma Rousseff foi protocolada na quinta-feira, dia 17. De acordo com apuração do TeleSíntese, o documento ressoou no governo, mas há dúvidas sobre tocar no texto aprovado. A carta é assinada por Actantes, Articulação Marco Civil Já, Artigo 19, Associação Software Livre, Avaaz, Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada, Coletivo Digital, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Intervozes, Fora do Eixo, Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto Socioambiental (ISA), Mídia Ninja, Movimento Mega, Rede Brasil de Festivais e Proteste.

Leia a íntegra do documento:

 

 

Para: Presidência da República
Excelentíssima Sra. Presidenta da República Dilma Rousseff

CC: Secretaria Geral da Presidência da República
Excelentíssimo Sr. Ministro Gilberto Carvalho

Excelentíssima Sra. Presidenta,

Tendo em vista a trajetória percorrida desde 2011, quando foi apresentado ao Congresso Nacional a primeira versão do Marco Civil da Internet, até a votação e aprovação na Câmara dos Deputados em 2014, e que, durante todo esse tempo, a sociedade civil organizada que atua pela garantia da liberdade de expressão e pelos direitos humanos na internet vem se dedicado integralmente a assegurar os interesses sociais e econômicos dos cidadãos e cidadãs brasileiras na internet e através dela; 

Tendo em vista o seu posicionamento perante esses acontecimentos, que culminaram no seu discurso na Assembleia Geral da ONU em setembro de 2013, e a representatividade que o Brasil vem ganhando frente a outros países;

E tendo em vista que os resultados positivos de todos esses momentos resultaram da parceria construída entre o Governo e a sociedade civil, 

Pedimos o veto integral ao artigo 15 do PLC 21/2014 (Marco Civil da Internet – ANEXO I), aprovado na Câmara de Deputados, pelos motivos abaixo relacionados.

1. Viola Diretrizes Internacionais

O caput do artigo obriga a guarda de registros de aplicação de todas as empresas que atuem na internet com esse serviço violando os princípios constitucionais de Presunção de Inocência e Proporcionalidade. Tais violações, além de afetar a privacidade dos cidadãos e cidadãs do Brasil, também interferem na dinâmica econômica do mercado e abrem um grave precedente internacional.

O Tribunal de Justiça da União Europeia declarou recentemente ilegal a retenção de dados em ocasiões que não sejam estritamente necessárias (ANEXO II). A decisão da justiça europeia entende que tal medida é grave por implicar ampla interferência no direito fundamental à privacidade.

 

Esse artigo do Marco Civil brasileiro também vai na contramão da resolução sobre privacidade da Organização das Nações Unidas (ANEXO III). Edward Snowden, por exemplo, instou as empresas de Internet a criptografarem suas comunicações, para que os dados de seus clientes não sejam interceptados por serviços de inteligência agindo de forma abusiva.

Com a redação aprovada na Câmara e que se mantém até o momento no Senado, o uso de criptografia se tornaria inócuo, pois todas as empresas precisarão, obrigatoriamente, reter registros de acesso de toda a sua clientela, inclusive de pessoas sabidamente inocentes, que não estejam sendo objeto de nenhuma investigação e que não tenham cometido nenhum crime ou outra infração legal. Nesse ponto, o dispositivo legaliza o monitoramento em massa dos consumidores, uma realidade cujo combate deveria ser papel do Estado.

2. Trata a privacidade como mercadoria

Para implementar a guarda de Registro de Conexão e Registro de Acesso a Aplicações na Internet, será necessário que os provedores implementem, antes de tudo, um mecanismo de identificação dos usuários da internet, para depois registrar o seu “uso”. Tudo sem o consentimento dos cidadãos e das cidadãs brasileiras que navegam na rede.

O texto também aniquila empreendimentos e modelos de negócios que tenham o respeito à privacidade como parte estruturante de sua dinâmica. Além disso, os custos gerados para se armazenar e manter os dados em sigilo impulsionarão o mercado de venda de metadados. Empresas que não iriam guardar dados para vender a análise destes dados passarão a fazê-lo de modo a compensar os custos. O tratamento da privacidade como mercadoria será impulsionado vigorosamente pelo texto que exige ordem judicial para a disponibilização dos dados ao requerente, mas não o faz para disponibilização da análise dos dados.

3. Viola princípios constitucionais

Os princípios constitucionais da presunção de inocência e da proporcionalidade são violados pelo referido artigo, mesmo com a garantia de ordem judicial para a disponibilização dos dados armazenados. A medida estabelece como norma a retenção indiscriminada de dados para fins de investigação criminal. Se não há presunção de culpa, não há justificativa para retenção de dados obrigatória.

A prevenção ao crime não pode estabelecer medidas desproporcionais que coloquem toda a sociedade sob suspeita. Ademais, a investigação de ilícitos na rede não depende tecnicamente da guarda obrigatória e antecipada de dados dos usuários, tendo em vista que atualmente diversas operações de investigações criminais na rede são bem sucedidas sem que essa medida extrema esteja em vigor.

Vale ressaltar também que o artigo 15 contradiz os posicionamentos já adotados e defendidos pelo governo brasileiro em prol da Governança Global da Internet, comprometendo a implementação de mecanismos multilaterais que garantam os princípios propostos na Assembleia Geral da ONU.

 

Certos do compromisso deste governo com a defesa desses direitos fundamentais, contamos com o veto integral ao artigo 15 do Marco Civil da Internet, um já histórico instrumento para a garantia de direitos na internet.

Atenciosamente.

Actantes
Articulação Marco Civil Já
Artigo 19
ASL – Associacão Software Livre
Avaaz
Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada
Coletivo Digital
FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
Fora do Eixo
Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Instituto Bem Estar Brasil
ISA – Instituto Socioambiental
Mídia Ninja
Movimento MEGA
Rede Brasil de Festivais
Proteste – Associação de Consumidores